Crise por todos os lados

 

O acirramento da crise política entre o Legislativo e o Executivo rebateu nos negócios do mercado financeiro mais uma vez. As acusações contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o seu rompimento com o governo fizeram a moeda americana subir mais de 1% ontem. O dólar comercial encerrou a R$ 3,194, com valorização de 1,13% frente ao real. Os investidores temem que a situação política deixe a recuperação da economia, cujas expectativas pioram a cada dia, ainda mais lenta.

Nesse contexto, o dólar no Brasil se descolou do comportamento global, fazendo o real registrar o pior desempenho em uma cesta de dez moedas acompanhadas pela Bloomberg. Para se ter uma ideia, a desvalorização do peso mexicano, o segundo pior desempenho da sexta-feira, foi quase metade da do real.

— A alta do dólar foi uma demonstração clara de insegurança e desconforto do investidor com o atual cenário político e econômico. Quando isso ocorre, ele vai para o dólar. Além disso, há a expectativa de alta de juros nos Estados Unidos — afirmou Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora.

REFORMAS EM RISCO

O desconforto teve início na quinta-feira, quando, em depoimento à Justiça, o consultor Júlio Camargo afirmou que Cunha pediu US$ 10 milhões em propinas referentes a contratos da Petrobras. O presidente da Câmara negou as acusações. Em entrevista coletiva ontem, iniciada por volta das 11h, Cunha oficializou seu rompimento com o governo — e, às 11h41m, o dólar atingiu a máxima de R$ 3,204. Para azedar ainda mais a relação entre governo e parlamentares, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que a crise econômica “alimenta” a crise política e classificou os juros no país de “pornográficos” — a Taxa Selic está em 13,75% ao ano.

Para investidores e analistas, o maior temor é que a crise política debilite ainda mais a economia brasileira. O relatório Focus, do Banco Central, projeta retração do Produto Interno Bruto (PIB) de 1,5% em 2015 e crescimento de 0,5% no ano que vem. No entanto, vários bancos e economistas já revisaram a queda na atividade econômica este ano para em torno de 2%, e alguns não descartam a hipótese de que a recuperação só ocorra em 2017.

E esse acirramento da crise política contribui para um pessimismo maior, com reflexo na cotação do dólar — no ano, a alta acumulada é de 20%. Com a disputa política, teme-se o adiamento da aprovação das medidas do ajuste fiscal, que possibilitariam a recuperação da atividade econômica, dificultando, assim, a retomada dos investimentos. Para o professor de Economia da Fundação Getulio Vargas Ernesto Lozardo, fatores políticos predominaram na alta do dólar, e o rompimento de Cunha com o governo deixa a situação mais complicada para as negociações das medidas de ajuste no Congresso.

— As reformas propostas pela área econômica do governo dependem de aprovação no Congresso. O Renan já se manifestou contra o governo e, agora, o Cunha. É mais um fator de incerteza em relação à aprovação das reformas — disse Lozardo, salientando que, politicamente, não se sabe para onde o país caminha, com o governo cada vez mais desgastado e com lideranças políticas, como Cunha e Renan, citados na Operação Lava-Jato.

O gerente de câmbio da corretora Icap do Brasil, Italo Abucater, lembra que alguns investidores mantêm o foco no país devido às elevadas taxas de juros, mas que esse fluxo é mais volátil. Somam-se a isso o aumento de juros nos Estados Unidos ainda este ano, o que não ocorre desde 2006, e a visita de técnicos da Moody’s ao Brasil para uma possível revisão da nota de crédito ( rating).

— O cenário econômico não mudou em relação ao último trimestre, e a nossa política só piorou, com mais instabilidade. Além disso, houve uma corrida para o dólar porque ninguém gosta de ficar com posições de investimento em aberto no final de semana — explicou.

AÇÕES DA PETROBRAS CAEM MAIS DE 4%

A crise política também respingou na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). O Ibovespa, seu índice de referência, recuou 1,37%, aos 52.341 pontos. Na semana, a queda foi de 0,50%.

As ações mais negociadas, ou seja, as de maior liquidez, passaram o dia em território negativo. Os papéis preferenciais (PN, sem direito a voto) da Petrobras caíram 4,36%, a R$ 11,40. Já os ordinários ( ON, com voto) perderam 4,89%, a R$ 12,62. Segundo analistas, essa queda acentuada indica o peso da política, já que a cotação internacional do petróleo tipo Brent avançou 0,32% ontem, para US$ 57,10 o barril.

— Há uma tensão por causa do agravamento da crise institucional, com um maior atrito entre Legislativo e Executivo — disse Adriano Moreno, estrategista da Futura Invest.

Os papéis do Banco do Brasil também recuaram, ainda como reflexo da venda de suas ações, pelo Tesouro Nacional, em poder do Fundo Soberano Nacional (FSB). A queda ontem foi de 2,37%.

— A Bolsa está patinando. Com ambiente político e econômico ruim, o investidor acaba ficando de fora, reduzindo o volume de negócios-— disse Figueredo, da Clear.