Parlamentar que faz prova para policial tem 61 faltas; 11 câmaras realizam apenas uma sessão por semana
As 92 câmaras municipais do estado custaram aos cofres públicos R$ 1,06 bilhão em 2013, revelam ELENILCE BOTTARI, SELMA SCHMIDT e SÉRGIO RAMALHO. O custo médio de cada gabinete de vereador foi de R$ 897 mil, e 76,2% foram para o pagamento de salários e benefícios de 13 mil pessoas. Investigação do Tribunal de Contas do Estado (TCE) descobriu gastos excessivos com viagens. Na Câmara do Rio, a pauta legislativa é criticada por privilegiar a concessão de medalhas em vez de projetos de lei. Vereador de Pinheiral que presta exame para a Polícia Civil acumula 61 faltas, e 11 câmaras fazem apenas uma sessão por semana. Plenário da Câmara Municipal de Itaguaí, início da noite de terça-feira. Enquanto 16 dos 17 vereadores que integram a Casa se acomodam em seus lugares, um pequeno grupo chega para acompanhar a última sessão antes do recesso de julho. Como numa ópera-bufa, seus integrantes usam máscaras de papel que retratam cavalos. O adereço faz parte de manifestações que vêm sendo realizadas desde o início do ano por moradores e servidores públicos, indignados com os sucessivos escândalos de corrupção envolvendo o prefeito afastado Luciano Mota e vereadores aliados. O protesto na cidade expõe o descrédito com que são vistos políticos eleitos para fiscalizar o Executivo e elaborar leis, um trabalho que custa caro: R$ 1,06 bilhão foram pagos pelos 92 municípios fluminenses para bancar suas câmaras em 2013, dinheiro suficiente para a construção de 150 escolas ou 177 clínicas da família. Cada um dos 1.188 gabinetes custou, em média, R$ 897 mil aos cofres públicos, sendo que 76,2% do valor total foram usados para pagamento de pessoal (salários e benefícios).
O GLOBO retoma hoje a série “O que eles fazem com seu voto”, desta vez fazendo um raio X das câmaras fluminenses. Iniciada em março, a série revelou que 65 dos 92 prefeitos eram investigados ou respondiam a processos nas várias esferas de Justiça. A maioria era acusada de mau uso do dinheiro público.
Empregando 11.972 funcionários (além dos 1.188 vereadores), boa parte das câmaras municipais coleciona contratações irregulares, salários para vereadores superiores ao permitido e gastos com pessoal que também extrapolam o limite estabelecido por lei. Isso sem falar no que o presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Jonas Lopes, chama de “farras”: viagens para cursos em lugares paradisíacos e despesas desproporcionais com aluguel de veículos e compra de combustível.
— Estamos analisando a legalidade desses deslocamentos, alguns para cidades turísticas, e se os cursos guardam pertinência com o exercício do mandato — afirma Lopes, que determinou uma auditoria nos gastos com viagens feitas por integrantes de 91 câmaras (a da capital do estado é fiscalizada por um outro órgão, o Tribunal de Contas do Município, TCM).
NA CAPITAL, GASTOS DE 2013 AINDA SOB ANÁLISE
A gota d’água para o TCE determinar uma ampla investigação nas câmaras do estado foi uma viagem de 20 dos 21 vereadores de São João de Meriti, no ano passado, para um curso de quatro dias num hotel na Praia de Cabo Branco, em João Pessoa. Cada um deles levou para a capital da Paraíba dois suplentes e sete acompanhantes. A conta fechou em R$ 107.300.
A aplicação de recursos destinados às câmaras carece mesmo de esclarecimentos. Até agora, apenas 12 das 91 fiscalizadas pelo TCE tiveram as contas de 2013 (o primeiro ano da atual legislatura) consideradas regulares pelo tribunal. As demais ainda devem documentos e explicações. A execução orçamentária da Câmara Municipal do Rio também está sob análise do TCM. Em relação à prestação das contas de 2014, 35 não respeitaram sequer o prazo legal de entrega da documentação, que se encerrou no último dia 30. Nesse caso, a da capital fez o dever de casa.
Palco das decisões das câmaras municipais, as sessões plenárias refletem a baixa atividade legislativa: em 11 delas, há apenas uma reunião pública semanal. Em sua maioria esmagadora, os vereadores se reúnem apenas duas vezes a cada sete dias. Os salários (chamados de subsídios) brutos desses políticos variam de R$ 4.342 (em Laje do Muriaé) a R$ 15 mil (capital), dependendo do orçamento de cada cidade. E há uma infinidade de benefícios. Em Mendes, por exemplo, os nove vereadores têm direito, a cada mês, a quatro diárias de alimentação de R$ 253,80 em viagens para fora do município. Se houver pernoite numa capital, o valor dobra.
Em Itaguaí, resvalou na Câmara o esquema de corrupção que levou a Justiça a afastar o prefeito, acusado de sangrar os cofres públicos em quase R$ 23 milhões. Nove dos 13 vereadores foram citados numa investigação da Polícia Federal como supostos beneficiários de um “mensalão” pago por Mota. Um deles, Jorge Luís da Silva Rocha, o Jorginho do PV, agora é investigado pelo Ministério Público, sob a suspeita de ter comprado um haras, beneficiado por manobras do prefeito. Desde que o negócio veio à tona, Jorginho passou a ser presença rara nas sessões da Câmara, agora acompanhadas de perto pelo grupo de contribuintes e servidores que fez a galhofa com as máscaras.
— Aqui (na Câmara de Itaguaí), o deboche gera mais constrangimento que protestos tradicionais — explica Francidélia Lima, da turma que adotou a troça contra os malfeitos no Legislativo municipal, como a extinção, por nove votos a oito, da Comissão Processante, que apurava suspeitas contra o prefeito afastado.