Planalto teme dias ainda piores em sua relação com a Câmara

 

 A acusação contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDBRJ), feita pelo consultor Júlio Camargo à Justiça preocupou o governo Dilma Rousseff e pôs em alerta aliados do deputado. Após um semestre de derrotas na Câmara, o Palácio do Planalto prevê um cenário ainda pior a partir de agosto, com possíveis retaliações. No caso dos aliados de Cunha, a delação de Camargo e os rumores de que poderão surgir mais fatos contra Cunha os obrigam a repensar sua ação — o mesmo desafio de partidos de oposição, como PSDB e DEM, que se uniram a Cunha para derrotar o PT e Dilma na Casa.

JORGE WILLIAMProtesto. Deputados descontentes com a gestão de Cunha fazem manifestação na Câmara

Apesar de Cunha ser um dos principais algozes do governo, o Planalto não comemorou o revés sofrido por ele. Para um ministro do núcleo político, o impacto será “ruim” para Dilma.

— O governo precisa de paz — disse esse ministro.

O próprio Cunha, em café da manhã com jornalistas, antes da delação de Camargo se tornar pública, sinalizara que o governo viverá dias difíceis , após o fim do recesso parlamentar:

— Os deputados vão ficar duas semanas com o povo nas bases nos ouvidos deles, ouvindo reclamações sobre desemprego, então tendem a voltar ainda mais duros em relação ao governo.

Ele também admitiu analisar o pedido de impeachment de Dilma, entregue pelo Movimento Brasil Livre:

— Pedi pareceres de outros juristas fora da Casa para formar meu convencimento.

Aliados de Cunha afirmam que a tendência será que ele parta para cima da presidente. Em conversas reservadas, ele diz que não “cairá sozinho”. Desde que foi incluído pelo procurador- geral da República, Rodrigo Janot, na lista de investigados da Lava- Jato, Cunha acusa o governo de trabalhar para enfraquecê- lo.

Beneficiários da condução de Cunha na Câmara, integrantes da oposição dizem que agirão com responsabilidade.

— Reconhecemos a delação premiada como melhor instrumento, pois, sem ela, não estaríamos no nível de apuração que estamos. Mas, assim como aconteceu com as delações que citam a presidente Dilma, a oposição não entrou com pedido de impeachment. O mesmo cuidado e responsabilidade teremos com outras autoridades — disse o vice- líder do PSDB, Nilson Leitão ( MS).

Com a Câmara entrando em recesso parlamentar, sem sessões plenárias, o único a falar ontem sobre a crise, em sessão esvaziada no plenário, foi Ivan Valente ( PSOL- SP). Ele pedirá, em agosto, na volta dos trabalhos, que Cunha deponha na CPI da Petrobras. O PSOL, porém, aguardará a evolução dos fatos para acionar a Corregedoria e o Conselho de Ética da Câmara.

No fim da manhã, antes de O GLOBO publicar a informação sobre a delação de Camargo, um grupo de parlamentares, exibindo cartazes no Salão Verde, atacaram a gestão de Cunha. Deputados de PSB, PSOL, PPS e PT criticaram, em sua visão, a forma autoritária na condução das votações. Cunha ironizou o protesto, dizendo se tratar de “choro de perdedor”. ( Isabel Braga, Fernanda Krakovics, Evandro Éboli, Geralda Doca e Patrícia Gagni)

 

Renan agiliza CPIs pedidas pela oposição

 

 Em constante atrito com o Palácio do Planalto e irritado com a ação da Polícia Federal na Operação Lava- Jato, o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), acelerou o processo de instalação de duas CPIs pedidas pela oposição: a que trata dos fundos de pensão e outra sobre o BNDES. Em meio a novas denúncias envolvendo o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), Renan, também citado nas investigações, voltou a atacar ontem a Lava- Jato, após ouvir um discurso sobre o assunto feito pelo senador Fernando Collor ( PTB- AL), outro alvo de ação da PF, na terça- feira:

— Queria, mais uma vez, alertar que nossa democracia não pode pagar para ver, ela não pode correr risco. Não podemos permitir que um poder queira se afirmar em cima de outro poder, porque, assim, estaremos ferindo de morte a própria democracia. Vivemos um momento grave, preocupante — disse Renan.

A exemplo do que fizera quarta- feira, Collor discursou ontem e reclamou da PF. Segundo Collor, outros parlamentares podem ser afetados.

— E não se iludam, pois ninguém está livre disso. Daqui mesmo, desta Casa, novas vítimas podem sair, novas histórias poderão ser maldosamente construídas. Estamos num terreno de um verdadeiro valetudo! — disse Collor.

As duas CPIs devem começar a funcionar em agosto. Ontem à noite, a presidência do Senado indicou os nomes para a comissão dos fundos de pensão, incluindo o líder do PT no Senado, Humberto Costa ( PTPE), e o próprio Collor.

Nos bastidores, aliados de Renan dizem que ele está muito preocupado com os desdobramentos da Lava- Jato. Pelas regras do Senado, após lidos os nomes, é marcada a instalação da CPI, ou seja, a data em que ela começa de fato a funcionar. No caso da CPI do BNDES, a tramitação está atrasada.

— No dia 6 de agosto, vou fazer a leitura do requerimento da Comissão Parlamentar de Inquérito do BNDES — anunciou Renan.

As duas CPIs incomodam o governo. A dos fundos de pensão foi pedida pelo PSDB para investigar a gestão de fundos de estatais, em especial do Postalis, dos funcionários dos Correios. No caso da CPI do BNDES, as investigações devem afetar o ex- presidente Lula, acusado de tráfico de influência internacional por obras financiadas pelo banco.

— Presidente Renan, Vossa Excelência cumpre, então, o compromisso assumido com a oposição — comemorou o presidente do PSDB, senador Aécio Neves ( MG).