Valor econômico, v. 16, n. 3810, 31/07/2015. Brasil, p. A4
Governo fecha 1º semestre com déficit pela primeira vez
Por Edna Simão e Fábio Pupo | De Brasília
Num cenário de forte frustração de receitas e pressão por gastos, a tarefa da equipe econômica de chegar a um superávit para o governo central de R$ 5,8 bilhões (ou 0,1% do PIB) está cada vez mais complicada. No primeiro semestre, o governo central registrou déficit primário de R$ 1,597 bilhão (ou 0,06% do PIB) em valores nominais, ou R$ 1, 231 bilhão em termos reais (corrigido pelo IPCA). É a primeira vez que o país apresenta déficit primário para o acumulado de janeiro a junho. Considerando só junho, o governo central teve resultado negativo de R$ 8,205 bilhões - o pior para meses de junho em toda a série iniciada em 1997.
Na semana passada, a equipe econômica anunciou a redução da meta de superávit primário do setor público consolidado, de R$ 66,3 bilhões (1,19% do PIB) para R$ 8,7 bilhões (0,15% do PIB). Considerando apenas o governo central, a economia para pagamentos de juros da dívida pública caiu de R$ 55,3 bilhões (0,99% do PIB) para R$ 5,8 bilhões (0,1% do PIB). Já a meta dos governos estaduais recuou de R$ 11 bilhões (0,2% do PIB) para R$ 2,9 bilhões (0,05% do PIB).
O secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Saintive, afirmou que, apesar do déficit primário no mês passado ser o "pior da história" para meses de junho, o governo não está "relaxando" em termos fiscais e que a meta do setor público consolidado, de 0,15% do PIB será cumprida. "Não é o resultado que gostaríamos. Estamos trabalhando dia a dia", afirmou. "Não significa que há afrouxamento do ajuste fiscal. Há uma adequação do quadro fiscal, principalmente em relação à receita", destacou Saintive.
Ontem, o governo divulgou um decreto de programação orçamentária detalhando como será distribuído o corte adicional de gastos de R$ 8,6 bilhões anunciado na semana passada. Segundo o secretário Saintive, todos os ministérios sofrerão cortes, mas serão respeitadas as áreas prioritárias do governo e também os limites constitucionais.
Assim como vem sendo dito pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, Saintive ressaltou que as "incertezas" com o cenário do país estão afetando diretamente as receitas. Na avaliação do secretário, a arrecadação está abaixo do que seria adequado para o atual quadro da economia. Isso deve estar ocorrendo, por exemplo, porque muitas empresas estão postergando o pagamento de tributos - afirmou ele.
Além disso, há uma forte rigidez nos gastos públicos - em boa parte, obrigatórios. Um dos gastos que não para de crescer é o previdenciário. O déficit da Previdência Social registrou um aumento de 45,7% do primeiro semestre ante mesmo período de 2014, totalizando R$ 33,739 bilhões. Essa ampliação é impactada pela política de reajuste do salário mínimo, diz Saintive.
Outra despesa que subiu consideravelmente neste semestre foi a de subsídios do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Somente no primeiro semestre do ano, a despesa totalizou R$ 4,687 bilhões, o que indica a reversão das "pedaladas fiscais" promovidas no ano passado. No mesmo período de 2014, esse desembolso foi de R$ 53,9 milhões. Segundo Saintive, a dívida com o PSI está prevista na programação financeira e está sendo quitada gradualmente pelo governo. Apesar de ter evitado admitir que a alta dessas despesas está relacionado a uma reversão das pedaladas fiscais (ou "despedaladas"), Saintive disse que "a gestão do Tesouro tem pagado tempestivamente as despesas, dadas as regras vigentes".
Por outro lado, Saintive destacou que despesas discricionárias - as que o governo tem liberdade para reduzir - tiveram uma retração real de 4,4% em junho na comparação com o mesmo mês de 2014. Mesmo assim, elas ainda não chegaram nos patamares de 2013, que é o planejado pelo governo.
Os investimentos do governo registraram queda de 23,5% em junho ante mesmo mês do ano passado e somaram R$ 4,165 bilhões. No semestre, os aportes totalizaram R$ 27,796 bilhões, uma queda de 31,1% ante os seis meses acumulados em 2014. Esses valores incluem dispêndios com programas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e Minha Casa, Minha Vida - que registram queda no acumulado do ano. No caso do PAC, houve queda de 30,8% no semestre (comparado com o mesmo período de um ano antes), para R$ 19,957 bilhões. No programa habitacional, houve 23% de queda, para R$ 7,066 bilhões.
Em entrevista, Saintive foi questionado sobre o cenário de possível perda do grau de investimentos do país. Segundo ele, o governo "não trabalha" com esse cenário. "Não, não trabalhamos com redução da nossa avaliação por agências de rating. Estamos conversando com elas e explicando o que vem sendo feito, que o esforço fiscal permanece. Várias medidas já foram encaminhadas ao Congresso e tudo nos faz pensar que vamos manter o 'investment grade'", afirmou.
Segundo ele, a equipe econômica tem trabalhado para chegar à meta de poupar 0,15% do PIB neste ano. "Todo o esforço que o governo vem fazendo significa que nós vamos atingir a meta proposta no PLO [Projeto de Lei Orçamentária] recentemente encaminhado, de 0,15%", afirmou Saintive.