Título: Leniência é maior ameaça
Autor: Dinardo, Ana Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 02/09/2011, Economia, p. 8

O Banco Central causou um enorme ruído no mercado ao mudar abruptamente a direção da taxa básica de juros (Selic). O corte de 0,5 ponto percentual, de 12,50% para 12% ao ano, detonou uma enxurrada de críticas quanto a interferências políticas nas decisões da autoridade monetária. O tiroteio, que uniu economistas e parlamentares da oposição, ressuscitou o debate sobre a autonomia do BC e a capacidade de Alexandre Tombini de comandar a instituição sem se curvar à presidente Dilma Rousseff e ao ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Na administração Lula, o então presidente do BC, Henrique Meirelles, reconhecido desafeto de Mantega, abriu um canal direto de comunicação com o Palácio do Planalto. No governo Dilma, desde o início, ficou claro que a política econômica seria tocada de forma coordenada entre a Fazenda e o BC, com a presidente dando a última palavra. Friamente, a coordenação é vista como um bom caminho depois de oito anos em que prevaleceu uma disputa aberta sobre a liderança na economia. O problema é que Tombini tem se mostrado titubeante na comunicação com o mercado e a desconfiança em relação ao compromisso de Mantega com o ajuste fiscal é enorme. Não sem motivo.

Antes de o governo divulgar a proposta para o Orçamento de 2012, o ministro jurou que, neste e nos próximos três anos, o governo cumpriria a meta cheia de superavit primário, de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2011, a economia para o pagamento de juros da dívida irá até além, diante da facilidade de se contar com receitas extras. Mas, para o ano que vem, a meta prevista é de 2,5% do PIB. Ou seja, Mantega foi desmentido na primeira oportunidade. O temor é de que Tombini seja contaminado por esse tipo de comportamento e opte pela leniência no controle da inflação ao apresentar argumentos inconsistentes.

Ainda que o governo tenha agido para blindar Tombini e o BC, garantindo a autonomia operacional do BC, a desconfiança é geral. E todos concordam: no mínimo, o Copom decidiu correr mais riscos. Ao jogar pesadamente suas fichas na deterioração do mercado externo, ficou refém de fatos sobres os quais não tem poder de interferência. E caso o quadro tão negativo não se confirme, a inflação interna pode explodir no ano que vem e, com ela, a credibilidade do sistema de metas que o país adotou em 1999.

Nesse sentido, a análise mais agressiva foi da Consultoria Tendências. "Houve, claramente algum tipo de pressão política sobre o BC. Não há justificativas técnicas para a mudança de rumo na política de juros", disse o economista Sílvio Campos Neto. Para ele, o extenso comunicado da decisão que derrubou a Selic não passou de uma tentativa de justificar o injustificável. No BC, porém, a ordem é desprezar as críticas e esperar outubro chegar, quando, na próxima reunião, o Copom poderá ostentar números melhores da inflação e um ritmo menor de crescimento do país.

Dúvidas persistem Na avaliação de Jankiel Santos, economista-chefe do Espírito Santo Investment Bank, o Banco Central passou a dar um peso maior ao que está acontecendo no exterior às suas decisões. José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, disse que o mais surpreendente foi a reversão abrupta na postura do Comitê de Política Monetária (Copom). Ele apostava a interrupção do processo de alta da taxa básica de juros (Selic). "O Copom imprimiu um ritmo ousado, na medida em que antecipa um cenário sobre o qual ainda persistem sérias dúvidas", analisou