Delator revela os detalhes do eletrolão

29/07/2015 
PAULO DE TARSO LYRA
EDUARDO MILITÃO
 
A partir dos relatos do presidente da UTC, Ricardo Pessoa, PF prende duas pessoas por suspeita de desvio de dinheiro em construção de usina nuclear. O senador Edison Lobão, o ministro do TCU Raimundo Carreiro e o advogado Tiago Cedraz estão entre os investigados. 

A Operação Radioatividade, a 16ª fase da Lava-Jato que investigou corrupção na usina de Angra 3 e foi deflagrada ontem, abriu mais uma janela na apuração de suspeitas que pesam sobre o senador e ex-ministro das Minas e Energia Edison Lobão (PMDB-MA); o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Raimundo Carreiro; e o advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do TCU, Aroldo Cedraz. Policiais federais ouvidos pelo Correio adiantaram que um grupo de investigadores que apura o caso pelo Supremo Tribunal Federal deve ir a Curitiba avaliar o material apreendido pelos colegas do Paraná em busca de provas para embasar inquéritos no STF. Os três foram acusados de pagamento de suborno em delação premiada pelo presidente da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, mas negam as suspeitas. “Nunca recebi dinheiro ilegal”, disse Carreiro ontem à noite.

O caso investigado no Paraná é o mesmo em Brasília. A diferença é que alguns personagens têm foro privilegiado no STF e só podem ser alvo de inquérito na capital federal. Ontem, a PF prendeu o ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva, almirante da reserva acusado de receber ao menos R$ 4,5 milhões em propinas, para beneficiar empreiteiras em obras na usina de Angra 3. Também foi detido o presidente global da Andrade Gutierrez (AG), Flávio David Barra, e vários executivos de outras empreiteiras.

Cerca de 180 policiais cumpriram 23 mandados de busca e apreensão de e-mails e documentos em salas de executivos e endereços de Othon Pinheiro. Ontem, ainda se avaliava em que momento os investigadores deveriam ir a Curitiba, se já ou só quando os relatórios de análise do material apreendido estivessem prontos, daqui a alguns dias ou semanas. Um investigador considerou fortes as provas que mostraram que o almirante recebeu dinheiro das empreiteiras na conta de sua empresa no mesmo período em que era presidente da Eletronuclear.

Para os policiais, Othon, ligado ao grupo do PMDB do ex-presidente José Sarney, pode acabar encurralado e revelar novos personagens do caso. Em março, o então presidente da Camargo Corrêa Dalton Avancini afirmou que as propinas atendiam ao partido e ao presidente da Eletronuclear. No Ministério Público, a expectativa é que as provas produzidas alimentem o inquérito no STF naturalmente. É uma via de mão dupla, avaliou uma fonte ligada às investigações.

Parlamentares e integrantes do governo se mostraram chocados ontem com a prisão do almirante Othon Pinheiro. Considerado um técnico extremamente qualificado e competente, ele tinha relações próximas com o PMDB. Um parlamentar que atua no setor classificou Othon como “um dos melhores quadros” da área de energia. “Respeitadíssimo nos foros internacionais sobre energia nuclear”, qualificou. O mesmo político lembrou que Othon praticamente reformulou sozinho o funcionamento de Angra 3 e o projeto dos submarinos nucleares que estão em construção, em uma parceria dos governos brasileiro e francês. O militar ainda tem proximidade com o diretor da Eletrobras Valter Cardeal, ligado à presidente Dilma Rousseff.

Corrupção endêmica
Segundo o Ministério Público e a Polícia Federal, a Andrade Gutierrez, seis empreiteiras reunidas no consórcio Angramon e a Engevix bancaram propinas para Othon em três negócios. No primeiro, a AG conseguiu um aditivo de R$ 1,248 bilhão em 2009 para retomar as obras de Angra 3, que começaram em 1983, mas estavam paradas desde os anos 1990. No segundo, a Engevix abocanhou vários contratos entre 2010 e 2013, que somaram R$ 122 milhões. No terceiro, o consórcio Angramon, formado pelos consórcios Uma-3 e Angra-3, conseguiu eliminar um concorrente na pré-qualificação de dois pacotes de obras que somam R$ 3 bilhões. “Houve direcionamento na licitação para que essas empresas concorressem sozinhas”, afirmou o procurador Athayde Ribeiro Costa, um especialista em licitações que integra a força-tarefa da Lava-Jato. “Já sabiam que ganhariam de antemão a licitação.”

Segundo ele, os R$ 4,5 milhões nas contas da Aratec Engenharia, a empresa de Othon, foram pagos entre 2009 e 12 de dezembro do ano passado pela AG e pela Engevix. Não se sabe ainda o valor exato pago por todas as empresas. Os autos do processo mostram, porém, que houve R$ 109 mil pagos pela Camargo Corrêa, R$ 371 mil pela Techint, além de R$ 504 mil pela OAS — que não fez nenhum negócio investigado na operação de ontem.

Ribeiro disse que a corrupção para além da Petrobras mostra problemas. “A corrupção no Brasil, infelizmente, é endêmica e está em estado de metástase.”

A Andrade Gutierrez afirmou, em nota, que sempre esteve à disposição da Justiça e que seus advogados analisam o caso. A Eletrobras, controladora da Eletronuclear, disse em comunicado ao mercado que ainda analisa a prisão de Othon. O advogado de Barra, Edward Carvalho, considerou a prisão desnecessária.


Como foi
Cento e oitenta policiais federais foram às ruas de cinco cidades ontem pela manhã na Operação Radioatividade, a 16ª fase da Lava-Jato

Prisão de cinco dias
» Othon Luiz Pinheiro, presidente da Eletronuclear entre 2005 e abril passado.
» Flávio David Barra, presidente global da Andrade Gutierrez Energia

Busca e apreensão
» Foram 23 mandados para apreender e-mails e documentos em salas de executivos e funcionários públicos em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Niterói (RJ) e Barueri (SP)

Condução para prestar depoimentos
» Fábio Adriani Gandolfo, da Odebrecht
» Clóvis Primo, executivo aposentado da AG
» Petrônio Brás Júnior, da Queiroz Galvão
» Renato Ribeiro Abreu, da MPE Montagens
» Ricardo Ouripes Marques, da Techint

Acusação
» Empreiteiras pagaram propina para obter contratos em Angra 3. Destinatários foram funcionários públicos e o PMDB.

Defesa
» Andrade Gutierrez e demais empreiteiras rejeitam acusação de suborno. A AG disse que colabora com as investigações. Eletronuclear e Eletrobrás não se pronunciaram.

Fontes: PF e MPF


Planalto preocupado

PAULO DE TARSO LYRA
As denúncias de corrupção contra três ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) ligados ao PMDB preocupam o Palácio do Planalto em um momento em que o governo enfrenta um julgamento delicado na Corte e precisa do partido para manter a estabilidade política no Congresso. As acusações envolvem Raimundo Carrero, citado na Operação Lava-Jato pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, como beneficiário de uma propina de R$ 1 milhão, e Vital do Rego, acusado de ter tido a campanha ao Senado em 2010 financiada com dinheiro desviado de um contrato da prefeitura de Campo Grande (PB).

Um terceiro ministro tem enfrentado complicações, mas de maneira indireta. O presidente do TCU, Aroldo Cedraz, vê o filho Tiago Cedraz, advogado, acusado de ter recebido propina para vender informações privilegiadas do Tribunal de Contas da União. Mas os peemedebistas falam que Cedraz, apesar de já ter sido filiado ao PMDB, estava no antigo PFL, quando foi indicado para uma vaga na Corte.

De qualquer maneira, o governo está preocupado. Interlocutores de Dilma queriam conversar com os ministros do TCU peemedebistas em busca de apoio na questão das pedaladas, uma vez que o relator do processo, Augusto Nardes, já deu provas de que votará pela rejeição das contas da presidente em 2014, o que abriria brechas para a abertura de um processo de impeachment contra a presidente por crime de responsabilidade fiscal.

O governo já recebeu sinais do TCU de que os ministros tendem a votar fechados — pela rejeição ou aprovação das contas — como uma mostra de unidade do tribunal. Por isso, apostava todas as fichas no convencimento de ministros ligados ao principal partido aliado do PT na coalizão governista. Segundo apurou o Correio, no entanto, pessoas ligadas a Vital têm dito que o PT está por trás das denúncias contra ele.

É o mesmo discurso adotado pelos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), citados nas investigações da Lava-Jato e que jogam a responsabilidade disso em cima do governo e do PT. Após o rompimento de Cunha com o governo, Renan passou a ser visto como essencial para o Planalto na relação com o Congresso. “Ele tem passado a impressão de estar mais calmo. Mas nunca se sabe, afinal, ainda estamos em recesso”, disse um peemedebista de maneira evasiva.

Censura a Duque
A Comissão de Ética Pública da Presidência da República decidiu que Renato Duque, ex-diretor de serviços da Petrobras, deve ser penalizado com censura ética. Ele é apontado como beneficiário de propinas pagas por empresas contratadas pela estatal e está preso no Complexo Médico-Penal, em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. A censura é a punição máxima que a comissão pode determinar para quem não ocupa um cargo federal. É uma espécie de mancha no currículo e pode dificultar que a pessoa assuma cargos públicos no futuro. O processo estava em tramitação na Comissão de Ética desde novembro do ano passado.