Lente bifocal

Há elogios na má notícia enviada ontem pela Standard & Poor’s. Segundo a agência de risco, o Brasil tem um quadro institucional melhor do que o de outros países emergentes, e isso tem ajudado a manter o grau de investimento. Os analistas da agência também acham que as instituições do país demonstram ter compromisso com políticas que mantêm a estabilidade econômica.

AS& P registra que houve uma mudança para melhor na política econômica neste segundo mandato. Mesmo assim, desde ontem o Brasil está na antessala do rebaixamento da qualificação do risco de crédito. A primeira agência a elevar o Brasil, em 2008, é a que está mais próxima de tirar do país o grau de investimento.

A notícia é ruim, mas a bolsa subiu levemente, puxada pelas ações que mais sofreram nos últimos meses, como Petrobras, Braskem e Vale. O dólar, que estava subindo, cedeu um pouco. Mais uma vez, uma das explicações é que o mercado cai na expectativa da má notícia e sobe quando ela se confirma. Álvaro Bandeira, do Banco Modal, conta que a bolsa caiu 6,5% este mês e 14% em 12 meses, pondo no preço exatamente o que está acontecendo. O pregão caiu sete dias seguidos, antes da pequena alta de ontem. O próximo movimento também já está no preço, na visão de Bandeira, que é o rebaixamento pela Moody’s. Daí para diante, dependerá da execução da política fiscal.

O país conseguiu em 2008 esse selo de bom pagador, mas foi o final de um trabalho de ordenamento das contas públicas que havia começado bem antes, quando renegociou a dívida externa, estabilizou a economia e aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Foi a colheita, após anos lavrando o campo. Quando a agência coloca em perspectiva negativa, é uma espécie de aviso prévio de que qualquer movimento que fizer será para baixo. O que ficou claro ontem é que o Brasil está a um passo de perder o selo tão duramente conquistado.

Os analistas da S& P alertam que desde que avaliaram o Brasil em março — época em que mantiveram a perspectiva neutra — houve uma piora na capacidade de executar a política fiscal, segundo eles. Quem vai contestar? O Congresso aprovou uma série de políticas que representam aumento de gastos a curto e médio prazos, e o governo acaba de anunciar uma redução da meta. Em março, foi a capacidade de persuasão da equipe econômica que impediu o rebaixamento. Foi prometido que o governo perseguiria o ajuste fiscal. As medidas acabaram sendo alteradas no Congresso.

Um integrante da equipe econômica fez uma lista dos esforços do governo para pôr as contas em dia: a TJLP subiu, reduzindo o subsídio financeiro dos empréstimos do BNDES, foi encerrada a transferência de recursos do Tesouro para o BNDES, foram elevados os juros do Plano Safra e Pronaf, acabaram os aportes do Tesouro na Conta de Desenvolvimento Energético, a Cide voltou a ser cobrada, foram reduzidos gastos com Minha Casa, Minha Vida e Fies.

Nada disso melhorou o clima em relação à economia brasileira porque, segundo a agência, os riscos no Brasil estão tanto no front político quanto econômico. As investigações estão gerando, segundo a S& P, aumento da incerteza. Ao mesmo tempo, essas investigações feitas de forma independente são “o testemunho da estrutura institucional brasileira, que se contrasta com aquelas de muitos outros mercados emergentes”.

Temos o mais importante: instituições fortes e independentes, de acordo com essa análise, mas há uma série de más notícias. Piorou muito rapidamente a perspectiva do país, em apenas cinco meses. A previsão da agência é de queda maior do PIB este ano, de 2%, nenhum crescimento no ano que vem, e alta do PIB apenas em 2017. E esse ritmo menor está afetando o quadro fiscal do Brasil.

Eles acham que a dívida líquida do Brasil vai crescer de 47% para 53% este ano e 58% do PIB no ano que vem. Excluem da dívida bruta apenas os ativos líquidos, ou seja, as reservas. O governo brasileiro faz uma conta diferente porque abate também os empréstimos de quase R$ 500 bilhões concedidos ao BNDES. A dívida bruta, que não desconta nem as reservas, está em 64% do PIB.

A notícia é ruim, mas veio com o elogio às instituições democráticas brasileiras. E isso é constatação, e não prêmio de consolação.