Para procuradores, dono de empreiteira planejava fugir

 

Ao denunciar os dirigentes das maiores empreiteiras do país, Odebrecht e Andrade Gutierrez, o Ministério Público Federal sustenta que o cartel, as fraudes e a propina só foram possíveis no esquema de corrupção na Petrobras porque eram de conhecimento dos dois influentes presidentes: Marcelo Odebrecht, do Grupo Odebrecht, e Otávio Marques de Azevedo, da Andrade Gutierrez.

Os dois foram denunciados ontem pelos crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Foi contra Marcelo Odebrecht que o MPF acumulou indícios mais fartos. A surpresa é que muitos deles foram tirados de anotações pessoais do empresário, além de ligações telefônicas e mensagens de celular, que foram esmiuçadas. Para os procuradores, Marcelo tinha como plano B até mesmo uma fuga do país.

A conclusão foi tirada de uma anotação na qual surge a expressão “tática Noboa”. O MPF considerou evidente ser uma “referência ao caso de Gustavo Noboa”, ex-presidente do Equador que fugiu do país, em 2003, ao ser acusado de malversação de fundos na renegociação da dívida externa.

“Risco Swiss? E EUA?”, anotou Marcelo Odebrecht.

Os investigadores interpretaram como “risco de serem descobertas as contas bancárias na Suíça e nos EUA”, que acabaram encontradas.

“PRC/Suíça. PV?” seria alusão à conta mantida em favor de Paulo Roberto Costa (PRC) no Banco Pictet & Cie Banquiers, na Suíça. Segundo o MPF, de 17 contatos telefônicos entre Odebrecht e seu subordinado Rogério Araújo, quatro antecederam contatos do executivo com o operador Bernardo Freiburhaus, que movimentava as contas no exterior.

Os procuradores assinalam ainda como Odebrecht fazia agrados aos integrantes do esquema com uma relação de “brindes especiais”: pinturas valiosas de artistas como Alfredo Volpi e Cildo Meirelles. A lista de presenteados era formada “tão somente por funcionários do alto escalão da Petrobras”, entre eles vários réus da Lava-Jato.

Na avaliação do MPF, a Odebrecht é uma empresa familiar cuja gestão, “tanto lícita quanto ilícita”, concentra- se em membros da família.

Entre as provas contra Otávio Azevedo está o fato de ele ter sido apontado por dois delatores — Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef — como um dos responsáveis por negociar com o lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, a oferta de vantagens indevidas a integrantes do esquema.

Num dos depoimentos ao MPF, Youssef afirmou que o primeiro contato para recebimento de propina dos contratos da Petrobras foi feito diretamente com Azevedo. Segundo o MPF, Fernando Baiano só foi alçado ao posto de operador de propina pela proximidade com Azevedo. “O vínculo entre Otávio e Fernando Soares”, segundo eles, é a compra por Baiano de uma lancha do empresário, avaliada em R$ 1,5 milhão. Outro documento apresentado pela denúncia é uma planilha apreendida na casa de Costa, que indicava dois contatos na Andrade Gutierrez: o próprio Azevedo e Flávio Machado Filho, um dos executivos da empresa.

 

Da cela da PF ao antigo manicômio

 

Na última quartafeira, o delegado da Polícia Federal Igor Romário de Paula levou ao conhecimento do juiz Sérgio Moro um efeito colateral inesperado da Lava-Jato: a superlotação da carceragem da PF em Curitiba. Em ofício, De Paula informou ao magistrado que as instalações são “limitadas” e que a manutenção de oito executivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez por ali dificultava “a operacionalização das autuações em flagrante” e fragilizava a segurança do local como um todo. Ontem, Moro resolveu o problema. A partir deste sábado, os presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo, assim como seis executivos dessas duas empresas poderão ser transferidos para o Complexo Médico-Penal do Paraná, que fica em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.

HEULER ANDREY/DIA ESPORTIVONovo endereço. Um dos ‘cubículos’ do Complexo Médico-Penal do Paraná, para onde irão oito presos da Lava-Jato

Fundado em janeiro de 1969, durante a ditadura militar, o prédio que abrigará os empreiteiros guarda uma curiosidade só vista do céu: sua planta tem formato de metralhadora. Até 1993, o local servia como manicômio judicial do estado. Depois, foi transformado num espaço com capacidade para acolher 350 presos provisórios, condenados ou que precisam de atenção médica.

Segundo o site do Departamento Penitenciário do Paraná, ele tem 104 “cubículos coletivos” e 18 de “segurança máxima”. Cada “cubículo” tem 12 metros quadrados e um buraco no chão — que serve como latrina.

Ao liberar a transferência dos empreiteiros, Moro escreveu que a carceragem da Polícia Federal em Curitiba, “apesar de suas relativas boas condições, não comporta, por seu espaço reduzido, a manutenção de número significativo de presos”.

No Complexo Médico-Penal do Paraná, o conforto não será muito maior, tendo em vista que a área das celas é mais ou menos a mesma. A conquista é a chance de assistir àT-V e ouvir rádio, além das visitas às sextas-feiras.

 

OS 22 DENUNCIADOS

O Ministério Público Federal denunciou ontem à Justiça 22 envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras, inclusive os presidentes de Odebrecht e Andrade Gutierrez, dentro da Operação Laja-Jato