Título: Após 42 anos de ditadura, eles saboreiam a esperança
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 26/08/2011, Mundo, p. 14

Felicidade, orgulho, liberdade, esperança. O perfume da Primavera Árabe trouxe aos líbios a chance de iniciar nova vida e de experimentar sensações tolhidas por uma ditadura brutal, que durou quatro décadas. Em entrevista ao Correio, pela internet ou por telefone, alguns deles revelaram suas expectativas para o futuro sem Muamar Kadafi. "Queremos apenas democracia e amor. Veremos 100% de mudanças", aposta o engenheiro químico Muftah Shwigi, de 42 anos, que mora em Ajdabyia ¿ 160km ao sul de Benghazi, o bastião da resistência.

Ele acredita que a Líbia sofrerá nos próximos anos, mas permanecerá de pé. "Kadafi foi o pior homem que já vi. Ele dizia que a autoridade estava nas mãos do povo, mas, de fato, ele a concentrava em suas mãos", acrescenta. Muftah espera que o governante praticamente deposto seja capturado vivo e levado ao tribunal.

Natural de Benghazi, o médico nefrologista Hassan Mustafa, de 44 anos, não esconde a alegria com a derrocada do regime. "Para mim, a queda de Kadafi é uma grande vitória. Ele destruiu a Líbia e os líbios. É um psicopata delirante", critica. "Como líbio, eu já me sinto livre e orgulhoso por ter deposto esse ditador louco e, agora, quero que ele encare a Justiça." Hassan lamenta que a longa autocracia de Kadafi tenha deixado cicatrizes profundas na sociedade. "Nós começaremos do zero, pois ele arruinou todo tipo de vida política. A burocracia engoliu a transparência, e Kadafi fez da Líbia ele próprio. Não há Constituição, nem parlamento, partidos ou sociedade civil", comenta. Para o médico, a revolução no país vai encorajar os povos que buscam a liberdade a derrubarem outras ditaduras. "Isso vai inspirar a Primavera Árabe ainda mais", aposta.

Calma Em Zwara, 120km a oeste de Trípoli e próximo à fronteira da Tunísia, Ismael Fantazi celebrava os novos tempos. "No futuro, as coisas serão mais calmas", disse à reportagem, por telefone. "Haverá calma. Teremos um novo regime e ele contará com nosso apoio", prevê. Moradora da capital, a estudante Maysam Shebani, de 22 anos, enumera tudo o que espera do país: "Liberdade, boa educação, uma vida melhor, um cuidado à saúde mais eficiente e um futuro brilhante". O caos e a insegurança em Trípoli não a incomodam. Questionada se está com medo, Maysam responde que está "feliz" e "animada". Ela pensa ao especular sobre o destino de Kadafi. "Eu acho que ele morrerá. Ele não pode fugir para sempre, mas ainda espero que possam pegá-lo vivo e puni-lo pelo que fez a nós", disse, sem esconder a preferência por um julgamento realizado pela Corte líbia. "Kadafi queria que o povo sofresse, queria que todo o dinheiro ficasse com ele e sua família", emenda Maysam.