Salários do Judiciário ameaçam nota de risco do país

 

Um Congresso independente, sem ser burocrático carimbador de desejos do Executivo, melhora a qualidade da administração pública. Mas quando a razão da independência passa por interesses menores de grupos, incluindo a oposição, o horizonte do país fica envolto em névoas. Perdem-se a previsibilidade e a segurança necessárias para cidadãos e empresas tocarem a vida sem sobressaltos.

Liderado pelos peemedebistas Eduardo Cunha (RJ) e Renan Calheiros (AL), presidentes da Câmara e do Senado, os dois sob análise do MP devido à Operação Lava-Jato, o Legislativo tomou o freio nos dentes e, em algumas questões cruciais, como o ajuste fiscal, tem atuado sem qualquer equilíbrio, como se não entendesse o momento por que passa o país.

Não há outra interpretação do fato de o Senado ter aprovado um reajuste para os servidores do Judiciário entre 53% e 78,6%, criando uma conta adicional de R$ 25,7 bilhões até 2018, com um acréscimo anual nos gastos públicos de R$ 10,5 bilhões, a partir de 2018.

A presidente Dilma está certa ao considerar “insustentável” o reajuste. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, antecipou o veto de mais esta vigorosa demonstração de populismo no Congresso, a decisão mais sensata a ser tomada pelo Planalto.

Ora, um conjunto de corporações não forma um país. A soma delas explode qualquer orçamento, mesmo nas mais poderosas economias. Este projeto de reajuste foi encaminhado ao Congresso ainda pelo ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo, e terminou apoiado com dedicação pelo seu sucessor à frente da Corte, Ricardo Lewandowski.

Os aumentos salariais criarão grandes desníveis de remuneração dentro da máquina pública, e por isso deflagrarão um perverso “efeito cascata" entre categorias. E mesmo dentro do próprio Judiciário. Equivale a um terremoto no fundo do oceano, causa de temíveis tsunamis.

Em condições normais, já seriam desaconselháveis esses reajustes. Em meio a um difícil ajuste fiscal, devido à própria oposição do Congresso, este pacote de bondades com o bolso do contribuinte equivale a um suicídio.

O déficit nominal (incluindo juros da dívida) acumulado nos primeiros cinco meses do ano, de 7,32% do PIB (em 12 meses, 7,22%), índice de países europeus em crise, e uma dívida bruta, em maio, de 62,5% do PIB, e se distanciando dos prudenciais 60%, bastariam para chamar a atenção do Congresso. Já o foco das agências internacionais de avaliação de risco está sobre o Brasil há tempos.

É realista prever que o demagógico reajuste para servidores da Justiça pode levar o país a perder o “grau de investimento”, fator de atração de investimentos externos. E junto com o rebaixamento vêm mais desvalorização cambial e, portanto, mais inflação, mais elevações de juros, logo, mais recessão.