O drama das mortes nas masmorras juvenis

27/07/2015

MARCELLA FERNANDES 

A cada mês 2,4 menores infratores perdem a vida nas unidades de internação do país. Segundo especialistas, as principais causas dos óbitos são a falta de estrutura e o desrespeito às regras do Estatuto da Criança e do Adolescente. 

 

Condições precárias nas unidades de internação destinadas a adolescentes fazem com que mortes como a do jovem Gleison Vieira da Silva, de 17 anos, no último dia 18, no Piauí, não sejam exceção. O levantamento mais recente da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) mostra que, em todo o país, 29 internos com idade entre 12 e 21 anos morreram em 2013, o equivalente a 2,4 óbitos por mês. Naquele ano havia 23.066 adolescentes em restrição de liberdade. O número é inferior ao do sistema prisional, em que foram registradas 8,6 mortes mensais no primeiro semestre de 2013. O Ministério da Justiça desconhece o total de óbitos no ano inteiro devido a uma mudança de metodologia adotada pela pasta. Em 2013, a população carcerária era de 574.027 detentos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a separação de menores infratores de acordo com idade, compleição física, gravidade da infração e entre provisórios e definitivos.

A exigência, contudo, é frequentemente desrespeitada e se configura como uma das principais razões para os episódios de violência. No caso dos menores, o motivo mais recorrente de morte é conflito interpessoal (37%), seguido por conflito generalizado (30%) e suicídio (17%). Apenas 7% das ocorrências são de morte natural. Os óbitos foram registrados em 16 unidades da Federação, sendo Pernambuco e Minas Gerais os estados com maior número (4 em cada). Eles tem, respectivamente, a segunda e terceira maior população de internos. Proporcionalmente, o Rio Grande do Norte registrou mais ocorrências. No Piauí, a última morte no Sistema Socioeducativo foi em 2008, segundo a Secretaria da Assistência Social e Cidadania (Sasc). O órgão abriu sindicância para apurar a responsabilidade da agressão de Gleidson.

Ele dividia a cela com outros três adolescentes entre 15 e 17 anos, envolvidos nos mesmos crimes, e que confessaram a agressão contra o rapaz. Os quatro foram condenados em 9 de julho por homicídio, três tentativas de homicídio e quatro estupros. A defesa apelou da decisão. De acordo com o promotor Cesário Cavalcante, responsável pelo processo, o jovem morto sofria ameaças desde junho, quando manteve a confissão dos crimes, enquanto os colegas mudaram de versão. “Todos os quatro confessaram perante o delegado.

Quando passaram para a audiência com a Justiça, o Gleidson continuou mantendo a versão dele, mas os outros menores mudaram” afirmou. Irregularidades Relatório do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) constatou que, em 2013, 82,2% das 314 unidades de internação não separavam os menores por tipo de infração. Também não havia separação por idade em 75,2%, nem por compleição física em 65,3% e, entre internos definitivos e provisórios, em 54,1%. Naquele ano, foi constatada taxa de superlotação de 115,9% e 38,5% das unidades foram consideradas insalubres. Para especialistas, esse cenário se reflete nos atos de violência, incluindo homicídios. “Devido à superlotação e à ausência de estrutura é muito reduzido o número de entidades que separa os adolescentes por tipo de delito, compleição física, idade.

Por essa razão, é comum a ocorrência de casos como a do garoto do Piauí, que jamais poderia estar compartilhando o mesmo espaço com os demais coautores do crime, já que tinha sido o delator”, afirma Enid Rocha, cientista social e uma das autoras do estudo O Adolescente em Conflito com a Lei e o Debate sobre a Redução da Maioridade Penal, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para a professora de direito da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Karyna Sposato é preciso melhor entendimento das leis que regulamentam o Sinase, a fim de garantir serviços condizentes com a infância e juventude. “Quando o atendimento socioeducativo se aproxima e se torna parecido com uma penitenciária é quando ele se precariza. As situações mais preocupantes, inclusive de mortes no interior de unidades socioeducativas tendem a ocorrer quando o atendimento socioeducativo não se distingue do que seria uma prisão de adultos”, defende. “As situações mais preocupantes (...) tendem a ocorrer quando o atendimento socioeducativo não se distingue do que seria uma prisão de adultos” Karyna Sposato, professora de direito da Universidade Federal de Sergipe (UFS).