Em cadeia de rádio e TV, Cunha disse que a Câmara “é um poder com muito mais iniciativa”. Foram registrados protestos tímidos
O ato inicial do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), como oposicionista foi a autorização para que quatro novas CPIs passem a funcionar na Casa em agosto, após o recesso. As mais preocupantes para o governo são as que pretendem apurar desvios nos empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a que vai apurar supostas irregularidades nos fundos de pensão.
A primeira CPI já foi criada ontem, junto com outras duas comissões de pouco impacto para o Planalto: uma sobre maus- tratos contra animais, outra sobre crimes cibernéticos. No caso da CPI dos Fundos de Pensão, Cunha autorizou sua instalação, mas ela só será criada formalmente no dia 7 de agosto, após o recesso.
A CPI do BNDES foi pedida por quatro partidos de oposição — PSDB, PSB, DEM e PPS — em abril, quando eles conseguiram 191 assinaturas de apoio. O mesmo ocorreu semanas depois com a dos Fundos de Pensão, que teve apoio de 186 deputados de 24 partidos. Para haver uma CPI, é preciso o apoio de 171 deputados. Desde então, as duas ficaram na gaveta, pois cinco CPIs, entre elas a da Petrobras, estavam em funcionamento.
Em pronunciamento em rede nacional de rádio e TV ontem à noite, Cunha disse que “a Câmara de hoje é um poder com muito mais iniciativa” e que “as principais demandas da sociedade estão pautando o trabalho dos parlamentares”.
Durante o pronunciamento de Cunha, houve protestos pontuais em áreas das regiões metropolitanas de Rio e São Paulo. O pronunciamento tinha sido gravado antes de o deputado anunciar seu rompimento com o governo.
Cunha citou projetos aprovados recentemente pelos deputados. Na Segurança, falou da aprovação da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
— Com coragem e maturidade, debatemos a redução da maioridade penal e aprovamos o projeto com 323 votos — disse.
A redução da maioridade penal foi aprovada após manobra de Cunha, um dia depois de ter sido rejeitada.
Cunha citou ainda a votação da reforma política, que teve pontos polêmicos aprovados em plenário também por conta de manobras regimentais.
— Trouxemos ao debate nacional mais um tema importante e urgente para a vida do país: a reforma política. Entre as medidas já aprovadas, estão o fim da reeleição, o limite de gastos, e reduzimos o tempo de campanha eleitoral.
Durante o pronunciamento, apitos e panelas foram ouvidos em algumas residências de bairros da Zona Sul do Rio, como Botafogo, Humaitá, Flamengo e Leme. Em Laranjeiras e Santa Teresa, ouviram-se gritos, vaias, panelas batendo e também xingamentos. Na Praça São Salvador, 15 manifestantes se reuniram para protestar contra Cunha. Foram manifestações tímidas.
Em São Paulo, o protesto foi concentrado em bairros do Centro e da Região Oeste. Em Pinheiros, algumas pessoas foram às janelas do prédios com gritos de “Fora, PT e PMDB”, “PT ladrão” e "PMDB ladrão", acompanhados de batidas de panelas. Também foram registradas manifestações no Alto da Lapa, na Consolação e na Bela Vista. Na Lapa, ouviramse buzinas de veículos no momento da fala de Cunha.
As adesões no Rio e em São Paulo foram muito menores do que as registradas nos protestos contra o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff em 8 de março e no programa de televisão do PT, em maio.
À noite, o presidente da Câmara despachou 11 pedidos de impeachment já apresentados na Casa contra a presidente Dilma Rousseff no primeiro semestre, por crime de responsabilidade. O despacho concede prazo de 10 dias para que os autores dos pedidos — cidadãos, movimentos sociais e o deputado Jair Bolsonaro (PPRJ) — apresentem um complemento aos requisitos formais. Entre os complementos pedidos estão, por exemplo, o reconhecimento de firmas e a indicação de testemunhas.
Sabe o que são estrelas cadentes? Não são estrelas. São rastros luminosos de meteoros que se desintegram ao entrar na atmosfera da Terra.
Eduardo Cunha ( PMDBRJ), presidente da Câmara dos Deputados, tem pela frente o desafio de provar que não é uma estrela política cadente.
O rompimento com o governo é um sinal do desespero que tomou conta dele depois que um consultor de empresas confessou ter lhe dado dinheiro desviado de negócios com a Petrobras.
Sinal de desespero e também a encenação de uma farsa. Porque só se rompe com algo a que se está ligado. Cunha jamais esteve ligado ao governo. Dele só queria auferir benefícios.
O temperamento agressivo e histriônico do deputado só lhe permite a busca de saídas arriscadas, bruscas e barulhentas para eventuais dificuldades que enfrenta. Foi novamente o caso.
Ninguém com o mínimo de conhecimento sobre como as instituições funcionam neste momento acreditará que o governo manda no Ministério Público, como quer fazer crer Eduardo Cunha.
E que, portanto, foi o governo que mandou o Ministério Público perseguir Cunha para sujá-lo com a lama que quase entupiu os dutos da Petrobras.
Se o governo tivesse tal poder, salvaria Lula de qualquer investigação criminal, e também todos ou os principais aliados envolvidos na Operação Laja-Jato. Cunha sabe o que fez ou deixou de fazer.
O falso rompimento dele com o governo é solitário. Os colegas dele de partido, e os aliados temporários, passarão as próximas semanas de recesso do Congresso avaliando o que está por vir.
O governo dispõe de muitos meios para manter o grosso do PMDB a seu lado. Entre esses meios, o fisiologismo escancarado, que costuma ser o mais eficiente de todos.
Se a Michel Temer (PMDBSP), coordenador político do governo, não se deu o poder de distribuir cargos e liberar dinheiro para obras nos redutos eleitorais dos parlamentares, agora se dará.
O PMDB, principalmente ele, cobrará caro para não permanecer na Câmara ao lado de Cunha. Tudo será uma questão de preço. E o governo tem caixa para pagar, sim.
Aos que gostam de admirar o falso brilho das estrelas cadentes acompanhado, às vezes, de trovoadas, um conselho: aproveitem o espetáculo, mas nada de se deixarem enganar por ele.
Muitas vezes, trata-se apenas de fogo-fátuo, “uma luz azulada que decorre da inflamação espontânea do gás dos pântanos”.