Governo termina o semestre no vermelho

 

31/07/2015 
ROSANA HESSEL
CELIA PERRONE
 
Contas de Tesouro, Banco Central e Previdência têm rombo recorde de R$ 8,2 bilhões em junho. No acumulado do ano, saldo negativo é de R$ 1,6 bilhão. Resultado é inédito, e desgsata ainda mais a credibilidade do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
 

Com a arrecadação em queda e os gastos ainda em alta, o governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência) registrou, em junho, um rombo de R$ 8,2 bilhões, o pior desempenho para o mês em toda a história. No acumulado do ano, o saldo ficou no vermelho em R$ 1,6 bilhão, o primeiro deficit no semestre desde 1997, quando teve início a série estatística computada pelo Tesouro. Ao assumir o comando da economia, em janeiro, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, prometeu pôr as finanças públicas em ordem, mas os resultados apresentados até agora já corroeram a confiança que ele tinha quando chegou ao governo.

“É o pior resultado da história para o mês de junho, mas isso não significa que o governo esteja relaxando em termos fiscais”, afirmou o secretário do Tesouro, Marcelo Saintive. “A economia está se retraindo, e isso se reflete na arrecadação”, destacou. Para demostrar que o governo não está inerte, ele citou o corte adicional de R$ 8,7 bilhões nas despesas não obrigatórias do orçamento deste ano, que foi detalhado ontem em decreto publicado em edição extra do Diário Oficial da União. Em maio, o governo já havia anunciado o represamento de R$ 69,9 bilhões de despesas discricionárias.

Saintive observou, no entanto, que o orçamento é muito rígido. A maior parte das despesas é de caráter obrigatório, o que deixa pouca margem para cortes. Por isso, assinalou, é preciso estudar mudanças na legislação. “A sociedade precisa discutir a questão das despesas obrigatórias. Temos assinalado que é difícil reduzir gastos, e acho que isso é um bom debate”, afirmou.

A despeito dos números ruins, o secretário garantiu que o governo vai conseguir cumprir a nova meta de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) de 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 8,7 bilhões. O objetivo anterior era de 1,1% do PIB, ou R$ 66,3 bilhões, mas a frustração da receita obrigou o Executivo a reduzir a meta, o que desagradou o mercado e levou a agência Standard & Poor’s a colocar a nota de crédito do Brasil em perspectiva negativa. Com isso, a previsão é de que, nos próximos meses, o país perca o grau de investimento, um certificado que reconhece o país como bom pagador de suas dívidas.

Saintive reconheceu que, para conseguir fechar as contas, o governo está apostando em receitas extraordinárias, como as que podem ser proporcionadas pela repatriação de recursos desviados ao exterior, conforme proposta encaminhada ao Congresso. “O quadro é complexo e delicado. Existem medidas que podem ser implementadas para que mantenhamos o investment grade”, afirmou.

No entender do economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, “o governo precisa detalhar melhor como conseguirá cumprir a meta fiscal, porque não há espaço para cortes”. Segundo Velloso, “a arrecadação não está crescendo e o gasto tem dois itens pesados: subsídios e outras despesas correntes”. Em junho, a receita líquida do governo encolheu 5%, em valores corrigidos pela inflação, na comparação com o mesmo período de 2014, para R$ 81,1 bilhões. Enquanto isso, as despesas cresceram 2,1%, atingindo R$ 89,3 bilhões. No semestre, a receita teve queda real 3,3%, mas as despesas totais subiram 0,5%.

Previdência
Sem poder cortar outros gastos, o governo reduz investimentos. No primeiro semestre, eles caíram 36% em relação ao mesmo período de 2014, passando de R$ 44,6 bilhões para R$ 28,5 bilhões. Já as demais despesas de custeio cresceram 7,3%, para R$ 121 bilhões. De acordo com Saintive, o aumento ocorreu, principalmente, nas despesas da Previdência, que subiram R$ 7,5 bilhões. Com isso, o rombo do INSS deu um salto de 34,8%, chegando a R$ 34,5 bilhões no semestre. “Esse deficit, basicamente, vem aumentando por conta da vinculação ao salário mínimo. Essa é a explicação principal”, disse o secretário.

O professor de administração e finanças públicas da Universidade de Brasília José Matias-Pereira avaliou que a queda da arrecadação é reflexo da falta de confiança no governo. “A baixa credibilidade não anima empresas a investir nem o consumidor a comprar. As pessoas estão cortando até despesas de supermercado”, afirmou. As indústrias produzem menos, o consumo é menor e a queda na arrecadação vai continuar”, salientou. Matias-Pereira prevê queda no PIB de até 3% neste ano. “Com a arrecadação cada vez menor, chegará o momento em que estados e municípios terão diminuídos os recursos dos fundos de participação e, nesse ritmo, no fim do ano não vão conseguir honrar pagamentos de funcionários e fornecedores”, alertou.

Saúde e Educação perdem mais de R$ 2 bi

Áreas prioritárias do governo, como saúde e educação, vão perder mais R$ 2,179 bilhões neste ano. Ontem, o Decreto nº 8.496, publicado no Diário Oficial da União (DOU), detalhou o corte de R$ 8,6 bilhões, anunciado na semana passada pelos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, durante a revisão da meta fiscal de 2015 de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) para 0,15%.

Apesar da tesourada, em nota, o Planejamento afirmou que as duas pastas foram “protegidas”, uma vez que, proporcionalmente, os cortes foram de 2,55% e 1,31%, respectivamente. A pasta comandada por Arthur Chioro teve uma redução de R$ 1,179 bilhão — passando de R$ 90,4 bilhões, previstos anteriormente, para R$ 89,2 bilhões. Já a do acadêmico Renato Janine Ribeiro, que inspirava o slogan do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, Pátria Educadora, teve uma redução de R$ 1 bilhão, para R$ 38,3 bilhões.

A publicação do decreto evidenciou mais uma fragilidade nas relações da Fazenda e do Planejamento: assim que o DOU saiu com o detalhamento do bloqueio no Orçamento do Executivo, a Fazenda se antecipou e divulgou uma tabela sem uma explicação. Os dados eram diferentes dos que o Planejamento costuma divulgar nos decretos de revisão orçamentária e que constavam da nota divulgada posteriormente à imprensa. Nos bastidores, o mal-estar foi grande.

Os ministérios das Cidades, da Saúde e da Educação foram os que tiveram os maiores contingenciamentos, em valores absolutos. A tesourada na pasta chefiada por Gilberto Kassab e que abriga o Programa Minha Casa Minha Vida foi de R$ 1,3 bilhão, o equivalente a 9,3% do limite anterior de gasto. Com isso, o valor das despesas não obrigatórias passou de R$ 14,1 bilhões para R$ 12,8 bilhões. Diante dessa redução, o terceiro MCMV, adiado várias vezes, não deverá sair do papel neste ano. Essa é a avaliação do especialista em contas públicas e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fernando Zilveti. “Ou eles fazem isso ou vão perder o grau de investimento. Não tem arrecadação para todo esse gasto. A perspectiva é mais sombria possível”, alertou.

Particularidades
De acordo com o Planejamento, “o bloqueio dos valores primou pela qualidade do gasto público, de modo que não houve um corte linear e alguns ministérios não foram contingenciados. Também foram consideradas as particularidades de cada política e de cada órgão, além do ritmo de execução das obras em andamento”, disse.

Também foi duramente afetado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que perdeu R$ 2 bilhões, ou seja, 23% do que foi contingenciado. Isso fez com que o teto do programa, neste ano, passasse de R$ 40,5 bilhões para R$ 38,5 bilhões. O secretário-geral da organização não governamental Contas Abertas, Gil Castelo Branco, lamentou que o governo só tenha bloqueado verbas de investimentos, o que acaba por deprimir ainda mais a economia. “O ideal era que o governo conseguisse cortar mais custeio. Mas vivemos uma situação inusitada onde o Executivo manda projetos de cortes de despesas e o Congresso dá um jeito de aumentar ainda mais os gastos. É uma equação cujo resultado é impossível.”

Para Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, depois do deficit histórico de R$ 8,2 bilhões em junho, o Congresso terá uma responsabilidade muito maior. “Em parte porque as agências de risco jogaram a culpa de um possível rebaixamento na nota do país para os parlamentares, caso não aprovem as medidas do ajuste fiscal”, disse. Ele destacou que este ano, efetivamente, ainda não houve corte. “Os gastos são crescentes e, somente o mês de janeiro registrou uma despesa abaixo de R$ 80 bilhões e a receita só caiu desde o início do ano. “A ânsia arrecadatória do governo provavelmente criará um imposto tapa- buraco da ineficiência, porque não há intenção nenhuma de cortar gastos”, disse. (RH e CP)

Mais atingidos
Veja os ministérios com os maiores contingenciamentos (em R$ milhões)

Cidades 1.322
Saúde 1.179
Educação 1.000
Transportes 875,6
Integração Nacional 723,4
Fazenda 409
Defesa 300
Agricultura e Pecuária 287,2
Ministério Des. Social 280,0
Esporte 250,6