Um condutor superelástico

29/07/2015

ROBERTA MACHADO

Pesquisadores da Universidade do Texas e da Unicamp criam fio elétrico, feito de borracha e nanotubos de carbono, que pode aumentar até 14 vezes o comprimento e sofrer deformações sem perder propriedades. Material poderá ser usado em sistema de produção de energia, na medicina e na robótica.


Uma nova tecnologia, desenvolvida com a participação de pesquisadores brasileiros, permite a fabricação de fios elétricos que podem ser esticados e alcançar até 14 vezes o próprio comprimento. A fibra condutora continua funcionando mesmo quando é retorcida ou dobrada, e mantém sua eficiência depois de ser deformada milhões de vezes. O fio superelástico, descrito na última edição da revista Science, pode ser usado em dispositivos, como telas flexíveis, implantes e até mesmo roupas inteligentes, e já está pronto para ser fabricado.

Concebido por pesquisadores da Universidade do Texas, o fio é formado por um núcleo de borracha coberto por nanotubos de carbono, um material ultraleve com propriedades excepcionais (veja arte). Os nanotubos são aplicados sobre a borracha totalmente esticada, que é, então, liberada e retoma seu comprimento original. O processo faz com que os cilindros se agrupem em vincos, como as de uma sanfona. Como os nanotubos são orientados de acordo com a direção da fibra elástica, o fenômeno acontece naturalmente, sendo completamente reversível. Isso permite que o material seja dobrado e esticado, sempre voltando à sua forma enrugada.

"Essa estrutura é completamente reversível. Testamos milhares de vezes e ela não perde qualquer tipo de desempenho”
Alírio Moura, doutorando da Unicamp

Cada uma das ondas formadas pelos nanotubos agrupados consiste em pregas menores, o que torna o sistema ainda mais dinâmico. Quando o fio é esticado, as dobras maiores de desfazem uma a uma, deixando as deformações pequenas para serem desfeitas quando o material é levado ao seu limite. “É extraordinário como um simples processo de fabricação resulta em uma fibra condutora revestida com uma estrutura e propriedades tão originais”, descreve Ray Baughman, diretor do NanoTech Institute na Universidade do Texas em Dallas e principal autor do trabalho.

Sem perdas

Outras experiências já haviam tentado combinar as propriedades de um material elástico com um condutor, mas essas pesquisas geralmente se limitavam à aplicação de nanofibras sobre uma superfície de borracha plana, e não sobre um núcleo cilíndrico. “Nós obtemos um fator de qualidade entre o alongamento e a mudança de resistência que é 75% maior do que qualquer trabalho anterior de condutores elásticos”, afirma Baughman.

Ao contrário dos componentes flexíveis feitos a partir do metal, a malha de nanotubos de carbono não quebra quando é forçada repetidamente. “Essa estrutura é completamente reversível. Testamos milhares de vezes e ela não perde qualquer tipo de desempenho. Justamente por causa dessa propriedade dos nanotubos, que são meio soltos. É um material formado de microfios que, quando você enruga, eles se dobram, e quando você puxa novamente eles voltam ao normal”, descreve Alírio Moura, estudante de doutorado da Unicamp que também assina a pesquisa. Alírio passou um ano nos Estados Unidos auxiliando a equipe norte-americana a traduzir os resultados dos experimentos práticos em um modelo teórico aprimorado.

Outro grande diferencial do material condutor é que ele mantém a sua resistência elétrica mesmo quando é deformado. Isso permite que ele seja usado na fabricação de dispositivos flexíveis, que não sofrem qualquer tipo de interferência ou corte de energia ao serem dobrados. A única mudança notada pelos pesquisadores quando esticaram o fio é que ele tem a condutividade multiplicada em até 200 vezes se for puxado até o seu limite, uma propriedade bastante útil para a fabricação de sensores eletrônicos.

A tecnologia foi testada em um marcapasso, que funcionou sem quaisquer complicações mesmo quando a equipe de pesquisadores torcia, dobrava e esticava o fio que fornecia a energia para o equipamento. A experiência comprovou que o cabo elástico seria ideal para a fabricação de implantes “à prova de erro” que resistam aos movimentos do paciente a longo prazo (a cirurgia de retirada de fios rompidos é comum em pacientes que usam o equipamento de estímulo cardíaco há muito tempo). Como são feitos de um material nanométrico, os elastômeros podem ser produzidos em dimensões muito pequenas, equivalentes a poucos fios de cabelo.

Adaptação

Os pesquisadores também adaptaram o método de fabricação para criar sensores e músculos artificiais feitos a partir da sobreposição dos materiais de propriedades complementares. “O fio se deforma como um músculo natural. Ele pode se alterar aplicando-se luz, aquecendo-o, aplicando voltagem. Ele responde a uma larga classe de fenômenos”, lista Douglas Soares Galvão, professor da Unicamp e um dos autores do trabalho. A instituição brasileira cultiva uma parceria de quase 20 anos com a universidade norte-americana, e tem participado desse projeto desde a sua concepção. “Esse material representa um avanço importante na área. Nenhum material que existe hoje se aproxima dele”, resume Galvão.

As futuras possibilidades para o cabo esticável ainda incluem circuitos eletrônicos superelásticos, sistemas de produção de energia com base nas ondas do oceano e tecidos condutores flexíveis. O grupo já entrou com um pedido de patente nos Estados Unidos e planeja oficializar a invenção em outros países em breve.

O trabalho pode causar impacto em diversas áreas de pesquisa, que variam da medicina à robótica. O próximo passo para os criadores da tecnologia é desenvolver um método automatizado de fabricação do fio condutor elástico, permitindo assim a sua produção em massa. De acordo com os usos que surgirem para o material híbrido, os pesquisadores também devem criar designs diferenciados do cabo flexível, otimizando o fio para cada aplicação.