Valor econômico, v. 16, n. 3788, 01/07/2015. Opinião, p. A10             

 

Passivos pendentes da energia pressionarão mais a inflação

 

O impasse entre o governo e geradoras mostra que os problemas do setor de energia estão longe de uma solução. A discussão começou no ano passado, quando a produção de energia das hidrelétricas ficou abaixo do estabelecido nos contratos de fornecimento por causa do esvaziamento dos reservatórios. As empresas conseguiram entregar 91% da energia prometida e tiveram que comprar o restante no mercado de curto prazo, com gastos extras de cerca de R$ 20 bilhões. Neste ano, a previsão é que as usinas produzam 80% a 90% do estabelecido e enfrentem mais despesas, que só não serão maiores porque o teto do preço no mercado de curto prazo foi fixado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em R$ 388 o MW, pouco menos da metade do valor do ano passado.

Várias geradoras entraram na Justiça e algumas já conseguiram liminares buscando reduzir suas perdas. Segundo o Valor apurou, a intenção é limitar o "risco hidrológico" a 5% da garantia física de cada empreendimento (29/6). Assim as geradoras precisariam comprar menos energia no mercado para suprir a deficiência.

As geradoras argumentam que a produção está em queda não só por causa da redução das chuvas, mas também pela política do governo. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem priorizado o uso das termelétricas para preservar a água nos reservatórios das usinas e o Ministério das Minas e Energia resolveu contratar energia gerada por grandes consumidores, como shopping centers e indústrias, pagando mais de três vezes e meia o preço do mercado de curto prazo.

Não se sabe se as liminares serão mantidas, mas a entrada da discussão na esfera judicial deixou o governo preocupado e disposto a negociar uma proposta para evitar que o ônus do déficit de produção recaia em um grupo pequeno de geradoras ou na mão das distribuidoras, que enfrentam problemas de caixa desde os fins de 2013. A consultoria PSR calcula que um auxílio às geradoras poderá custar R$ 10,5 bilhões. Mas o governo parece mais disposto a esquecer o passivo acumulado e apresentar alguma solução para o futuro, que redistribua o risco hidrológico, crie um fundo para cobrir os déficits e obrigue as geradoras a investir no aumento da produção.

Não apenas os problemas com as geradoras minam a política de energia do governo, que passa por turbulências desde a MP 579, de 2012, convertida no ano seguinte na Lei 12.783, que buscava reduzir o custo da energia, mas deixou uma conta estimada entre R$ 60 bilhões a R$ 110 bilhões em vários elos da cadeia da energia. As distribuidoras, que tiveram que arcar com o elevado preço da energia no mercado de curto prazo no ano passado, puderam agora repassar os custos para o consumidor, com o salto na correção das tarifas. Mas há valores ainda não cobertos, a serem compensados nos próximos reajustes ordinários e a conta apenas das distribuidoras pode chegar a R$ 6,1 bilhões até o fim do ano, estima a consultoria PSR.

Uma outra fatura pendente inclui as despesas com a indenização de ativos de transmissão e geração, cujas concessões estão vencendo. As empresas de transmissão informam que o governo ainda lhes deve R$ 17,9 bilhões. Contratos com grandes geradoras vencem neste mês. Cesp, Cemig e Chesf pedem um total de cerca de R$ 10 bilhões em indenizações; enquanto outras empresas finalizam seus cálculos. Há ainda a manutenção dos sistemas isolados, estimada em R$ 8,1 bilhões e diferida ao longo de dez anos, despesas com a importação de energia da Argentina e Uruguai e a compra do excedente de grandes consumidores, em horário de pico.

Com o governo às voltas com o ajuste fiscal e sem espaço para acomodar novas despesas, a maior parte da conta deve recair no bolso do consumidor. Resta saber em qual velocidade. Apenas em março, a tarifa de energia teve um salto de 22% e acumula 41,94% nos primeiros cinco meses do ano e 58,5% em 12 meses. Como a energia elétrica tem um peso de 3,89% no cálculo da inflação oficial, só superado pela gasolina, com 3,93%, foi determinante para o IPCA atingir 8,47% no acumulado em 12 meses em maio. O aumento da energia já está próximo dos 43,4% estimados pelo Banco Central. Calcula-se que o repasse dos custos ainda pendentes elevaria as tarifas em mais cerca de 30% neste ano, criando novos desafios para a política monetária.