Cunha é autor de requerimentos suspeitos, aponta investigação

 

A Procuradoria Geral da República encontrou provas de que são de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, os requerimentos apresentados por aliados dele que teriam sido usados para pressionar empresa com contratos com a Petrobras, informa VINÍCIUS SASSINE. - BRASÍLIA- A Procuradoria Geral da República ( PGR) avançou na produção de provas que mostram que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDBRJ), é o verdadeiro autor de requerimentos parlamentares suspeitos de terem sido usados para pressionar a empresa Mitsui a pagar propina, segundo fontes da investigações.

REPRODUÇÃO DA INTERNETPressão. Cunha ao lado de Solange, na campanha de 2014: presidente da Câmara seria o real autor de requerimentos

A apreensão de registros do sistema de informática da Câmara, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal ( STF) e executada por procuradores no começo de maio, foi considerada exitosa e aproximou Cunha ainda mais de uma denúncia ao STF. Se isso se confirmar, o presidente da Câmara passaria da condição de investigado a réu.

Novas evidências foram colhidas a partir dos registros coletados e reforçaram a participação do deputado no suposto achaque à empresa.

Em delação premiada, o doleiro Alberto Youssef afirmou que Cunha apresentou requerimentos, por meio de aliados, para pressionar a Mitsui a retomar o pagamento de propina.

Como revelou O GLOBO, em 2011, a então deputada Solange Almeida ( PMDB- RJ), hoje prefeita de Rio Bonito e aliada de Cunha, protocolou dois requerimentos na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara — um com pedido de informações ao Ministério de Minas e Energia sobre contratos da Mitsui com a Petrobras e outro com pedido ao Tribunal de Contas da União para que fizesse auditorias nos contratos.

Os arquivos eletrônicos dos requerimentos apontam “Dep. Eduardo Cunha” como o real autor. Ele nega.

Tanto a diligência feita na Câmara, seguida de uma posterior análise técnica dos dados recolhidos, quanto o depoimento do consultor Júlio Camargo, que representava a Mitsui, confirmaram a atuação de Cunha no episódio relatado pelo doleiro Youssef.

A Mitsui nega que tenha contratado Júlio Camargo.

CORRUPÇÃO E LAVAGEM

A denúncia do procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, ao STF é dada como certa. Se isso ocorrer, o presidente da Câmara passa da condição de investigado a réu. As suspeitas são de que Cunha cometeu os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O mais provável, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, é que a denúncia seja apresentada sem que sejam feitas novas buscas por provas. Existe a possibilidade, porém, de novos pedidos de busca serem feitos após a denúncia.

Para avançar na produção de provas, a PGR partiu do princípio de que Cunha poderia destruir documentos e, por isso, decidiu apreender os registros do sistema de informática da Câmara. Para evitar a busca de registros na Câmara, a única alternativa, segundo fontes das investigações, seria o afastamento cautelar de Cunha da presidência da Câmara.

Os dois requerimentos apresentados por Solange provocaram respostas dos órgãos acionados. O então ministro de Minas e Energia, senador Edison Lobão ( PMDBMA), encaminhou à Câmara um documento formulado pela Petrobras com o detalhamento dos seis contratos existentes naquele momento entre a estatal e a Mitsui Ocean Development & Engineering Co., no valor de R$ 3,2 bilhões e com 13 aditivos.

O Tribunal de Contas da União também respondeu, informando não haver auditoria em curso contra a Mitsui.

 

Aliados podem faltar a peemedebista

 

Apenas 24 horas antes de o GLOBO revelar em seu site o teor do depoimento de Júlio Camargo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, zombava das operações de busca da Polícia Federal em entrevista coletiva no Salão Verde da Câmara: “Que não cheguem antes de seis horas para não me acordarem”. Simultaneamente, um de seus principais aliados, Paulinho da Força, tentava aprovar uma emenda a um projeto para impedir a recondução do procuradorgeral da República. Quartafeira, no penúltimo dia de trabalho do semestre legislativo, Cunha se preparava para deixar o campo como o dono do jogo.

Só que a afirmação do lobista Júlio Camargo pode mudar radicalmente a posição de Cunha quando o Congresso retomar suas atividades em agosto. Embora o governo possa tornar- se de imediato alvo da ira de Cunha, ontem até os aliados dele já vislumbravam seu enfraquecimento com os desdobramentos que o depoimento pode provocar, a começar com a provável formalização da denúncia contra ele por parte da ProcuradoriaGeral da República.

Cunha manteve- se soberano no comando da pauta política do país nos últimos meses movendo sua ampla base parlamentar, de cerca de 200 parlamentares, na direção que melhor lhe convinha. O problema central de Cunha agora é que, se o Supremo Tribunal Federal o tornar réu, os dois campos políticos entre os quais pendulou poderão lhe faltar.

O desfecho para a crise de Cunha dependerá essencialmente das ruas. Os movimentos que promoveram as manifestações contra o governo em março estão organizando com a oposição um grande ato no dia 16 de agosto. Caso a população, de forma massiva, pleiteie a cabeça de Cunha, os oposicionistas tendem a entregá- la sem hesitação, para não acabar com suas próprias cabeças em risco.

Ontem mesmo, oposicionistas começavam a desenhar um discurso do eventual desembarque da nau de Cunha. O discurso delineado é que o suposto esquema do presidente da Câmara faz parte da ampla máquina de corrupção instalada na Petrobras pelo governo PT.

Se a oposição abandoná- lo, Cunha teria como alternativa óbvia tentar repetir o ex- presidente José Sarney, que em meio à crise dos atos secretos do Senado conseguiu do então presidente Lula apoio integral para permanecer no cargo em troca de um cenário de tranquilidade para o governo no Senado.

Só que, como disse ontem um petista, “Dilma não é Lula e Cunha não é Sarney”. Enquanto os dois ex- presidentes construíram ao longo dos anos uma sólida relação, Dilma e Cunha vivem às turras há anos. Enquanto Sarney sempre trabalhou pela estabilidade do governo, Cunha atuou constantemente no sentido oposto. Caso o cenário degringole para o presidente da Câmara, apenas um fator poderia eventualmente uní- lo a Dilma: a fragilidade. Resta saber se a presidente, enfraquecida politicamente, toparia um acordão com um dos maiores algozes de seu governo.