HPV, o vírus que dá câncer

Cristiana Andrade
 29/07/2015 

Cresce a disseminação do papilomavírus humano, transmitido via prática sexual e ligado a tumores como o de cabeça e pescoço. A doença acomete em média 5% dos infectados.


Belo Horizonte — Um vírus transmissível que pode causar câncer. Silencioso, o papilomavírus humano (HPV) tem a sua disseminação aumentada em todo o mundo. É transmitido, na maioria dos casos, via prática sexual; entre elas, o sexo oral. Um dado alarmante dá a ideia da gravidade da transmissão do patógeno: 90% das pessoas no planeta já tiveram algum contato com ele. “Desse universo, 95% se livram da ameaça naturalmente e 5% desenvolvem algum tipo de câncer”, alerta o diretor de Pesquisa da Divisão de Oncologia Ginecológica da Universidade da Califórnia, Krishnansu Tewari, pesquisador-chefe do Grupo de Oncologia Ginecológica nos Estados Unidos, em um evento para especialistas na área, neste mês, na Colômbia.

Antes mais comuns em homens com mais de 50 anos que fumavam e bebiam muito, os tumores de boca, faringe, laringe e amígdala, genericamente chamados de tumores de cabeça e pescoço, estão aparecendo em pessoas mais jovens, entre 30 e 45 anos, que não fumam e não bebem ou bebem pouco. Estudos do A. C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, indicam que, se há 10 anos o HPV respondia por 25% dos casos de câncer de amígdala, um dos mais frequentes nessa região, agora está associado a 80% desses tumores. Segundo especialistas, o fato de o HPV estar sendo associado a tumores nessa região do corpo se deve possivelmente ao mesmo motivo: práticas sexuais sem proteção e com muitos parceiros.

O tamanho da importância do câncer de cabeça e pescoço, pouco divulgado ainda, é revelado pela estimativa do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), que prevê 19 mil casos da doença para este ano. Na maioria das vezes, o tumor surge em pessoas que consomem álcool e tabaco em excesso. A desinformação também é um grave fator de risco. Tanto que 70% dos cânceres são diagnosticados em fases avançadas, o que dificulta a chance de cura. “Isso provavelmente ocorre devido ao preconceito que circula em torno de haver relação com uma doença sexualmente transmissível, o HPV”, alerta o médico Rodrigo Melo, cirurgião oncológico do Cetus Hospital Dia.

Segundo Melo, a prática de sexo oral é uma das formas de transmissão do HPV, porém, para preveni-lo, deve-se usar o preservativo, fazer uso de vacina — no Brasil, a rede pública imuniza meninas de 9 a 13 anos —, evitar múltiplos parceiros e fazer exames preventivos com um ginecologista e um urologista. “Poucas pessoas usam preservativos para o sexo oral. O ideal é que ambos os sexos evitem múltiplos parceiros e, dependendo da situação, no caso de parceiros não estáveis, é recomendável evitar o sexo oral.”

Tabagismo
De acordo com o oncologista, dados do Ministério da Saúde indicam que o número de fumantes no Brasil caiu para 14,7% em 2014. Esse índice era de 18,5% em 2008, conforme a Pesquisa Especial de Tabagismo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou seja, houve uma queda de 20,5%. “Ainda assim, o tabaco é responsável por 90% dos casos de câncer de pulmão e o grande culpado por 30% da ocorrência de cânceres de boca, laringe, faringe, esôfago, estômago, pâncreas, fígado, rim, bexiga, colo de útero e leucemia”, pondera.

O especialista também alerta para o fato de o álcool apresentar grande risco à saúde das pessoas. “Ele deveria estar entre os programas governamentais para ter o consumo inibido. Além de ser fator de risco de diversas doenças, é um problema social e grande potencializador dos efeitos carcinogênicos do tabaco”, acrescenta.

Avanço silencioso
Nem todos os tipos de HPV — existem mais de 100 — levam ao câncer de cabeça e pescoço, sendo os de maior risco os tipos 16 e 18, igualmente descritos na literatura médica como os mais nocivos para os casos de tumores no colo de útero. O progresso da doença, porém, pode ser lento. Segundo Rodrigo Melo, o HPV genital feminino pode levar mais de 10 anos para apresentar sintomas.

“Já os sinais de tumores da orofaringe são variados e nem sempre levados a sério. Às vezes, são difíceis de serem vistos, mas causam mau hálito, dificuldade para deglutir, dor, rouquidão. Se ocorrer na cavidade oral, pode ser um machucado que não melhora ou até mesmo uma lesão elevada, friável e sangrante ao toque. Outros sinais são nódulos no pescoço e até mesmo dor no ouvido”, detalha o oncologista, que alerta que o exame físico é o maior aliado para a descoberta precoce de um tumor de cabeça e pescoço — às vezes, identificado pelo próprio paciente ou em consulta de rotina com o dentista.

Para Luiz Flávio Coutinho, do Oncocentro Minas Gerais, apesar de o câncer de cabeça e pescoço estar aumentando nas estatísticas nacionais, a boa notícia é que ele pode ser evitado adotando medidas saudáveis na rotina. “Evitar bebidas alcoólicas; parar de fumar; manter uma boa alimentação, rica principalmente em alimentos naturais como frutas, verduras e legumes; beber muita água; dormir bem; fazer atividades físicas diárias; ter momentos de lazer com a família e os amigos; retirar o excesso de sal e de açúcar da alimentação e buscar viver com otimismo são fatores fundamentais para aumentar a expectativa de vida e a saúde integral das pessoas, prevenindo muitas doenças, inclusive o câncer”, lista o oncologista.

Alerta total

– Há uma década, o HPV respondia por 25% dos casos de câncer de amígdala; agora, está associado a 80% desses tumores

– 19 mil casos novos de câncer de cabeça e pescoço estão previstos para este ano, no Brasil

– 70% dos tumores são diagnosticados em fases avançadas
Falhas na prevenção
Publicação: 29/07/2015 04:00
A disseminação do papilomavírus humano (HPV) também tem contribuído para o crescimento do número de câncer de colo do útero. No Brasil, são 15 mil mulheres com o tumor anualmente e 5 mil mortes decorrentes desse tipo de câncer, de acordo com o Ministério da Saúde. Uma das grandes dificuldades para frear a transmissão do patógeno, segundo especialistas, é o fato de os homens serem um dos principais transmissores e as campanhas de prevenção estarem destinadas quase que totalmente ao público feminino.

De acordo com o coordenador-geral do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis da Sociedade Brasileira de Urologia, Sylvio Quadros, o exame masculino que poderia detectar a presença do HPV é a genitoscopia, indicado só quando há lesões no pênis. Como é alta a incidência de falso positivo e falso negativo, indica-se o teste somente em casos pontuais. “Além disso, precisa-se levar em conta que o pênis tem um epitélio resistente. Então, mesmo quando o homem tem HPV e a manifestação em forma de verruga, apenas entre 5% e 6% dos casos evoluem para o câncer de pênis. No caso da mulher, não. O colo do útero tem células mais predispostas a transformar o vírus”, compara.

Elas são submetidas geralmente ao papanicolau, mas há novas técnicas de detecção do HPV, como o teste de DNA, indicado para mulheres com 21 a 65 anos e que mantêm relações sexuais frequentes.

“Pode ser feito a cada três anos, associado à citologia. Mas indicamos que ocorra antes, pois pode, de cara, indicar a severidade do problema”, defendeu Krishnansu Tewari, pesquisador-chefe do Grupo de Oncologia Ginecológica nos Estados Unidos, durante um encontro para especialistas, neste mês, na Colômbia, promovida pela Roche.

No Brasil, só o setor privado oferece o teste, que custa entre R$ 300 e R$ 500. É feito de forma semelhante e concomitantemente ao papanicolau: com uma espátula, o médico colhe amostra do colo do útero e um aparelho analisa o DNA do tecido. Segundo Lenio Alvarenga, diretor-médico da Divisão Farmacêutica da Roche Brasil, estudo realizado com mais de 47 mil mulheres nos EUA constatou que uma em cada 10 pacientes que apresentaram resultado positivo para o teste de HPV 16/18 (os cancerígenos) tinha pré-câncer de colo de útero.

“Embora o papanicolau estivesse dentro da normalidade”, completa. “O exame pode substituir o papanicolau com segurança, além de ter maior sensibilidade para detectar as lesões”, defende. Sérgio Triginelli, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que o papanicolau pode realmente ter até 25% de falsos negativos devido a vários fatores, entre eles, a forma como é colhido e a conservação até chegar ao laboratório. “Mas, como rastreamento geral da população, ainda é o mais viável.”