Procurador da Lava- Jato, Deltan Dallagnol disse que a operação trata um tumor, mas que a corrupção é cancerígena. “Quem rouba milhões mata milhões”, disse a religiosos, no Rio. Àfrente da força- tarefa da Operação Lava- Jato, que já coleciona condenações em casos de corrupção, o procurador Deltan Dallagnol criticou ontem a morosidade da Justiça no julgamento de atos de corrupção. Em visita ao Rio, ele deu uma palestra para um grupo de religiosos e membros de organizações não governamentais ( ONGs) num seminário teológico da Igreja Batista, na Tijuca, e afirmou que a punição de crimes de corrupção no país é “uma piada de mau gosto”.
FOTOS DE FÁBIO SEIXOProfissão de fé. O procurador federal Deltan Dallagnol apresentou detalhes da Operação Lava- Jato num seminário da Igreja Batista, no Rio: a investigação, disse, não vai salvar o paísA uma plateia de pastores batistas e representantes de organizações sociais, o procurador tentou afastar a ideia de que a Lava- Jato significa a redenção do país em relação à corrupção, mas em alguns momentos recorreu a um tom messiânico para buscar apoio para o projeto “10 medidas contra a corrupção”, iniciativa do Ministério Público Federal ( MPF) que precisa de 1,5 milhão de assinaturas para chegar ao Congresso nos moldes da Lei da Ficha Limpa. A meta, segundo ele, é ter pelos menos 500 mil endossos até o próximo dia 2 de setembro. Entre as propostas, estão o aumento da pena mínima de dois para quatro anos de prisão e a tipificação de corrupção como crime hediondo.
— A pena de corrupção varia de dois a 12 anos de prisão. Parece uma pena alta. Mas a dosimetria de penas no Brasil, tradicionalmente, faz com que fique perto da pena mínima. É uma pena que não ultrapassa quatro anos e é executada em regime aberto — disse Dallagnol, acrescentando que falta fiscalização sobre o cumprimento das regras da progressão de penas, transformando as penas em uma punição inócua. — Uma piada, e uma piada de mau gosto.
O procurador usou imagens fortes para tentar traduzir os efeitos nocivos da corrupção no cotidiano da população. Disse que a “corrupção mata mais do que homicídios” porque desvia recursos da Saúde e da Educação, repetindo analogia que havia feito na semana passada ao apresentar denúncia contra executivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez. Ele citou dados da ONU de que, por ano, o Brasil perde R$ 200 bilhões com a corrupção:
— Quem rouba milhões mata milhões — ressaltou.
Durante a apresentação, o procurador foi didático ao explicar a Lava- Jato. Evangélico também da denominação Batista, ele exaltou o papel das instituições religiosas e da população em apoiar medidas de endurecimento como as propostas pelo MPF.
— Em razão da minha cosmovisão cristã, eu acredito que nós temos uma janela de oportunidade, que Deus está abrindo para mudanças. Se a igreja luta por isso, Deus está respondendo — afirmou.
O procurador também pediu orações “para mudar o sistema”:
— Se nós queremos mudar o sistema, nós precisamos continuar orando e assumir uma posição clara contra a corrupção, mas também precisamos propor e apoiar medidas e projetos que contribuam nesse sentido.
Em sua fala, ele voltou a defender o uso da delação premiada nas investigações da Lava- Jato, que apura desvios de contratos superfaturados da Petrobras. Em determinado momento, provocou os presentes perguntando quem ali acreditava que a Lava- Jato “mudaria o país”.
— Tenho uma resposta para vocês: a Lava- Jato não mudará o país — afirmou. — A corrupção é um câncer. A Lava- Jato trata um tumor. Mas o nosso problema é que o sistema é cancerígeno.
No fim do evento, pastores ficaram de pé e fizeram uma oração ao lado de Dallagnol. Em entrevista ao GLOBO após o ato, o procurador negou que tenha feito uma “pregação” contra a corrupção:
— A gente traz a ideia e apresenta para a sociedade. Se a sociedade acha boa, adota. E cada tipo de entidade vai desenvolver sua própria meta.
Dallagnol também negou que a fala aos religiosos sobre o projeto de combate à corrupção tenha se dado por conta de suas crenças pessoais. E citou a Lei da Ficha Limpa, que, segundo ele, teve forte mobilização de grupos religiosos:
— Um líder de uma igreja tem a capacidade de multiplicar ideias. Você fala com uma pessoa e está falando com cem. Não é à toa que, na fase da Lei da Ficha Limpa, 90% das assinaturas foram colhidas por meio da Igreja — afirmou. — Sou procurador da República, mas quem você é extrapola para o teu modo de agir. Quem é Deltan, uma pessoa com princípios e valores cristãos, que busca obediência a princípios da Bíblia, é uma coisa que acaba se transmitindo para o que eu faço.
O procurador diz que sua personalidade influencia seu trabalho, mas que tem o cuidado de não deixar que isso resulte em discriminação por sua parte ou ameace seu profissionalismo.
— Mas, se eu vou conversar com um público que tem uma mesma fé, os mesmos princípios, eu trago esses valores para a conversa — ressaltou.
Durante a palestra, Dallagnol evitou comentar o andamento das investigações, mas reafirmou que as escutas telefônicas que teriam sido instaladas ilegalmente na cela do doleiro Alberto Youssef não teriam potencial de prejudicar os processos:
— Jamais apareceram quaisquer escutas e muito menos indicativos de influência delas nas investigações.
Os advogados da Odebrecht utilizaram a petição em que deveriam explicar à Justiça as anotações encontradas por investigadores no celular do empresário Marcelo Odebrecht para atacar o juiz Sérgio Moro, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Em uma referência ao juiz que conduz o processo contra a construtora, disseram que é “inútil falar para quem parece só fazer ouvidos de mercador”. Também compararam a divulgação de documentos da Operação Lava- Jato a um “reality show judiciário”.
Moro havia dado prazo para a defesa se pronunciar sobre as anotações de Marcelo Odebrecht até ontem. Policiais federais haviam visto indícios de que as anotações fazem menção a “parar as investigações”, além de alertar para um “risco Suíça”, que foi interpretado como uma referência a contas mantidas no país pela Odebrecht.
A advogada Dora Cavalcanti escreveu, na petição apresentada ontem à Justiça, que desde a prisão de Marcelo “teve início uma caça a uma centelha de provas que pudesse, enfim, legitimar uma segregação baseada no nada”. Ela critica o uso da teoria do domínio do fato por parte da força- tarefa da Lava- Jato. Marcelo foi denunciado na sexta- feira pelo MPF por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Disse a advogada: “Polícia e Ministério Público Federal deixaram a razoabilidade de lado”. Ainda sobre a PF, ela escreveu que em “seu afã de incriminar Marcelo a todo custo, não se deu ao trabalho de esclarecer anotações com seu autor. Houvesse tido a cautela que sua função exige, e a Polícia Federal teria evitado a barbaridade que, conscientemente ou não, acabou por cometer: levou a público segredos comerciais de alta sensibilidade em nada relacionados aos pretensos fatos sob apuração”. E prosseguiu: “Mais uma vez, transformou as peculiaridades do processo eletrônico em sua aliada na tática de atirar primeiro e perguntar depois.”
JUIZ PEDE LISTA DE REMESSAS AO EXTERIOR
Dora criticou o fato de que Moro decretou, na sexta- feira, nova prisão preventiva de Marcelo e outros executivos da Odebrecht utilizando, como fundamento, as anotações feitas no celular. Para ela, isso é motivo para não apresentar as explicações. Escreveu a advogada: “Escancarado, desse modo, que a busca da verdade não era nem de longe a finalidade da intimação, a defesa não tem motivos para esclarecer palavras cujo pretenso sentido Vossa Excelência já arbitrou.”
A advogada acusou a PF de “violar o sigilo da comunicação entre o preso e seus advogados”, no episódio em que Marcelo Odebrecht encaminhou bilhete aos advogados falando em “destruir e- mail sondas”.
Ontem, Sérgio Moro encaminhou ofício ao Banco Central solicitando informações sobre todas as transferências internacionais ou operações de câmbio, no período de 1 º de janeiro de 2003 a 31 de março de 2015, da Odebrecht para as nove empresas no exterior ( offshores) que teriam sido usadas pela construtora para repassar propinas no exterior. Os beneficiários são diretores e funcionários da Petrobras que são réus na Operação Lava- Jato. O período solicitado compreende exatamente o que vai da posse do presidente Lula até o primeiro trimestre deste ano.
O objetivo do pedido de Moro é descobrir se empresas do Grupo Odebrecht fizeram remessas para as contas investigadas no exterior ou se recorreram a terceiros para fazer os repasses apontados em denúncia do Ministério Público Federal.
A solicitação do juiz refere- se às empresas Smith & Nash Engineering, Arcadex e Golac, Rodira Holdings, Hanvisur, Sherkson, Klienfeld, Innovation e Constructora Del Sur. Duas pertencem diretamente à Odebrecht: Smith & Nash e a Hanvisur.
Moro também justificou ao Tribunal Regional Federal ( TRF- 4) a necessidade de o lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB no esquema, continuar preso. Lembrou que Soares usou a offshore Three Lions Energy para mandar US$ 800 mil para uma conta do ex- diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
O operador Mário Goes, dono da Rio Marine Óleo e Gás e da Mago Consultoria, preso sob acusação de ter repassado dinheiro de propina das construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez, pode ser o 19 º delator da Operação Lava- Jato. Ele está negociando com os procuradores para depor em troca de redução da pena. A investigação da PF mostrou que Goes recebeu de empreiteiras, entre 2003 e 2014, R$ 220 milhões.
O dinheiro, segundo os peritos, corresponde a pagamentos feitos por meio de contratos falsos de prestação de serviços de consultoria. Odebrecht e da Andrade Gutierrez, as duas maiores empreiteiras do país, pagaram a Goes R$ 6,4 milhões de 2004 a 2009.
A PF também identificou um pagamento de R$ 70 mil feito pelo operador em 2007 a Pedro Barusco, ex- gerente da estatal. A maioria dos pagamentos das empresas de Goes era em dinheiro, na boca do caixa. No total, R$ 70 milhões saíram dessa forma. Boa parte dos saques foi em valores pequenos, para escapar do controle do Banco Central.
Barusco, que também é um dos delatores, afirmou ter retirado propina em dinheiro vivo na casa de Goes, no Rio, e em mochilas com valores que variavam de R$ 300 mil a R$ 500 mil em cada uma. O dinheiro era repartido semanalmente entre Barusco e Renato Duque. Goes usava uma conta chamada Maranelli para enviar dinheiro para Barusco e Duque na Suíça.
Na última sexta- feira, o MPF informou que está negociando em sigilo seis novos acordos de delação premiada na Lava- Jato. Contra Goes pesa a acusação de que ele conhecia todo o esquema de corrupção da Odebrecht.
Os advogados de Goes têm dito que o operador tem problemas de saúde para tentar tirálo da prisão. Goes já chorou duas vezes ao prestar depoimentos ao juiz Sérgio Moro.