Valor econômico, v. 16, n. 3799, 16/07/2015. Opinião , p. A12

 

Queda da atividade reduz a arrecadação e dificulta o ajuste

 

Os dados da arrecadação federal de junho, divulgados ontem pela Receita Federal, expõem a dificuldade de perseguir a meta de superávit primário de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 em meio a uma recessão. Os ingressos de tributos ligados à atividade econômica estão em queda livre, apenas atenuada pelos impostos que o governo aumentou recentemente.

A arrecadação federal somou R$ 97,091 bilhões em junho, o que representa uma queda real de 2,44% em relação ao mesmo mês do ano passado. Essa é uma tendência que já vinha sendo observada em meses anteriores. No primeiro semestre, o recolhimento de tributos federais ficou 2,87% abaixo da inflação, quando comparado com o mesmo período do ano anterior.

Deve-se ponderar que, apesar da queda em termos reais, a arrecadação continua a crescer em termos nominais a taxas bem altas, com avanço de 6,24% na comparação entre junho de 2015 e de 2014. Tal fato não deve causar admiração, considerando que a inflação medida pelo IPCA chegou a 8,9% no período de 12 meses até junho de 2015. Ou seja, o governo vem recebendo uma ajuda providencial da alta inflação, ainda que moralmente questionável.

Feita essa ressalva, os demais dados da Receita são realmente preocupantes. Caíram os ingressos justamente dos impostos mais ligados à atividade econômica, reflexo de uma contração do Produto Interno Bruto (PIB) que analistas do mercado financeiro projetam em 1,5% neste ano - que foi oficialmente incorporada pelo fisco nas suas projeções para a evolução da arrecadação.

Os ingressos no Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ), por exemplo, apresentaram uma retração de 22,58% reais, sempre na comparação entre junho de 2015 e de 2014. O recolhimento da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) encolheu 22,79%. Os ingressos relativos ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ficaram 10,99% menores e, entre eles, o destaque negativo é a queda de 22,87% no IPI incidente sobre automóveis.

Esses são tributos que refletem a fraca atividade do lado das empresas, com baixa na lucratividade e queda nas vendas. Igualmente negativo é o recuo nas receitas federais sobre a renda das famílias, um possível reflexo do aumento de desemprego e queda real de salários. O Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre o rendimento do trabalho teve um recuo de 5,44% em junho, ante o mesmo mês do ano passado.

A queda na arrecadação em junho só não foi maior porque o governo lançou mão de alguns aumentos de impostos, que já produzem seus frutos. É o caso, por exemplo, da Cide, que rendeu R$ 473 milhões no mês. E do Imposto sobre Operações de Crédito (IOF), com uma expansão de 7,87% entre junho de 2014 e 2015.

A recessão foi provocada por uma série de fatores, incluindo a deterioração dos índices de confiança e o aperto monetário promovido pelo Banco Central, mas o ajuste fiscal também tem sua parcela de responsabilidade. Sobretudo pela sua baixa qualidade, ao se apoiar na velha fórmula de aumentos de impostos e contenção de despesas na boca do caixa.

Assim, forma-se um ciclo vicioso, em que a recessão derruba a arrecadação, dificultando o cumprimento das metas de superávit primário e exigindo mais impostos, que por sua vez aprofundam a recessão.

Esse é o fantasma que tem levado setores do governo e do Congresso a defender a flexibilização da meta fiscal neste ano, seja pela adoção de bandas para o superávit primário ou sua simples redução. Por mais que a proposta faça sentido do ponto de vista teórico, deve-se reconhecer que hoje a margem de manobra do governo e a paciência dos financiadores da dívida pública é menor, devido à situação de descontrole fiscal dos últimos anos

Por isso parece prudente que, antes de imaginar válvulas de escape para as metas fiscais, o governo e o Congresso Nacional dediquem os seus esforços para aprovar medidas estruturais para que contenham o volume crescente de gastos, incluindo na Previdência Social, e que permitam a redução da carga tributária no futuro. Também são urgentes reformas econômicas para encorajar a retomada dos investimentos e ampliar a capacidade de crescimento da economia, sem a qual qualquer estratégia de contenção fiscal está fadada ao fracasso.