Valor econômico, v. 16, n. 3791, 04/07/2015. Brasil, p. A3

 

No seguro-desemprego, concessões caem 5%, mas gastos sobem 16%

 

Por Camilla Veras Mota | De São Paulo

 

Contrariando os números negativos registrados pelo mercado de trabalho neste início de ano, as concessões de seguro-desemprego no primeiro quadrimestre de 2015 foram 4,9% menores que no mesmo período do ano passado. O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) habilitou 2.687.457 pessoas para o recebimento do benefício de janeiro a abril, 138.800 menos do que no mesmo intervalo de 2014.

A Medida Provisória 665, que elevou os prazos de carência para os novos pedidos de 6 para até 18 meses, entrou em vigor no dia 28 de fevereiro e foi transformada, em 17 de junho, na Lei 13.134, que reduziu o limite máximo de carência para 12 meses.

 

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Apesar do número menor de beneficiários, os gastos com a rubrica cresceram 16,5%, para R$ 11,6 bilhões no período, em parte devido ao aumento no valor do piso do seguro, que coincide com o salário mínimo. Em 2015, o mínimo avançou 8,8% em termos nominais, de R$ 724 para R$ 788. No início do mês passado, o Ministério do Trabalho anunciou a intenção de diminuir as despesas com o benefício em R$ 6,4 bilhões neste ano, com redução de 1,6 milhão de beneficiários em relação a 2014.

Os dados levantados pelo ministério a pedido do Valor mostram que muitos trabalhadores chegaram a requisitar o benefício logo após as primeiras mudanças nas regras de concessão sem saber que não tinham mais direito a ele. Em abril, 89,81% dos 641.727 trabalhadores que deram entrada no seguro-desemprego passaram de fato a recebê-lo, o menor percentual desde 1992. Na média dos últimos 23 anos, 98,01% dos pedidos foram atendidos. Entre janeiro e abril, a média da chamada taxa de habilitação foi de 93,7%.

As condições para o acesso ao seguro mudaram duas vezes desde o fim do ano passado. A MP 665 aumentou o período mínimo de carência de 6 meses para 18 meses para os pedidos feitos pela primeira vez e de 6 meses para 12 meses para a segunda vez. Esses prazos, por sua vez, foram reduzidos quando a MP, após a tramitação no Congresso, foi transformada na Lei 13.134. Em junho, portanto, ficou definida a necessidade de 12 meses de serviço em um intervalo de 18 meses para quem requisitasse o benefício pela primeira vez e de 9 meses nos 12 meses imediatamente anteriores à dispensa para o segundo pedido. A regra que valia até o fim do ano passado previa carência de seis meses para qualquer um dos pedidos.

A queda no volume de emissões do seguro-desemprego foi acompanhada por uma redução no número de pedidos, que cedeu 2,5% no confronto com o primeiro quadrimestre de 2014, a despeito do aumento da taxa de desemprego, de 4,3% em dezembro para 6,4% em abril. Para a pesquisadora Sonia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), a aparente contradição pode ser reflexo da piora das condições do mercado de trabalho, que, em parte, desestimula a rotatividade.

"Já antes da mudança das regras vinha ocorrendo uma alteração no comportamento dos trabalhadores, que, ao que parece, passaram a optar realisticamente por manter o emprego face a uma conjuntura adversa", diz Sonia. Em anos anteriores, a relativa facilidade para se recolocar no mercado tornava financeiramente vantajoso ser demitido e receber o benefício por até cinco meses.

Para Carlos Alberto Ramos, professor da Universidade de Brasília (UnB), o aumento de 11,7% no volume de segurados no mês de março - e de 15,2% no total de pedidos - é, nesse sentido, "sugestivo". Caso tenha sido uma antecipação motivada pelas mudanças - uma corrida para garantir o pagamento das parcelas antes da alteração das regras -, ele é mais um "ponto a favor" daqueles que acham que havia um "comportamento especulativo" de parte dos trabalhadores em relação ao seguro, avalia.

"A regra dos seis meses [vigente até o fim de fevereiro] abria um certo precedente para esse movimento", afirma Marcelo Pedrosa, gerente do posto do Poupatempo instalado em Itaquera, bairro da zona leste da cidade de São Paulo. Assim como se vê nas estatísticas, ele diz ter observado uma elevação da procura pelo seguro-desemprego em março - os 500 pedidos diários observados no Poupatempo de Itaquera passaram a 600 naquele mês -, mas diz que "cada um tem sua interpretação" sobre o comportamento dos números neste ano.

Segundo Pedrosa, nos postos do Poupatempo em São Paulo não está valendo a chamada regra de transição que o ministro do Trabalho, Manoel Dias, declarou que seria editada após a aprovação da Lei 13.134. Ela daria acesso ao benefício àqueles que, entre 28 de fevereiro e 17 de junho, não tenham conseguido requisitar o seguro, mas que, pelas novas regras, tenham passado a ser elegíveis. A instrução transmitida pela Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo, segundo ele, é orientar aqueles que insistem a entrar com um recurso no ministério. "A regra que vale hoje é a da data de demissão".

Mario Magalhães, especialista em políticas públicas e gestão governamental do Departamento de Emprego e Salários do Ministério do Trabalho, afirma que a medida está em discussão dentro do ministério, que está em contato com a Casa Civil para avaliar sua constitucionalidade.

Segundo ele, a estimativa de uma economia de R$ 6,4 bilhões com a mudança das regras no seguro-desemprego está baseada nos dados do ano passado - uma simulação do cenário caso as mudanças tivessem acontecido naquele período. A redução de gastos esperada para 2015 é da ordem de 20%, diz ele, mas um volume de demissões acima do esperado, por exemplo, pode levar o ministério a rever os números.

A expectativa da pasta é que a chamada taxa de cobertura - a proporção entre os trabalhadores habilitados a receber o seguro e o total daqueles desligados sem justa causa - passe da média entre 70% e 75% observada nos últimos anos para 60%.

Magalhães acredita que parte da alta de 16,5% nas despesas com a emissão do benefício - que, dentro dos indicadores acompanhados pelo ministério, representa quanto foi transferido no período para a Caixa Econômica Federal para o pagamento do seguro-desemprego - pode ser reflexo de pagamentos contratados no fim do ano passado, ou da existência de um número maior de trabalhadores "notificados", aqueles que chegaram a ser habilitados, mas que, na prática, não puderam ter acesso ao benefício.