Maioridade penal é reduzida

Depois de polêmica manobra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), os deputados aprovaram na madrugada de hoje, por 323 votos a 155, a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes hediondos e alguns delitos graves. A proposta é mais branda em relação à que fora rejeitada menos de 24 horas antes, no mesmo plenário. Se a emenda for aprovada em segundo turno na Câmara e depois no Senado, adolescentes de 16 a 18 anos poderão ser condenados, como adultos, por crimes como estupro e homicídio doloso. Ficaram de fora tráfico de drogas e roubo qualificado (com uso de violência). Um grupo de deputados, incluindo petistas, acusou Cunha de atropelar as regras da Câmara e ameaçou levar o caso ao STF. Eles alegaram que uma segunda versão da proposta deveria cumprir novamente todas as etapas de tramitação. -BRASÍLIA- Apenas 24 horas após a rejeição no plenário da Câmara da emenda que reduz a maioridade penal, uma manobra regimental do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apoiada por um grupo de líderes partidários, levou à aprovação, no início da madrugada de hoje, da punição aos jovens maiores de 16 anos. Com 323 votos favoráveis (15 a mais do que o necessário), o plenário da Câmara aprovou a proposta de emenda constitucional (PEC) que permite a responsabilização criminal de jovens de 16 e 17 anos em casos de crimes hediondos, homicídio doloso (quando se assume o risco de matar) e lesão corporal seguida de morte.

ANDRE COELHOEm festa. Após divulgar o resultado, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é beijado pela deputada Keiko Ota; ao redor, parlamentares comemoram a redução da maioridade

Para convencer aliados a mudar de ideia, o texto foi amenizado. Ficaram de fora os crimes de tráfico de drogas e roubo qualificado (com emprego de violência). A proposta ainda precisa ser votada em segundo turno na Câmara e, depois, no Senado, onde também precisa ser aprovada em duas votações.

Um grupo suprapartidário planeja recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a manobra regimental de Cunha que levou à nova votação do assunto. Cunha foi acusado de burlar as normas da Câmara. Eles alegam que uma nova versão teria de passar novamente por todas as etapas da tramitação.

— Não vamos aceitar. Iremos não só denunciar, mas, se preciso for, recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) — disse Weverton Rocha (PDT-MA), integrante desse grupo, antes da votação da emenda.

Apesar das críticas dos contrários à redução, a Secretaria Geral da Mesa Diretora da Câmara respaldou a ação de Cunha, avaliando que ela é permitida pelo regimento. Num dos momentos mais tensos, o deputado Alessandro Molon (PTRJ), contrário à redução da maioridade, irritouse quando Cunha ficou de costas para ele.

— Vossa Excelência pode decidir não ouvir, pode decidir virar de costas para mim. Pode decidir conversar com qualquer colega parlamentar que preste a esse papel. Mas o problema é que Vossa Excelência passa por cima da democracia, passa por cima da Constituição, passa por cima do regimento desta Casa até que vença posição de Vossa Excelência — afirmou Molon.

NOVA VERSÃO EXCLUI TRÁFICO DE DROGAS

Na madrugada de quarta-feira, o relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF) foi derrotado em plenário ao obter 303 votos favoráveis, cinco a menos do que o quórum exigido para mudar a Constituição (308). Para tentar reverter votos e garantir a aprovação da redução da maioridade penal em nova votação, deputados favoráveis à punição de jovens de 16 anos apresentaram várias versões de emendas.

A primeira emenda apresentada previa a condenação de menores que cometem crimes hediondos, delitos cometidos com grave ameaça, violência e homicídios dolosos. Essa versão retirava a punição para os crimes de tráfico de drogas e roubo qualificado (com emprego de violência), que eram passíveis de punição no projeto derrotado na noite anterior.

Para reduzir resistências, a proposta foi desidratada. Foram retirados os “crimes cometidos com violência ou grave ameaça” e os casos de lesão corporal grave. O texto posto em discussão se resumiu à punição para maiores de 16 anos nos casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Continuaram de fora, tráfico e roubo qualificado.

— A cada emenda nova, um voto a mais — comentou o líder do DEM, Mendonça Filho (PE).

A retirada do texto do crime de lesão corporal grave, por exemplo, foi defendida pelo deputado Mandetta (DEM-MS), um dos dois deputados da legenda que votou contra a redução da maioridade derrotada na véspera. Os líderes também cobraram a presença de deputados ausentes na votação anterior. Leonardo Picciani (PMDB-RJ) contabilizava três votos a favor de deputados que estavam viajando e chegaram ontem. Também anunciava a mudança de voto de Lindomar Garçon (PMDB-RO), que se absteve. Enquanto governistas tentavam convencer aliados a manter o voto dado na véspera, outros parlamentares criticavam Cunha na tribuna e obstruíam a votação com manobras regimentais.

— Sua tarefa é conduzir a sessão e garantir o bom andamento do debate e não conduzir a sessão para que Vossa Excelência seja sempre o vencedor. Se esse plenário fosse o Brasileirão, o presidente Eduardo Cunha certamente seria o Fluminense: não aceita perder nunca e, quando perde, vai para o tapetão, muda a regra para subir na Justiça — resumiu Paulo Pimenta (PTRS), causando risos no plenário.

Ontem, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, voltou a se mobilizar contra a redução da maioridade. Criticou o teor da nova emenda apresentada e disse que, ao contrário do que anunciaram os líderes que a apresentaram, a emenda, na prática, não exclui o tráfico porque esse crime é equiparado a crimes hediondos. Por esse raciocínio, menores acusados de tráfico de drogas poderiam ser condenados por decisões individuais de juízes.

Ele criticou a iniciativa de se tentar aprovar um texto com um número menor de crimes, mantendo-se a redução da maioridade penal:

— É como a história do navio que está indo a pique e que vão morrer pessoas, se vão morrer mais ou menos pessoas sempre será um desastre — disse o ministro.

LÍDER DO PMDB CRITICA MINISTRO DA JUSTIÇA

Líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ) reagiu:

— O ministro se notabilizou ontem por buscar distorcer a realidade. Não tem primado por falar a realidade dos fatos.

A Lei dos Crimes Hediondos lista delitos definidos como tais, não citando expressamente o tráfico. Mas diz que os crimes hediondos, a tortura, o tráfico e o terrorismo são insuscetíveis de alguns benefícios, como a anistia e a fiança. Isso igualaria o tráfico e os outros dois delitos aos crimes hediondos, na visão desses parlamentares, como Margarida Salomão ( PT- MG).