Pobreza e desemprego

Com 35% dos gregos em risco de pobreza, a cada dia crescem as filas para distribuição de comida. FMI prevê que a Grécia precise de € 60 bilhões. -ATENAS- Em meio ao debate na Grécia acerca de novas eventuais medidas de austeridade, números mostram uma dura realidade. Entre os quase 11 milhões de habitantes, a crise econômica já deixou 2,5 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza. Eles integram um grupo de 3,9 milhões, segundo dados da agência estatística Eurostat, em risco de pobreza ou exclusão social, o que corresponde a 35,7% da população grega — na União Europeia (UE), apenas Bulgária e Romênia estão pior nesse indicador. Esses números ganham peso em um dia em que, pela primeira vez, o governo de esquerda da Grécia e o Fundo Monetário Internacional (FMI) mostraram concordar em um ponto: a dívida do país é impagável e insustentável. A conclusão é de um relatório do FMI, que apontou a necessidade de € 60 bilhões em ajuda para que o país se mantivesse até 2018.

Os dados da pobreza se somam aos do desemprego, que disparou de 8,3% em 2007 para 26,5% no ano passado e chega a 55% entre os jovens. Nesse quadro, os aposentados acabam se tornando um arrimo de família, já que têm renda garantida, em parte graças ao Ekas, um programa especial de Previdência que complementa as pensões de valor mais baixo — algo com o que a troika — formada por Comissão Europeia, Banco Central Europeu (BCE) e FMI — que acabar. Sob o controle de capitais, em vigor até o próximo dia 7, os idosos podem fazer saques diários de € 120, o dobro do permitido aos demais cidadãos. Mas, à medida que a crise se agrava, muitas pessoas poderão não ter nem € 60 em suas contas para sacar.

NA CARIDADE, IMIGRANTES DÃO LUGAR A GREGOS

É com base nesses números que o premier Alexis Tsipras argumenta não ser mais possível adotar novos cortes em aposentadorias. Para seu partido, o Syriza, a Grécia enfrenta uma catástrofe humanitária. Em Atenas, postos do governo, igrejas e centros de caridade acabaram se transformando na principal fonte de alimentação de muitas pessoas.

— Quando tinha meus 40 anos, estava em casa comendo peixe. Perdi tudo. Falo inglês e tenho faculdade, não sou idiota. O que não tenho é dinheiro. Pago aluguel e meus remédios com minha aposentadoria de € 380. Comida? Venho aqui todos os dias — contou um senhor aposentado, que se identificou apenas como Angelos.

Eleni Katsouli, diretora do Centro de Solidariedade e Recepção de Atenas, conta que somente em um desses postos são distribuídos 1.200 pratos de comida por dia. Em outro, aberto em 2012, os funcionários assistiram a uma mudança de perfil. Antes imigrantes, os necessitados, agora, são gregos — 8 mil já são atendidos:

— Esses dois centros atendiam na maioria estrangeiros com dependência química. Hoje recebemos famílias gregas sem dinheiro para comprar alimentos. A maioria leva a comida pronta para casa. São grande parte, são aposentados e desempregados.

A Arquidiocese de Atenas cuida atualmente da alimentação de cerca de meio milhão de pessoas, de acordo com a rádio grega E-roi. São 73 igrejas distribuindo perto de dez mil pratos de comida duas vezes ao dia pelo programa Apostoli. Criado em 2010, ele conta com a ajuda de patrocinadores e da União Europeia (UE).

— Até 2010, não havia necessidade da ajuda das paróquias na segurança alimentar dos gregos. Não existiam pessoas passando fome — disse Ioannis Petalas, relações públicas do Apostoli.

A Arquidiocese de Atenas tem dois programas para distribuição de refeições e de cestas básicas mensais, explicou Petalas:

— É necessária uma inscrição para avaliarmos a situação econômica do cidadão. Se aprovado, ele recebe uma identidade que dá acesso à comida pronta ou à cesta mensal com 17 quilos de alimentos. A maioria dos gregos em situação de necessidade prefere a cesta.

Fazendo campanha pelo “não” no referendo, o governo recorre aos números de pobreza e desemprego para tentar convencer o eleitorado de que os programas de austeridade adotados nos últimos cinco anos só agravaram a crise econômica do país. E buscam passar à população otimismo sobre um futuro acordo. Em entrevista ontem ao canal de TV ANT1, Tsipras afirmou que, se o “não” ganhar, em 48 horas chegará a um acordo com os credores:

— Se o voto “não” ganhar, eu garanto que, no próximo dia, estarei em Bruxelas e haverá acordo. O plebiscito é o último passo antes do acordo. Quanto maior for a votação pelo “não”, melhor será o acerto.

O ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, por sua vez, disse que renunciará caso vença o “sim”.

A população, no entanto, está temerosa sobre o futuro do país na zona do euro e na UE.

— Os políticos falam mentiras da cabeça aos pés. Nós somos inteligentes e batalhadores. Criamos a democracia, a filosofia, as Olimpíadas e hoje temos um futuro incerto. Pedimos apenas respeito e que nos digam a verdade para agirmos de acordo — afirmou Ioannou Karali, padre da paróquia Agios Panteleimon desde 1974.