Conselheiros dos TCEs poderão ter mandato de mais de 30 anos
13 jul 2015
SILVIA AMORIM
“Tomo pó de guaraná todo dia. Saúde não me falta” Raimundo José Michiles Conselheiro no TCE do Amazonas de 69 anos, há 13 no cargo
-SÃO PAULO- Quase metade dos conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) poderá ficar no cargo por mais de 30 anos, caso a Câmara decida estender a PEC da Bengala a todo o funcionalismo público. Há situações em que a permanência na cúpula dessas cortes chegará a 39 anos, quatro vezes mais do que a expectativa de tempo no cargo de um presidente, governador ou prefeito. Casos assim foram identificados pelo GLOBO em seis estados: Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Maranhão e Pernambuco. O cenário poderá reabrir uma discussão nacional sobre a necessidade de criação de prazo para a ocupação dessas cadeiras.
O GLOBO fez um levantamento na semana passada nos Tribunais de Contas de 20 estados e do Distrito Federal. O cenário tem que ser tratado, por enquanto, como possibilidade, mas ele pode virar realidade assim que a Câmara dos Deputados aprovar o projeto que estende para todo o funcionalismo o direito de se aposentar aos 75 anos, e não mais aos 70. Uma mudança constitucional, promulgada em maio pelo Congresso e apelidada de PEC da Bengala, concedeu aos ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União esse benefício. Há 11 dias, o Senado aprovou a mesma regra para todos os servidores.
SALÁRIOS DE R$ 30 MIL
Se ele passar pelo crivo da Câmara, nem mesmo os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) terão cargos tão duradouros quanto o de muitos conselheiros de Tribunais de Contas. Nos últimos cem anos, o tempo máximo em que um ministro ocupou uma cadeira na Suprema Corte foi 24 anos. Com a alteração, isso poderá chegar a 33 anos, no caso do ministro Dias Toffoli. O GLOBO encontrou nos TCEs 31 conselheiros (22%) que poderão ganhar o direito de permanecer no cargo por mais tempo do que isso. Se considerarmos os que poderão acumular mais de 30 anos, o número sobe para 65,46% dos atuais 143 conselheiros.
O longo tempo de permanência nos Tribunais de Contas é um debate antigo no país. Na Câmara, projetos de lei que estabelecem a criação de mandatos com prazo determinado para essas vagas estão parados há anos.
Os conselheiros, assim como os ministros do Supremo, são cargos de indicação política. O salário é de R$ 30 mil, com direito a assessores, carro oficial, gratificações e foro privilegiado na Justiça. Alguns são indicados pelo governador e outros pelos deputados estaduais, apesar de a Constituição permitir que qualquer cidadão se candidate à vaga.
Ao menos sete conselheiros de seis estados têm pressa. Eles completam 70 anos até 2016. Um deles é Raimundo José Michiles, do TCE no Amazonas, que chegará aos 70 anos em 28 de agosto. Ele está acompanhando de perto a discussão no Congresso e diz que tem saúde e disposição para continuar na função.
— Tomo pó de guaraná todo dia. Saúde não me falta. Se puder ficar mais cinco anos, vou ficar — disse Michiles, que é conselheiro há 13 anos.
A tarefa do TCE é fiscalizar contratos e licitações, e julgar as contas do governo estadual e prefeituras. O Brasil tem 34 Tribunais de Contas: 31 estaduais (quatro estados têm duas cortes); dois Tribunais de Contas municipais (São Paulo e Rio de Janeiro); e o Tribunal de Contas da União.
Em 2014, eles custaram R$ 8,4 bilhões, segundo a Federação Nacional dos Servidores dos Tribunais de Contas (Fenastc). A estimativa é que a mudança na aposentadoria gere economia de até R$ 1,4 bilhão por ano.
Denúncias de corrupção e irregularidades envolvendo TCEs têm sido frequentes. Em Roraima, quatro conselheiros foram afastados em junho acusados de formação de quadrilha e peculato, após a Operação Mãos Limpas, da Polícia Federal. O TCE de São Paulo tem, há quase um ano, um de seus conselheiros, Robson Marinho, afastado por suspeita de ter recebido propina da multinacional Alstom. Ele nega a acusação. Um estudo de 2011 mostrou que um em cada cinco conselheiros estava sendo investigado pela Justiça.
Presidente da Associação dos Membros de Tribunais de Contas (Atricon), Valdecir Pascoal, que também preside o TCE de Pernambuco, explica por que a entidade é a favor da PEC da Bengala:
— A expectativa de vida aumentou, e não é justo que conselheiros tenham que sair da função quando ainda estão aptos a exercê-la. Há também um aspecto financeiro, que é a economia desses órgãos com aposentadorias.
Ele é um dos conselheiros que poderão ficar 39 anos no cargo, mas disse ser defensor da criação de um mandato de dez anos para a vaga.
A entidade que representa os servidores dos tribunais é contra a PEC da Bengala.
— Não tem nada de razoável um conselheiro ficar 39 anos na função. Temos conselheiros nomeados ainda no regime militar. Os tribunais estão com a imagem desgastada, e precisamos dar uma resposta. Essa PEC foi feita por interesses políticos — afirmou o presidente da Fenastc, Amauri Perusso.
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CNJ tira do ar dados sobre ação de juízes
“Na realidade, a magistratura nunca aceitou bem o CNJ, porque ele é um órgão de controle” Eliana Calmon Ministra aposentada do STJ
No último dia 12 de junho, por decisão da corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Nancy Andrighi, o Justiça Aberta, banco de dados que permite o monitoramento do trabalho dos magistrados, foi desativado. Com isso, juízes de todo o Brasil foram desobrigados de enviar ao CNJ dados mensais sobre a produtividade de suas jurisdições. As informações sobre o número de processos julgados e as pilhas de casos na fila de espera não estarão mais à disposição do cidadão, que ficará sem informações sobre a qualidade da gestão do Judiciário.
Em vigor há mais de três anos, a Lei de Acesso à Informação também não foi regulamentada pelo plenário do CNJ. Sancionada em 16 de maio de 2012, a lei estabelece que o CNJ é o órgão responsável pela análise de pedidos de informação negados pelos tribunais de todo o país. O julgamento de recursos, entretanto, não ocorre pela falta de regulamentação. Desta forma, o Judiciário é o poder que menos se adequou à legislação, embora ainda haja problemas tanto no Executivo quanto no Legislativo.
— O CNJ criou uma comissão para a regulamentação, mas ela não avança por falta de prioridade ao tema. Não existe cobrança, embora a Lei de Acesso à Informação seja velhinha — analisa Neide de Sordi, ex-diretora executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ.
Procurado pelo GLOBO, o CNJ diz que a regulamentação da lei “deve ocorrer agora no segundo semestre”. O órgão acrescenta também que não há previsão para que o Justiça Aberta seja reativado, mas afirma que está “trabalhando para a definição de novo modelo automatizado de dados, somente para o setor de estatística dos tribunais”. Segundo o conselho, “a forma de alimentação era manual e erros de digitação comprometiam a base de dados”. Em sua decisão, a corregedora Nancy Andrighi registrou que é necessário, antes, “dar condições para o juiz trabalhar, para somente a partir daí cobrar resultados”.
Em abril, O GLOBO informou que uma proposta apresentada pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, recebeu críticas de integrantes do CNJ por supostamente retirar poderes do órgão na condução de processos disciplinares ou criminais contra magistrados. A proposta mexe nas regras de interrogatório de juízes que respondem a esses processos. Diz que eles só podem ser interrogados em processo disciplinar ou criminal por outro magistrado de instância igual ou superior, mesmo que o interrogador seja do CNJ.
Os únicos órgãos vinculados ao Judiciário ainda obrigados a prestar informações ao CNJ são os cartórios, em periodicidade semestral. Os dados sobre rendimentos e atividades dos cartórios ainda são lançados no banco de dados do Justiça Aberta.
Neide de Sordi, que dirigiu o Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ e hoje é pesquisadora do Instituto Brasiliense sobre Direito Público, lamenta a falta de informações sobre o trabalho dos magistrados. Ela ajudou a elaborar o IDJus, indicador que busca aferir o desempenho nas justiças estadual, federal e do trabalho.
Eliana Calmon, ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedora do CNJ, enxerga com preocupação a postura adotada pelo CNJ na gestão de Lewandowski. Segundo ela, “há um esvaziamento” do órgão. Calmon atribui o impasse diante da Lei de Acesso à Informação ao corporativismo dos magistrados. Para ela, “a cultura de falta de transparência é muito arraigada” no Judiciário. Ao exemplificar, Eliana afirma que os salários de desembargadores são “segredos de Estado”:
— Na realidade, a magistratura nunca aceitou bem o CNJ, porque ele é um órgão de controle. Desta forma, houve uma dificuldade muito grande.