Votação é inconstitucional, diz ministro do STF

 

Um grupo de deputados de seis partidos e a OAB pedirão ao STF, na próxima terça-feira, a anulação da sessão da Câmara que aprovou a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes hediondos e delitos graves como homicídio doloso. O projeto retornou ao plenário 24 horas depois de ser rejeitado, após manobra do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB). O ministro do Supremo Marco Aurélio Mello e o exministro Joaquim Barbosa afirmam que a nova votação foi inconstitucional por não respeitar o prazo mínimo de 48 horas. Já Cunha e partidos que apoiaram a redução dizem que a tramitação foi legal. -BRASÍLIA E RIO- Um dia depois de a Câmara aprovar a redução da maioridade penal — menos de 24 horas após ter rejeitado o projeto —, deputados de seis partidos e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) disseram que vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal. O ministro Marco Aurélio Mello e o ex-ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, afirmaram considerar que a maneira como a proposta foi aprovada é inconstitucional. Segundo eles, depois de a Câmara ter rejeitado o projeto, o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), não poderia ter apresentado a matéria para ser votada na mesma sessão legislativa.

Reunindo assinaturas desde ontem, deputados do PT, PMDB, PPS, PCdoB, PSOL e PDT se preparam para entrar, na próxima terça-feira, com um mandado de segurança no STF contra Cunha, alegando que o parlamentar refaz votações até sair vitorioso. Além deles, em nota, a OAB afirmou que, se a medida avançar no Senado, entrará com Ação Direta de Inconstitucionalidade na Corte. A redução da maioridade também fez com que secretários de Justiça de 24 estados e do Distrito Federal assinassem manifesto contra a PEC.

— O texto constitucional é muito claro. Matéria rejeitada, declarada prejudicada, só pode ser apresentada em sessão legislativa seguinte. Nessas 48 horas, nós não tivemos duas sessões. Eu tenho muito receio daqueles que se sentem bem intencionados. De bem intencionados, o Brasil está cheio. Precisamos, sim, de homens que tenham respeito ao arcabouço jurídico constitucional — disse Marco Aurélio Mello, ao GLOBO.

Sobre a argumentação de Cunha, de que emenda seria um texto diferente do rejeitado, mas com emendas aglutinativas, Marco Aurélio afirmou que “há argumento para tudo” e que, “quando se quer fazer alguma coisa, sempre há uma justificativa”:

— Estou dizendo apenas como eu leio a Constituição. Quem sabe eu precise a essa altura da vida ser alfabetizado? A coisa é tão clara... Estamos cansados de dizer isso em plenário. Eu não estou ressuscitando ponto de vista. É o que eu fiz nestes 25 anos no Supremo. Será que o Supremo errou tanto até aqui?

No Twitter, Joaquim Barbosa, que presidiu o tribunal, também se manifestou contra a manobra de Cunha: “Matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada NÃO pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. E completou: “O texto acima citado é o artigo 60, parág 5 da Constituição brasileira. Tem tudo a ver com o que se passa neste momento na C. dos Deputados”.

Citando o mesmo artigo de Barbosa, o presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ressaltou que o artigo 60, parágrafo 5º, “é uma norma constitucional que veda a utilização da nova votação de matéria rejeitada” e, como regra da Constituição, “deve ser respeitado”.

CUNHA REBATE MINISTRO

Mesmo com todas as reações, Cunha rebateu o ministro Marco Aurélio Mello e disse não ver espaço para contestações. Segundo ele, há precedentes regimentais para a forma como conduziu o tema.

— Ele falou em tese. Fez comentário certamente sem conhecer, interpretando o artigo da Constituição, que interpreto do mesmo jeito. O caso é diferente da alegação colocada — disse Cunha, lendo em seguida trecho da decisão do Supremo de 1996: — A decisão está bem clara. É exatamente igual. Se você chegar para mim e disser que a matéria derrotada hoje, foi votada amanhã, vou dizer que é inconstitucional. Mas não é a mesma matéria.

Cunha ainda ironizou a decisão dos deputados de recorrer ao STF contra decisões quando o processo sequer foi concluído. Segundo ele, o PT tem o “hábito” de judicializar as questões quando perde em plenário. O petista Alessandro Molon (RJ), por sua vez, disse que um dos questionamentos feitos ao STF será sobre as emendas aglutinativas:

— Se o presidente diz que o regimento permite esse expediente, isso de fazer e refazer emendas até que o texto seja aprovado como ele quer, a Constituição não permite.

Vice-líder da oposição na Câmara, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) também assinará o mandado de segurança:

 Nenhum poder absoluto é democrático. Nenhum poder absoluto pode se dar nesta Casa, que é a casa da soberania e da democracia.

 

Em 24 horas, 27 deputados mudaram de opinião

 

No intervalo de um dia, 27 deputados mudaram voto, sendo que 24 tinham votado contra a redução da maioridade. Na segunda votação da proposta de emenda constitucional ( PEC) da redução da maioridade penal, 24 deputados que tinham votado contra a medida no dia anterior mudaram de opinião. Os votos deles foram decisivos para aprovar a PEC, que tinha sido rejeitada por apenas cinco votos para alcançar os 308 necessários. Outros três deputados fizeram o caminho inverso: tinham apoiado a PEC no primeiro dia, mas depois votaram não ou se abstiveram.

O PSB foi o partido em que mais deputados inicialmente contrários à proposta passaram a apoiá-la. No PMDB, partido do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), que atuou para mudar o resultado da primeira votação, quatro mudaram de posição, sendo que três para apoiar, e um para votar contra. No primeiro caso, se enquadram Celso Maldaner (SC), Dulce Miranda (TO) e Lindomar Garçon (RO). No segundo caso, estava Marcelo Castro (PI), que já se desentendeu com Cunha por divergências na reforma política. Ele diz que apoia a redução, mas se absteve por se opor à forma como Cunha recolocou o tema.

— O que votamos na terça, não podemos votar na quarta, na quinta, em julho, em dezembro. Só podemos votar no ano seguinte. Contra essa atitude autoritária, antirregimental, ilegal, inconstitucional que a Mesa da Casa tomou, comandada por Eduardo Cunha e pelos líderes partidários, é que eu me insurgi — afirmou Castro.

FALTOSOS TAMBÉM TIVERAM INFLUÊNCIA

O PSDB tinha votado majoritariamente a favor da PEC, mas ainda assim teve cinco dissidentes. Em geral, os deputados que mudaram de voto afirmaram que fizeram isso depois que foram retirados crimes como o tráfico de drogas, lesão corporal grave e roubo qualificado. Eles também negaram ter sido pressionados por Cunha ou por lideranças partidárias. Alguns, porém, relataram que houve pedidos nesse sentido.

Além dos deputados que mudaram de voto, o resultado foi influenciado pelos faltosos. Sete deputados que apoiaram a PEC na primeira votação faltaram na segunda, o que na prática significa um apoio a menos. Outros seis que tinham faltado no dia anterior apareceram e votaram sim.

 

Cunha recorreu a manobra do regimento da Câmara

 

 Para colocar novamente em votação a tese da redução da maioridade penal na madrugada de ontem, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e líderes partidários aliados recorreram a uma manobra regimental de votar a chamada emenda aglutinativa. Trata-se de um expediente usado para reunir trechos de outros textos apresentados durante a tramitação da proposta. A estratégia, segundo seus defensores, tem base no regimento da Câmara. Mas críticos de Cunha dizem justamente o oposto: é um recurso antirregimental usado por quem não aceita perder.

Segundo a assessoria da Secretaria Geral da Mesa, que respaldou a ação de Cunha, a emenda aglutinativa surge da fusão de emendas para contextualizar uma matéria que está sendo votada, formando um novo texto. Pelos acordos políticos, o texto da emenda vai sendo depurado até que chegue a um consenso que permita apoio suficiente para a votação.

PROJETO VINHA DE 1993

Os opositores à redução da maioridade sustentam que o texto aprovado na madrugada de quinta era parecido com o rejeitado no dia anterior. Acrescentam que a votação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) rejeitada, como é o caso da redução da maioridade, só poderia ocorrer novamente na sessão legislativa seguinte (no ano seguinte), ou seja, apenas em 2016, de acordo com o que é estipulado pelo artigo 60 da Constituição.

A PEC 171, reduzindo a maioridade de 18 para 16 anos para todos crimes, foi apresentada em 1993 pelo ex-deputado Benedito Domingos. Em 2015, com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, a proposta começou a avançar. Em junho, a comissão especial criada para analisar o tema aprovou o relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF). Ele fez um texto substitutivo reduzindo a maioridade apenas para alguns crimes. O texto foi a plenário, mas acabou rejeitado por apenas cinco votos na madrugada de 1º de julho.

A emenda que foi votada e aprovada teve como base quatro das 38 propostas que tramitavam junto com a PEC 171, além de duas emendas apresentadas ao texto original. Para apresentar uma aglutinativa são necessárias pelo menos 51 assinaturas de deputados ou de líderes que representem bancadas totalizando este número.

 

Apostar no STF é arriscado

 

Opróximo ato da discussão da PEC da maioridade penal provavelmente será no Supremo Tribunal Federal. Parlamentares derrotados na arena política já se mobilizam para conseguir uma vitória na esfera judicial. O inevitável mandado de segurança das próximas semanas conterá um pedido de liminar — uma decisão urgente, provisória, para evitar os danos que a demora na decisão pode causar. Mas o que esperar do Supremo?

A perspectiva não é favorável. O Supremo tem se apresentado como um tribunal ativista, pronto a entrar na discussão política. Mas, historicamente, os ministros têm garantido ao Congresso um amplo espaço de definição (e aplicação) de seus procedimentos internos. São questões a serem resolvidas pelos próprios parlamentares. Os ministros poderão até declarar a PEC inconstitucional, uma vez aprovada. Mas, até lá, a tendência tem sido a de deixar a política seguir seu curso.

Há, porém, um componente de incerteza. A resposta do STF se dará em três níveis decisórios diferentes. Como estamos no recesso judicial de julho, cabe ao presidente do tribunal decidir liminares urgentes. De agosto em diante, o relator do processo, aleatoriamente designado, poderá decidir novamente sobre a liminar. Por fim, ambos os tipos de decisões individuais estão sujeitos à palavra final do plenário do STF.

Decisões individuais (“monocráticas”), seja do presidente ou do relator, introduzem alguma variação possível quanto às liminares. O ministro Luiz Fux já concedeu liminar suspendendo a apreciação de veto presidencial sobre a Lei dos Royalties; o ministro Gilmar Mendes já suspendeu a tramitação de lei que reduziria o tempo de TV de partidos políticos pequenos. Nos dois casos, porém, o plenário discordou dos ministros e cassou as liminares.

Qualquer vitória judicial no curto prazo será, portanto, precária. E o caminho da PEC dentro do Congresso ainda é longo. Se a judicialização é a continuação da disputa política por outros meios, os adversários da PEC não deveriam simplesmente substituir a mobilização no Congresso pela briga no Supremo.