» Paloma Oliveto – Correio Braziliense
Publicação:30/07/2015 04:00
O dragão-barbudo, lagarto característico da Austrália: taxa de fêmeas que possuem cromossomos masculinos cresce de maneira acelerada, alertam cientistas
As temperaturas cada vez mais altas estão provocando um fenômeno inesperado na Austrália: a mudança de sexo do lagarto dragão-barbudo (Pogona vitticeps). Já se sabe que, em alguns tipos de répteis, o calor da incubação do ovo determina se o animal será macho ou fêmea. Contudo, essa é a primeira vez que o processo é observado naturalmente, na vida selvagem. De acordo com o estudo, publicado na revista Nature, é possível que o cromossomo sexual feminino desapareça, colocando em risco uma das mais populares espécies da fauna australiana.
“O estudo mostra que extremos climáticos podem alterar muito rapidamente a biologia de um organismo. Se o clima esquentar apenas um pouco mais, o percentual de reversão sexual vai aumentar rapidamente, e o cromossomo W se perderá”, comenta Clare Holleley, pesquisadora da Universidade de Canberra e principal autora do artigo. A bióloga explica que os machos de dragão-barbudo geralmente têm dois cromossomos Z, enquanto as fêmeas têm um Z e um W.
Quando o clima é ameno, o sexo dos filhotes é determinado pela fêmea, que passa para eles um ou outro cromossomo. No entanto, se o termômetro sobe, essa regra deixa de valer. Quando o ovo do réptil é exposto a temperaturas acima de 32,5ºC, os machos podem reverter o sexo e se tornar fêmeas, mesmo sem o cromossomo W. Aos 35ºC, isso ocorre em 100% das vezes. “Mostramos que esse mecanismo não é apenas uma aberração de laboratório”, observa Arthur Georges, professor da Universidade de Canberra que liderou os experimentos. “Esse é um fenômeno que acontece naturalmente no meio selvagem e, pelo que observamos em campo, na Austrália, isso está acontecendo com bastante frequência”, diz.
Os pesquisadores fizeram o estudo no “País dos Lagartos”, uma região do semiárido de Queenslandonde em que vive uma grande população do dragão-barbudo. Também é um dos locais da Austrália em que o aquecimento está ocorrendo mais rapidamente nos últimos 40 anos. Combinando dados genéticos de 131 espécimes com análises químicas realizadas em laboratório, os cientistas constataram que 11 lagartos tinham um par de cromossomos masculinos mas, de fato, eram fêmeas. Quando esses animais foram cruzados com machos normais, nenhum dos descendentes apresentavam cromossomos sexuais — o sexo foi completamente determinado pela temperatura de incubação do ovo. “A tendência foi herdada”, constata Georges. Além disso, os filhotes cujas mães haviam passado pela mudança de sexo tinham uma propensão muito alta de modificar, também, o gênero.
Catástrofe
“Esses resultados destacam o papel potencial do aquecimento global em alterar a biologia e o genoma de répteis sensíveis ao clima”, diz Clare Holleley. “Na área de estudo, a proporção de fêmeas com cromossomo masculino aumentou a cada ano desde que começamos a pesquisa, passando de 6,7% em 2003 para 13,6% em 2004 e 22,2% em 2011, então é algo muito rápido”, alerta. De acordo com Arthur Georges, o experimento em laboratório, no qual se constatou a totalidade da reversão sexual pela temperatura a 35ºC, mostra que o clima mais quente poderá significar uma situação catastrófica para a espécie.
Em uma análise publicada na Nature, o biólogo James J. Bull, do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Texas em Austin, destacou que a descoberta indica que “a determinação sexual dos répteis é mais flexível em uma escala evolutiva do que jamais se poderia imaginar”. “Esse trabalho, sem dúvidas, vai inspirar pesquisas paralelas em outras espécies, especialmente com o objetivo de entender os mecanismos de determinação sexual e as consequências evolutivas disso”, escreveu.