Valor econômico, v. 16, n. 3799, 16/07/2015. Brasil, p. A3

 

Recessão já encolhe receita projetada para este ano em pelo menos R$ 38 bi

 

Por Edna Simão, Fabio Pupo e Ribamar Oliveira | De Brasília

 

JosĂ© Cruz/AgĂȘncia BrasilMalaquias, da Receita Federal: atividade econômica bem aquém do esperado promove descolamento das projeções

A Receita Federal já projeta uma frustração de, no mínimo, R$ 38 bilhões na arrecadação do ano menos de dois meses depois de divulgar a primeira estimativa oficial das receitas de 2015. A queda nos recursos disponíveis no caixa do governo significa que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, terá que aprofundar o corte de gastos ou buscar fontes adicionais de receitas. Na próxima semana, o governo tem que divulgar o segundo decreto de programação de receitas e despesas do ano e precisará indicar como compensará o efeito da queda da arrecadação.

Estudo apresentado ontem pelo Fisco estima que a receita administrada em 2015 deve ser inferior a R$ 810 bilhões, considerando a previsão de retração de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) que consta do boletim Focus, do Banco Central (BC). Em maio, quando divulgou o primeiro corte no Orçamento, a equipe econômica projetou a receita do ano em R$ 848,328 bilhões, levando em conta uma queda de 1,2% do PIB deste ano.

De acordo com o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, as estimativas contidas no estudo não servem como indicador da arrecadação que será usada pelo governo para elaborar o decreto de gastos na próxima semana. "Não tenho quanto vou arrecadar em 2015", afirmou Malaquias.

O dado final depende de outras receitas que não são diretamente administradas pelo Fisco. Pode haver, por exemplo, ganhos em receitas com concessões ou vendas de bens públicos que não fazem parte do universo analisado no estudo da Receita. Apesar disso, o documento dá ideia da dificuldade que o governo terá para atingir a meta de superávit primário de 1,1% do PIB fixada para este ano.

"As estimativas de receita tributária para 2015 movem-se para patamares significativamente inferiores àqueles indicados pelos principais documentos orçamentários aprovados em 2014 e 2015", diz estudo da Receita. "A arrecadação das receitas administradas pela RFB alcançou R$ 739 bilhões, em 2014. Em 2015, tem havido um crescimento nominal bastante modesto da receita, o que leva a considerar que o valor projetado para 2015 deverá situar-se em um patamar bem inferior aos R$ 810 bilhões ", acrescenta o texto.

Dados divulgados ontem pela Receita mostram que a receitas administradas acumulam no primeiro semestre queda real de 1,66%, ao totalizar R$ 592,632 bilhões. Ou seja, para ter um crescimento real seria necessária uma aceleração das receitas no segundo semestre. Somente em junho, essa receita somou R$ 95,239 bilhões, o que corresponde a uma baixa real de 1,97%.

 

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Segundo Malaquias, o estudo da Receita, apresentado durante entrevista sobre a arrecadação de junho, tem como objetivo dar maior clareza e transparência sobre o "descolamento" das projeções de arrecadação em relação ao resultado efetivo. Na avaliação dele, parte do movimento pode ser explicado pelo fato de a atividade econômica estar bem aquém do que era esperado pela equipe econômica.

"A arrecadação federal vem apresentando desempenho aquém do esperado em 2015. A desaceleração do PIB verificada em 2014 acentuou-se em 2015 e isso, aliado a outros fatores, explica o desempenho mais fraco da arrecadação", disse Malaquias.

Além disso, esse "descolamento" também é afetado pelas desonerações e regimes especiais criados pelo governo e que não foram revertidas em sua integralidade neste ano. "O distanciamento [entre projeções e o efetivado] tem-se verificado em especial no IRPJ/CSLL, que tem se mostrado mais elástico ao ciclo econômico do que tradicionalmente se verificou. Um dos mecanismos que tem gerado esse comportamento tem sido os chamados balancetes de suspensão/redução, que permitem às empresas alterarem a forma de recolher o imposto de renda", informa o estudo da Receita.

No mês passado, como já era esperado, a arrecadação total somou R$ 97,091 bilhões, uma redução real de 2,44% ante mesmo mês de 2014. O desempenho é o mais baixo para meses de junho desde 2010 (R$ 87,285 bilhões). No semestre, o recolhimento de tributos somou R$ 607,208 bilhões, queda real de 2,87%, o menor desde 2011 (R$ 612,093 bilhões). Assim como tem ocorrido em outros meses, os tributos vinculados à atividade econômica não têm apresentado recuperação.

No primeiro semestre, o recolhimento de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) teve uma queda real de 9,11% ante mesmo período do ano passado. No caso da receita previdenciária, a baixa foi de 3,34% no semestre e da Cofins/PIS-Pasep de 3,53%.

Nos seis primeiros meses do ano, o governo deixou de arrecadar R$ 54,882 bilhões com desonerações, ante R$ 48,024 bilhões no mesmo período de 2014.

Levy busca apoio político para reforma do PIS/Cofins

 

 

Por Thiago Resende, Edna Simão e Fábio Pupo | De Brasília

 

 

Em busca de apoio político ao projeto de reforma dos tributos PIS e Cofins, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ampliou ontem as conversas com a Câmara dos Deputados para apresentar a proposta, antes do envio ao Congresso, e explicar a importância da medida. Ele quis ouvir sugestões às vésperas de concluir o projeto de lei. Mas, se demorar a encaminhar o texto, Levy pode não conseguir implementar as mudanças já em 2016, como deseja.

O ministro convidou os líderes dos partidos aliados na Câmara para um café da manhã, mas apenas quatro apareceram: Domingos Neto (CE), do Pros; Jandira Feghali (RJ), do PCdoB; Maurício Quintella (AL), do PR, e Jovair Arantes (GO), do PTB, além do líder do governo, José Guimarães (PT-CE). "Estamos conversando sobre o projeto, que temos a intenção de, o mais breve possível, enviar para começar a reordenar um dos aspectos mais importantes da tributação federal", disse Levy.

Depois do encontro, em audiência pública na Câmara sobre outro assunto, o ministro da Fazenda aproveitou para defender que o Congresso aprove a proposta de reforma do PIS/Cofins já no segundo semestre, "para começar 2016 nesse novo ambiente de simplificação e segurança tributária que favoreça a retomada do crescimento".

A esse grupo de deputados, sendo alguns da oposição, ele explicou que, para a cobrança desses tributos, é calculada a diferença da matéria-prima que a companhia compra e o produto que ela vende. "Hoje em dia, o reconhecimento dos insumos e, portanto, dos créditos é complexo, o que também existe no ICMS. A nossa intenção é transformar isso num sistema muito mais simples, chamado crédito financeiro. Se está destacado na nota fiscal de compra, a empresa poderá se creditar disso", afirmou o ministro.

O projeto em estudo pelo Ministério da Fazenda permitirá que a compra de qualquer insumo pelas empresas gere créditos tributários, mas ao mesmo tempo reduzirá o valor do abatimento permitido nessas operações.

Levy argumenta que a medida deverá estimular a criação de postos de trabalho, aumentar a produtividade e competitividade da economia - com impacto nulo em termos de arrecadação. No entanto, estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) aponta que a unificação do cálculo do PIS e da Cofins, que incidem sobre o faturamento das empresas, pode elevar em R$ 32,5 bilhões a carga tributária do setor de serviços.

Guimarães afirmou que a ideia do governo é razoável e tem o objetivo de ajudar os Estados. Para Jandira, as alterações serão boas para a fiscalização das empresas e, ao mesmo tempo, simplifica o sistema tributário. "Na verdade, não tem aumento de imposto, mas tem uma equalização de alíquota", disse a deputada.

Ainda ontem o governo deu mais um sinal claro de que quer antecipar a discussão sobre a reforma do PIS/Cofins para, quando o projeto for encaminhado ao Congresso, os parlamentares já tenham conhecimento do assunto. À tarde. o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, convidou os líderes da base aliada e da oposição para apresentar as mudanças tributárias.

Na audiência da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara sobre supostas fraudes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Levy aproveitou também para dizer que o ajuste fiscal visa corrigir um desequilíbrio e preparar o Brasil a enfrentar mudanças no quadro econômico mundial.

"A situação exige esforço, exige inteligência nas medidas e pune a complacência. Se evitarmos a complacência e agirmos com rapidez e firmeza, podemos dar a volta e voltarmos para o crescimento", afirmou o ministro.

Na avaliação de Levy, os países do grupo dos Brics - bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - também têm que se adaptar, além de outras nações como México e Indonésia. Por isso, o governo vem adotando medidas para "colocar a economia num caminho de crescimento, de recuperação num ambiente externo que exige que a gente responda adequadamente a esses desafios". (Colaborou Leandra Peres, de Brasília)