A carga de Sísifo

 

Na mitologia, Sísifo é punido por tentar enganar a morte. É condenado por Zeus a carregar eternamente uma pedra até o topo e depois vê-la de volta ao começo. Tem que fazer e refazer o trabalho sem jamais terminá-lo. A Grécia se sente assim em relação às medidas de austeridade. Cortou gastos, teve recessão, e o desemprego subiu. Rolou uma pedra pesada morro acima por seis anos e está de volta à base sendo informada de que terá que subi-lo novamente.

Na economia, não há deuses, mas é também caro o custo dos erros. Não há saída indolor, como sonharam os que cantaram no domingo na praça Syntagma. O balanço do que nos trouxe até este momento de ansiedade mostrará que os dois lados erraram. A zona do euro organizou-se sem porta de saída, a não ser através do trauma da ruptura em meio a uma crise, e não seguiu seus próprios critérios fiscais. Países com graus muito divergentes de solidez econômica compartilham a mesma moeda. É um convite à instabilidade.

A Grécia fez algo que conhecemos bem aqui. Para entrar no euro, manipulou contas públicas. Viveu o tempo da fartura da Europa sem fazer o ajuste. Na crise, viu que era grande o poço que havia furado debaixo dos pés.

A situação econômica grega é tão frágil que a zona do euro não quer ficar com a culpa de ter desmontado um país. Se o Banco Central Europeu (BCE) interromper o fluxo de dinheiro de emergência, os bancos entram em colapso, e a economia vai ao chão. Essa fraqueza é que encurralou a Europa. Há agora uma corrida contra o calendário das dívidas. A que vence dia 20 é devida ao BCE. Se não for paga, o BCE está impedido de continuar provendo liquidez.

Ao subir o morro carregando sua pedra, a Grécia perdeu 26% do PIB em seis anos, e viu o desemprego espalharse, principalmente entre os jovens. Com o longo fechamento dos bancos, os gregos vivem dias que os brasileiros de minha geração podem imaginar. Há 25 anos, ficamos três dias com os bancos fechados e mais o fim de semana. Cinco dias de incerteza, e o governo Collor nos contou que grande parte das economias ficaria presa lá por dois anos. Eles agora vivem esse medo e certamente perderão parte do seu patrimônio e economias.

Os bancos em 2012 aceitaram perder de 30% a 40% do valor dos títulos gregos. É o que eles chamam de haircut. Foram tosquiados em uma parte do que haviam emprestado à Grécia e vivem agora o alívio de saber que a maior parte da dívida está nas mãos dos governos, especialmente o alemão; dos mecanismos de ajuda financeira criados pela Europa; do BCE e do FMI. O Fundo tem a menor parte da dívida, por isso foi a primeira instituição a dizer ontem que está disposta a ceder.

O ex-ministro grego Gikas Hardouvelis contou, em artigo publicado ontem no “New York Times”, que em novembro passado havia uma avaliação positiva, entre os credores, dos avanços do programa de ajuste da Grécia. Mas, diante do medo de que o Syriza ganhasse a eleição com o programa antiausteridade, o FMI fez jogo duro e não quis que fosse concedido um empréstimo de € 7,2 bilhões, que permitiria um início mais calmo do governo. Ele acha que a partir desse ponto tudo desandou.

Com o Brasil, o FMI não quis fechar o acordo proposto, no fim de 1984, pelo então presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, que permitiria uma transição tranquila do governo João Figueiredo para a administração civil. Eles temiam o discurso feito por Tancredo de que não pagaria “a dívida com o sangue do povo brasileiro”. Dois anos depois, o governo Sarney entrou em moratória. A culpa em parte foi da farra fiscal e cambial durante o cruzado. Como no nosso caso, a responsabilidade não é de um lado só.

Agora a Europa terá que escolher entre dois custos: o de ceder e o de não ceder. Em qualquer cenário, o sofrimento que a Grécia tem pela frente será longo. Sísifo permanece condenado. A dor econômica será maior se o país sair da zona do euro, uma probabilidade que aumentou. Não se pode criar uma moeda que ninguém quer. Isso dá em hiperinflação, drama que o brasileiro sabe de viver, e não de ouvir dizer.