O homem que anotava

 

Marcelo Odebrecht foi preparado para assumir o controle do grupo fundado pelo avô. Sob seu comando, o faturamento triplicou. A trajetória foi interrompida pela Lava-Jato. Na ânsia de assumir a linha de defesa da empresa, produziu registros que hoje os investigadores usam para incriminá-lo

MICHEL FILHOHerdeiro. Representante da 3 ª geração da família à frente da Odebrecht, Marcelo foi denunciado por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. Obcecado por anotações, teve mensagens apreendidas pela PF

-SÃO PAULO- Marcelo Odebrecht sempre foi o empresário do olho no olho, assertivo e controlador, quase sempre como forma de persuadir o interlocutor. A altivez era a característica do homem que, aos 45 anos, comanda um império que faturou R$ 107 bilhões em 2014. Assim ele era, ao menos até o último dia 19, quando cenas de sua prisão mostraram um empresário acuado, cabisbaixo. O dono da maior empreiteira do país figura hoje entre os presos da Operação Lava-Jato, um emaranhado de denúncias que o afastou, assim como seus pares e concorrentes, da liderança de alguns dos principais negócios feitos no Brasil e no mundo.

Preso sob acusação de pagar propina, destruir provas e buscar influência política para inflar seus negócios, o empresário foi vítima do raciocínio rápido, que o fez anotar cada um de seus passos no celular, registros que agora servem para incriminá- lo. O aluno de uma das quatro maiores escolas de negócios do mundo foi denunciado à Justiça na última sexta-feira por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.

Obcecado por anotações, Marcelo acabou traído por elas. E-mails, recados no celular, convites para jantares, mensagens no Whatsapp, conselhos para advogados, apreendidos pela Polícia Federal, revelaram, segundo os investigadores, que ele conhecia profundamente o funcionamento de todo o esquema de corrupção que envolve sua empresa. Nenhum dos investigados da Lava-Jato teve tanto material escrito analisado por agentes da PF como ele.

Segundo pessoas próximas a Marcelo, ele é dotado de “inteligência cartesiana”, com capacidade de concentração para o trabalho acima da média. É um

workaholic. Essas caraterísticas foram decisivas para que ele fosse conduzido à presidência da companhia, em janeiro de 2009. Ele representa a terceira geração dos Odebrecht no comando da companhia, que começou fazendo obras para a Arquidiocese de Salvador. Pelos funcionários, é chamado de Odebrecht III.

— Ele é muito mais introvertido que o pai (Emílio) e menos carismático que o avô (Norberto). Mas se diferencia dos dois por sua inteligência acima da média e o preparo que teve para tocar a empresa da família — diz uma pessoa próxima ao empresário.

RECEITA DE R$ 107 BILHÕES

Marcelo teve a bênção de todo o clã Odebrecht para conduzir os negócios, não só por ser um herdeiro natural, mas também por ser empreendedor, capaz de desenvolver a empresa e imprimir aos negócios um ritmo ainda mais arrojado que seus antecessores. Ele passou por um polimento acadêmico antes de chegar ao topo da empresa. Fez mestrado numa das quatro melhores escolas de negócios do mundo, a IMD, em Lausanne, na Suíça.

Antes, graduou-se em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Bahia, em 1992, quando ingressou na empresa. No início, costumava circular entre tapumes de obras para tomar pé do negócio. De uma receita de R$ 38 bilhões, em 2009, o grupo saltou, sob a gestão dele, para um faturamento de R$ 107 bilhões em 2014.

As centenas de páginas anexadas ao processo mostram que Marcelo dispensava a mesma atenção a discussões sobre valores de contratos, pedidos de encontros com políticos, planos de financiamento em bancos internacionais e veiculação de reportagens que envolvam seu grupo ou seus interesses. Nos emails trocados com diretores da empreiteira nos últimos anos, o estilo não muda: direto e conciso. Para se fazer explicar, divide sua argumentação em pontos, em geral, numerados.

A Odebrecht é suspeita de pagar propinas a diretores da Petrobras no exterior em troca de vantagens em ao menos seis contratos com a estatal. A propensão de Marcelo por escrever suas ideias veio à tona em 22 de junho, quando agentes da carceragem da PF em Curitiba apreenderam duas folhas de papel que o empresário pretendia entregar aos advogados.

O que alertou os policiais foi a frase “destruir email sondas”, que poderia indicar a estratégia de apagar registros de troca de e-mails. Para a defesa, porém, a palavra “destruir” foi usada pelo empresário com o intuito de rebater os argumentos apresentados pela Lava-Jato. Além dessa frase, as duas folhas de papel tinham longa lista de medidas a serem tomadas para defender a empreiteira das acusações. Três dias após ser preso, Marcelo discutia em detalhes a estratégia que deveria ser usada.

O material apreendido mostrou que parte da vida social de Marcelo estava ligada aos negócios. O casal Odebrecht organizou pelo menos três jantares para autoridades e empresários de alto calibre em sua mansão em São Paulo, revelam e-mails trocados entre Marcelo e sua mulher, Isabela Alvarez.

A casa da família fica a cerca de seis quilômetros do escritório da Odebrecht, no Morumbi, Zona Sul de São Paulo. Um imóvel no mesmo condomínio está avaliado em R$ 19,5 milhões. Apesar dos encontros de negócio, Marcelo costumava passar mais tempo com seus filhos e a mulher do que o pai e o avô passavam. Essa convivência fez com que a reação dos parentes à prisão de Marcelo fosse extremamente emotiva. Um amigo disse que todos estão arrasados.

EMPRÉSTIMOS DO BNDES

Cinco dias antes de ser preso pela PF, em 19 de junho, Marcelo nem sonhava que sua vida viraria de ponta-cabeça. Quatro dias antes, participara de um seminário no Hotel Hilton, em São Paulo, onde se discutiram formas de dinamizar a exportação de serviços. Estavam presentes representantes do governo, como um ministro e a senadora Gleisi Hoffmann (PTPR). Marcelo se mostrou alinhado ao discurso do governo. Propôs que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) liberasse ainda mais recursos para obras no exterior, motivo de polêmica com a Odebrecht, que foi beneficiada por essa política. O GLOBO acompanhou o evento.

— Estou frustrado e irritado. Nós, que geramos empregos, ficamos na linha de fogo do embate político. Não há nada de imoral ou ilegal nestes empréstimos. Mas o assunto é midiático. É fácil dizer que o Brasil está fazendo obras no exterior em vez de fazer por aqui — disse ele, ao criticar a oposição, que usou o tema para alfinetar a gestão do BNDES.

O empresário também costumava fazer esse discurso em viagens ao exterior. Na condição de presidente da multinacional brasileira, por várias vezes assumiu o papel de líder dos empresários nacionais e da política do governo de fortalecer as empresas brasileiras no exterior.

Dividiu bancadas de entrevistas à imprensa estrangeira até com representantes do BNDES. Só entre 2007 e 2014, o banco concedeu empréstimos de US$ 8 bilhões a países que contrataram a Odebrecht para executar obras no exterior.

Ao contrário das outras empreiteiras, a Odebrecht enfrentou a força-tarefa da Lava-Jato. Marcelo comandou a estratégia de defesa. Mas isso se mostrou um erro e deixou rastros: seu celular e seus e-mails acabaram nas mãos dos investigadores. E viraram provas contra ele mesmo.

No domingo passado, O GLOBO mostrou que telegramas diplomáticos trocados entre o Ministério das Relações Exteriores e chefes brasileiros de postos no exterior, entre 2011 e 2014, indicavam que Lula agiu em favor do grupo Odebrecht em, pelo menos, duas ocasiões: uma em Cuba e outra em Portugal. Em Cuba, Lula foi recebido por Marcelo Odebrecht em junho de 2011, segundo documentos do Itamaraty. Em Portugal, teria pedido que o primeiroministro, Pedro Passos Coelho, desse atenção aos interesses da empreiteira num processo de privatização que ocorria naquele país.

Lula é investigado pela Procuradoria da República do DF por suposto crime de “tráfico de influência em transação comercial internacional”.