A Venezuela e o Brasil

 

Sem perspectiva de solução, a crise política e econômica na Venezuela deveria preocupar o governo brasileiro pela possibilidade de um desenlace violento e caótico, com agudos efeitos sobre os países vizinhos e a região.

Durante 16 anos, o “socialismo bolivariano” interveio de forma crescente na economia, expropriou bens, controlou preços e câmbio, a corrupção se ampliou, a violência e a criminalidade aumentaram exponencialmente. A capacidade produtiva do pais está seriamente afetada, com exceção do setor de petróleo, apesar de crescentes problemas. A queda do preço do petróleo — que poderá se acentuar com o acordo com o Irã —eo crescente custo de produção reduziram a principal fonte de recursos do governo. Esse quadro se deteriorou ainda mais com Maduro, pela crescente escassez de alimentos, desvalorização da moeda, inflação galopante ( estimada em 189% em 2015) e crescimento negativo ( cerca de 7%).

Na área política, a situação não é menos dramática. O governo bolivariano controla totalmente o Legislativo e o Judiciário. A oposição está dividida e, de forma crescente, reprimida. Muitos de seus líderes estão presos e outros foram cassados sem julgamento. A corrupção e as alegações de narcotráfico com a participação de membros do governo aumentam, com militares e civis acusados de participar dessas atividades ilícitas. Segundo o “Wall Street Journal”, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdato Cabello, estaria sendo investigado pelas autoridades de Washington pelo envolvimento no tráfico de drogas. O regime venezuelano tem recorrido a apoios da China, da Rússia, do Irã e do Brasil para sobreviver. As fricções com a Guiana em torno de território contestado se agravam. Recentemente, por pressão da Unasul, inclusive do Brasil, houve um avanço concreto com a convocação para dezembro de eleições parlamentares. Os resultados dessa eleição poderão ser o estopim da crise mais grave.

O Brasil já sente as consequências da crise: o intercâmbio comercial está em queda em virtude das restrições cambiais e companhias brasileiras, inclusive as construtoras, não estão sendo pagas. No âmbito do Mercosul o governo do PT terá de se posicionar, se houver “ruptura da ordem política”, e aplicar a cláusula democrática, com a suspensão da Venezuela do Mercosul. Recentemente duas comissões de parlamentares brasileiros visitaram Caracas: uma, integrada por representantes da oposição, foi impedida de sair do aeroporto; outra, formada por representantes da base de apoio ao governo do PT, produziu um relatório dando conta da total normalidade da situação política e econômica no pais...

Nesse cenário, o governo brasileiro — que mantém, por afinidade ideológica, firme apoio ao socialismo bolivariano — deveria preparar- se para as possíveis implicações sobre nossos interesses. A crise, que parece se avizinha, terá de ser enfrentada levando em conta a defesa da democracia e dos direitos humanos. Mais cedo do que se espera, a política externa do governo do PT vai ser testada pelos acontecimentos na Venezuela.