Valor econômico, v. 16, n. 3802, 21/07/2015. Política, p. A7

 

Collor apresenta projetos para enquadrar Justiça

 

Por Vandson Lima | De Brasília

 

Pedro Ladeira/FolhapressCollor: Procurador-geral da República é o alvo preferencial do senador

Investigado como um dos parlamentares supostamente beneficiados pelo esquema de pagamento de propinas na Petrobras e com bens apreendidos na operação mais recente da Polícia Federal, a Politeia, o ex-presidente da República Fernando Collor de Mello (PTB-AL) teve em 2015 seu semestre mais ativo desde que chegou ao Senado, em 2007.

Ele nunca fez tantos discursos em plenário. E, principalmente, nunca apresentou tantas propostas. Praticamente todas elas, mostra levantamento feito pelo Valor, têm o mesmo objetivo: diminuir poderes dos órgãos da Justiça e dar aos parlamentares maior capacidade de fiscalizar suas ações.

Collor mudou seu comportamento depois de beirar uma atuação folclórica na legislatura passada, quando à frente da Comissão de Infraestrutura proferia longuíssimos discursos em sessões que começavam às 7h30, nas quais era o único senador presente.

Responsável pelo pedido de abertura de inquérito, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é o alvo preferencial do senador - a quem ele se refere, em seus discursos, como "Janó".

Duas semanas depois da "lista de Janot" ser divulgada, em março, Collor apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para obrigar o ocupante do cargo a renunciar três meses antes do término do mandato, caso queira concorrer à recondução. Se a proposta do senador, que está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) já tivesse sido aprovada, Janot, que é candidato à permanência, já não estaria no posto, pois seu mandato acaba em setembro.

Em maio, Collor protocolou em um mesmo dia nada menos que cinco representações contra Janot, com a intenção de instalar uma comissão especial no Senado para proferir parecer sobre sua conduta por, entre outros, abuso de poder, autopromoção e crime de responsabilidade. A petição apresentada por Collor pede, ao fim dos trabalhos, que a comissão profira sentença condenatória para destitui-lo do cargo.

 

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Collor ataca também em outras frentes. Apresentou projeto que estabelece responsabilidade civil e criminal do membro do Ministério Público da União (MPU) que praticar ato visando promoção pessoal ou perseguição política. Em outro, a instituição de sigilo na fase investigatória e abertura de inquérito apenas "com indícios veementes de autoria e materialidade contra a autoridade investigada".

Se é investigado, Collor quer também investigar. Em duas propostas de fiscalização, pede investigação sobre contratos de alugueis firmados pelo Ministério Público Federal (MPF). Requereu ainda a relação das despesas com passagens e diárias dos membros do órgão, no que foi atendido.

Na legislatura passada, Collor já havia buscado o embate com as autoridades do Judiciário. Em 2013, solicitou auditoria para apurar supostas ilegalidades na licitação de tablets na PGR, então sob o comando de Roberto Gurgel. Foi nessa época que apresentou outras duas PECs, que aguardam agora na fila de apreciação na CCJ do Senado: uma para dar ao Legislativo poder de requisitar informações e, se contrariado, convocar os presidentes do Tribunal de Contas da União (TCU) e de mandatários da PGR e agências reguladoras.

Em outra, Collor quer alterar a composição do Supremo Tribunal Federal (STF), aumentando-a de 11 para 15 ministros. Para serem aprovados, os candidatos teriam de convencer, pela proposta de Collor, dois terços dos senadores (54). Hoje a aprovação de dá por maioria absoluta (metade mais um, ou 41 votos no caso do Senado).

Em sua cruzada contra os homens da lei, uma vitória o senador já teve: com base em uma proposta sua, na quarta-feira o Senado aprovou projeto para que magistrados e membros do MP tenham de estar afastados há dois anos do cargo para poderem entrar na política e disputar eleições. A medida passou no bojo de propostas com vistas a uma reforma política. A intenção original de Collor era ainda mais radical. "Eu defendo uma quarentena de, no mínimo, quatro anos, sobretudo nesse momento tão midiático protagonizado pelo Ministério Público", discursou.

Na quinta-feira, último dia de votações do Senado neste semestre, Collor interrompeu as discussões sobre o projeto de repatriação de recursos mantidos no exterior para fazer uma "comunicação inadiável". Por 36 minutos, Collor ocupou a tribuna do Senado para denunciar, em suas palavras, que o país vive "sob o comando, a vontade e a ditadura da República do Ministério Público Federal. Não é de hoje que alerto para isso", asseverou.

O senador não fala com a imprensa - houve tentativa de ouvi-lo, sem retorno - mas comenta artigos, como um entre tantos que citaram a apreensão de seus "carrões de luxo". "Obrigado pelos 'carrões', que não são mais carroças", ironizou o senador, em referência a seu discurso, em viagem ao exterior, logo que eleito presidente da República, no qual os automóveis brasileiros foram chamados de verdadeiras "carroças".

Collor desafiou os senadores, questionando-os. "Quem vai fiscalizar os atos ilegais do senhor 'Janó'? Quem vai parar o senhor 'Janó'? E concluiu sua fala demonstrando qual será sua maior pretensão no próximo semestre legislativo: a criação no Congresso Nacional de uma "agenda suprapartidária", que buscará enquadrar o MP dentro de suas "atribuições e competências originais". "Ainda que inalcançável aos olhos de todos, a democracia brasileira e o Estado de direito correm perigo", garantiu.