Título: Aposta ousada
Autor: Dinardo, Ana Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 02/09/2011, Economia, p. 8
Brasil S/A
BC reage a razões mais nossas que à crise externa. Mas a inflação tem de ceder. Ou estamos fritos
Aposta ousada É tosca a suspeição de que o Banco Central cedeu às pressões da presidente Dilma Rousseff ao tirar meio ponto percentual da Selic, trazendo-a para 12% ao ano e encerrando o ciclo de cinco aumentos desde o patamar de 10,75% em janeiro, quando começara a subir. Não significa, porém, que tal decisão não decorra de uma visão comum.
A diferença entre Alexandre Tombini e seu antecessor na chefia do BC, Henrique Meirelles, é que o primeiro, funcionário de carreira e economista, se vê integrado à máquina pública e partilha as suas análises no Palácio do Planalto e com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Já Meirelles, com longa carreira em cargos de comando em bancos no Brasil e nos EUA, ia ao Palácio não para debater e, sim, para expor a visão consensual da diretoria do BC. Esse é um dado.
Outro é que o presidente Lula, em questões sobre a inflação, mais ouvia que influenciava, não obstante manifestasse irritação a cada vez que Meirelles chegava com más notícias. A economista Dilma não é de escutar. E, ainda que diga respeitar a autonomia informal do BC para estabelecer a gradação da Selic conforme a expectativa de inflação, ela aprecia coordenar reuniões de conjuntura ¿ e as faz como parte ativa das conclusões. É assim com todos os auxiliares.
A percepção de que Meirelles tinha mais espaço também se devia ao apoio de Antonio Palocci, primeiro enquanto ministro da Fazenda e, depois, como conselheiro de confiança de Lula. Palocci compartilha a ideia ainda forte no BC, apesar do corte da Selic, de que a taxa de juros básica absurdamente alta reflete a competição por funding entre o Tesouro e o setor privado. Esse é um problema estrutural.
Ele se agiganta quando a inflação recebe outras pressões ¿ como o choque de preços agrícolas em 2010 e a efervescência do crédito ao consumo ¿, e começa a se distanciar de sua meta de variação anual, de 4,5%, decidida pelo governo e à qual o BC é obrigado a cumprir.
Em resumo, a Selic reprime os excessos que incitam a demanda. Nos tempos de Lula, ela permitiu viabilizar a expansão, em especial no segundo mandato, dos programas sociais, dos salários e do quadro do funcionalismo federal, das obras de infraestrutura e do crédito ao investimento e ao consumo, sem descolar a inflação da meta.
Ao ficar desalinhada em relação aos juros praticados no resto do mundo, a Selic também levou o real a se apreciar, fazendo o câmbio ser uma peça decisiva contra a inflação, ao baratear importações e atrair capitais de fora para o circuito da produção e consumo. Tal arranjo funcionou com Lula. Mas se tornou disfuncional com Dilma. É essa a grande transformação que BC e Fazenda começam a operar.
Viés desinflacionário Nem que quisesse, o governo poderia manter o modelo de juro alto e dólar baixo, já que a ocupação no período Lula do espaço fiscal e do crédito público disponíveis praticamente eliminou os benefícios relativos dessa configuração. A crise global foi a pá de cal.
Houve "substancial deterioração" das projeções de crescimento nas "economias maduras", diz a nota distribuída pelo BC, e isso quando "parece limitado o espaço para utilização de política monetária e prevalece um cenário de restrição fiscal", o que encaminha o mundo para um "viés desinflacionário no horizonte relevante".
Dissidências do Copom Não faria sentido, assim, manter a demanda pressionada, se pelos canais que ligam a economia brasileira ao mundo o que se enxerga é uma acentuada restrição. Não mais a inflação seria o problema. A preocupação passa a ser a sustentação do crescimento econômico.
Levada ao plenário do Comitê de Política Monetária (Copom), dois entre os sete diretores do BC discordaram da avaliação de Tombini, provavelmente os que cuidam da formulação da política monetária e do acompanhamento da economia. No Copom, votam todos os diretores, mesmo os com funções administrativas, que normalmente acompanham o voto do presidente. Espera-se que a ata do Copom dirima a dúvida.
Orçamento para gastar A divergência deve ter girado em torno de quando cortar a Selic e não de que não devesse ser cortada. Duas condicionantes ameaçam a decisão do BC. A primeira é o cenário externo: está ruim, mas não prestes a colapsar. Que vá para o brejo, e ainda não seria o caso para histerismo: as exportações representam menos de 10% do PIB. Outra condicionante é o desempenho da política fiscal. A proposta do Orçamento para 2012 não traz restrição de gastos, o superavit primário contempla o abatimento da parcela de investimentos do PAC e Dilma fala em recriar um sucedâneo da CPMF. Um fato falará mais alto: o comportamento da inflação. Se não recuar, estamos fritos.
Dito sem ser bem dito A sugestão cifrada nas explicações sobre o superavit primário e o volume de gasto no orçamento para 2012 é que o que vale só vai ser conhecido em fevereiro, quando Dilma assinar o decreto de execução orçamentária. É quando gastos serão congelados, permitindo crescer a dotação do superavit. Com isso, o governo isola tal discussão da pressão parlamentar por maiores gastos no orçamento. A ver.
Pegou mal para o BC, que já fez sua parte, enquanto o alívio do gasto público sobre a demanda é só promessa. Também é esquisito Dilma propor outra CPMF, se o orçamento prevê aumento nominal de 15,9% do gasto, bem acima da expansão projetada do PIB, de 10,4%, e da receita, de 12,8%. As prioridades parecem mal distribuídas.