Muito trabalho à frente

 

Com o temor de que o ajuste fiscal emperre no Congresso, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s impôs derrota ao governo ao colocar em perspectiva negativa a nota de crédito do Brasil. Se o país for rebaixado pela agência, perderá o grau de investimento — um selo de bom pagador que ajuda a atrair investimentos. Para especialistas, o maior desafio do Planalto agora é conseguir aprovar o ajuste fiscal. O Ministério da Fazenda disse, em nota, que as medidas para reequilibrar a economia vão criar novas condições de competitividade “em alguns meses”. - SÃO PAULO E RIO- Em uma clara derrota para o governo, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s ( S& P) colocou ontem em perspectiva negativa o rating do Brasil. A nota foi mantida em “BBB-”, o último nível do grau de investimento, que representa uma espécie de selo de bom pagador. Mas a S& P ressaltou que o rating pode ser reduzido se não houver avanços no ajuste fiscal durante o próximo ano, o que levaria o país de volta ao terreno do grau especulativo, do qual havia saído em 2008. Especialistas ouvidos pelo GLOBO apontam que o maior desafio do governo, agora, é trabalhar mais na articulação política com o Congresso para aprovar as medidas do ajuste fiscal. Caso a instabilidade política se agrave, as possibilidades de que o país perca o grau de investimento aumentam.

— Se nada acontecer, está contratado o rebaixamento para o ano que vem — afirma Zeina Latiff, economista- chefe da XP Investimentos.

SAÍDA DE INVESTIDORES NÃO DEVE SER IMEDIATA

Lisa Schineller, diretora de ratings soberanos da S& P, afirmou em teleconferência com investidores que, desde março, quando a agência reafirmara a nota do Brasil, “os riscos de rebaixamento aumentaram”. E afirmou que o rating brasileiro já estaria no grau especulativo se os analistas da S& P não acreditassem que o governo tem condições de promover uma “virada” na economia para um crescimento sustentável. A agência espera que o PIB recue 2% este ano, fique estagnado em 2016 e tenha uma leve recuperação em 2017.

— Reconsideramos a perspectiva dos ratings do Brasil de modo a refletir nossa avaliação de que a probabilidade de a correção de política sofrer novo deslize seja maior que uma entre três, dado o contexto das dinâmicas políticas e de que o retorno a uma trajetória de crescimento mais firme será um processo mais longo que o esperado — disse Lisa.

Para a agência, uma falha no avanço do ajuste fiscal poderia resultar em uma deterioração ainda maior no perfil financeiro do Brasil e prejudicar a confiança no país. “Os ratings poderiam se estabilizar se o atual elevado nível de incerteza política diminuísse.”

O grau de investimento é importante porque indica aos investidores, principalmente estrangeiros, qual o nível de confiança para se investir em um país. Quando esse selo é perdido, o fluxo de recursos para um país tende a ficar menor, o que pressiona o câmbio. Carlos Braga, professor de Economia Política Internacional da escola de negócios suíça IMD e ex- vice- presidente do Banco Mundial, ressalta que, para o Brasil não perder o grau de investimento, será necessário mostrar vontade política:

— Há uma série de medidas que precisam ser tomadas, mas elas requerem vontade política. É possível aprovar o que é necessário? Em teoria, sim, mas na prática depende muito do jogo político.

Para Caio Megale, economista do Itaú Unibanco, mesmo se a S& P— e posteriormente, Moody’s e Fitch — rebaixar a nota do Brasil, não deve haver uma fuga repentina de investidores internacionais, pois o mercado tende a se reposicionar antes das decisões sobre ratings. Ele destaca que, embora muitos fundos sejam proibidos de aplicar em países sem grau de investimento, outros são especializados em emergentes, de maior risco:

— Se o governo for capaz de entregar as metas fiscais, já vai sinalizar uma mudança de postura. O mais provável hoje é que o país continue com grau de investimento, porque há condições para que isso aconteça.

RISCO PARA O ANO QUE VEM

Já Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas ( FGV) e ex- presidente do Banco Central ( BC), considera que manter o grau de investimento é praticamente uma missão impossível:

— O que o Brasil precisa fazer é garantir um superávit primário, de modesto 0,15% do PIB. Mas há chances de se transformar em déficit. Há ainda o obstáculo político, a dificuldade em aprovar medidas fundamentais para o ajuste fiscal, e o governo ainda tem de enfrentar contrarreformas, como o fim do fator previdenciário.

A S& P justificou sua decisão citando a desaceleração da atividade econômica e a dinâmica política no Congresso, além das investigações da Operação Lava- Jato. A agência elogiou o ajuste fiscal e a atuação do BC para conter a alta da inflação. Mas observa que o baixo nível de investimento mostra a necessidade de mais reformas para melhorar a competitividade do país.

Na Fitch e na Moody’s, a nota do Brasil ainda está dois degraus acima do nível especulativo, mas ambas com perspectiva negativa.

— Teremos provavelmente as três agências no gatilho para tirar o grau de investimento do país no ano que vem. Para isso não acontecer, vamos precisar ajustes na condução da política econômica — afirma o economista Sergio Vale, da consultoria MB Associados.