Desvio segue mesmo modelo da Petrobras

 

Acusado de receber propina de construtoras relacionadas às obras da usina nuclear de Angra 3, entre 2009 e 2014, o presidente licenciado da Eletronuclear, Othon Luiz Pacheco da Silva, foi preso ontem em meio a um desdobramento da Operação Lava- Jato que descobriu um esquema de corrupção similar ao investigado até agora na Petrobras: empreiteiras disfarçam o pagamento de propinas a executivos da estatal para fraudar licitações e contratos por meio de intermediários, como empresas de fachada.

O foco da 16 ª fase da Lava- Jato foi a suspeita de associação entre sete empresas que venceram contratos de aproximadamente R$ 3 bilhões para parte das obras da usina Angra 3, terceira unidade da Eletronuclear em construção no litoral sul do Rio de Janeiro. O ex- presidente da Camargo Corrêa Dalton Avancini, que se tornou delator da Lava- Jato, disse que 1% dos contratos virava propina para o PMDB, que indica gestores na Eletronuclear e em outras subsidiárias da Eletrobras.

Segundo a Polícia Federal, Othon recebeu, em cinco anos, recursos de várias empreiteiras por meio da empresa Aratec Engenharia Consultoria & Representações. Othon foi sócio dessa empresa entre 2000 e fevereiro deste ano. Hoje, as sócias são duas filhas dele: Ana Cristina da Silva Toniolo e Ana Luiza Barbosa da Silva Bolognani. Do total recebido pela Aratec, a PF diz que pelo menos R$ 4,5 milhões eram propinas de Andrade Gutierrez e Engevix, que fecharam contratos com a Eletronuclear no período.

A Engevix recebeu, entre 2011 a 2013, R$ 122,9 milhões. A Andrade Gutierrez teve um aditivo de R$ 1,2 bilhão em 2009. Também foi preso ontem Flávio Barra, executivo da Andrade Gutierrez apontado como participante das reuniões do cartel. O juiz Sérgio Moro decretou, ainda, o bloqueio de até R$ 60 milhões de contas de Othon, Barra e Aratec.

Segundo a investigação, as empreiteiras depositavam em contas de empresas de fachada, que repassavam o dinheiro à Aratec. A Aratec só teve um funcionário, entre 2013 e 2014. O GLOBO visitou o endereço apontado como sede da empresa, em Alphaville ( Barueri- SP). Não havia ninguém. Othon deve ficar preso 5 dias em Curitiba. Engevix e Andrade Gutierrez informaram que colaboram com a apuração.

 

Vaccari visitou 53 vezes executivos de empreiteira

João Vaccari Neto, ex- tesoureiro do PT, visitou executivos da Andrade Gutierrez em São Paulo 53 vezes entre 2007 e 2014, segundo o MPF. Embora não revelem detalhes do que foi discutido nas reuniões, os procuradores dizem que Vaccari foi apontado por delatores Lava- Jato como “operador financeiro que articulava recebimento de vantagens indevidas para o Partido dos Trabalhadores”.

Preso ontem, o executivo Flávio David Barra recebeu Vaccari 20 vezes entre 2 de julho de 2012 e 7 de abril de 2014. Já o presidente da companhia, Otávio Azevedo, teve 27 encontros com Vaccari na sede da empresa entre 13 de novembro de 2007 e 7 de julho de 2014, quando as investigações da corrupção na Petrobras já haviam começado. Outros 6 encontros foram com pessoas identificadas apenas como “Flavio” e “Flavio Machado”.

O MPF usou essa informação para justificar um pedido de prisão preventiva contra Otávio e Flávio Barra em 22 de julho — o que só foi revelado ontem.

O procurador Athayde Costa disse que o esquema de corrupção envolvendo empreiteiras, funcionários públicos e partidos, por meio de fraudes na Petrobras, está “espalhado por vários órgãos”. Ao apresentar a 16ª fase da Lava- Jato, Athayde comparou a corrupção a um câncer:

— Mais uma vez vimos que a corrupção é endêmica e os indicativos são de que ela está espalhada por vários órgãos e em metástase.

A 16 ª fase começou na delação de Dalton Avancini, ex- executivo da Camargo Corrêa. Em março, ele declarou que “havia um acordo de que o edital ( de Angra 3) seria direcionado no sentido de que tais empresas fossem vencedoras”. Segundo ele, em reunião na UTC “foi comentado que havia certos compromissos do pagamento de propinas ao PMDB no montante de 1%e a dirigentes da Eletronuclear”.

 

Odebrecht se recusa a dar acesso à PF a seus sistemas

O departamento jurídico da Odebrecht se recusou a dar acesso aos servidores da empresa para agentes federais que estiveram no prédio da empreiteira em Botafogo, na Zona Sul do Rio, ontem de manhã. Os policiais foram à companhia apreender arquivos eletrônicos e e- mails relacionados ao diretorsuperintendente da Odebrecht Infraestrutura, Fabio Gandolfo. Ele é apontado pelos investigadores como o representante da Odebrecht nas reuniões do cartel que discutiu a divisão das obras de Angra 3.

Ao se negarem a dar acesso aos servidores, os advogados da Odebrecht disseram aos policiais federais que os emails da empresa ficam armazenados no exterior e, portanto, não seriam abrangidos pela ordem de busca e apreensão.

Em despacho emitido ontem mesmo, o juiz Sérgio Moro escreveu que “não cabe aos empregados da Odebrecht, quer advogados ou não, se oporem ao cumprimento do mandado de busca.” Ele determinou que os agentes federais façam a busca e, caso necessário, utilizem “de força e prisão daqueles que se opuserem ao cumprimento da ordem judicial”. O magistrado disse, ainda, que o comportamento dos advogados “indica possibilidade de destruição de prova”.

Moro voltou a mencionar anotações encontradas no celular do presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, que citam a expressão “higienização de apetrechos”, como um indicativo de tentativas de interferência nas provas. Ele determinou que, para rastrear eventuais tentativas de esconder arquivos, fossem realizadas buscas em todas as movimentações na conta de e- mails de Gandolfo.

Em nota, a Construtora Norberto Odebrecht informou que “não houve obstrução ao trabalho da Polícia Federal e que cumpriu estritamente os termos do mandado judicial”.