Queda na renda piora desemprego

 

Desocupação avança para 6,9% em junho. Com mais jovens procurando trabalho, taxa entre população de 18 a 24 anos deu um salto: de 12,3% para 17,1% no mês passado. Número de desempregados cresceu 45%, para 1,7 milhão

O rendimento real do brasileiro ( já descontada a inflação) caiu 2,1% de janeiro a junho em relação ao mesmo período de 2014, no pior primeiro semestre desde 2004, mostram números do IBGE relativos às seis maiores regiões metropolitanas. Economistas já preveem piora, com a renda encerrando o ano em baixa de 4%. A queda está diretamente ligada ao aumento do desemprego. Com ganhos menores, mais gente nas famílias procura vagas. O desemprego subiu para 6,9% em junho. E a taxa entre a população de 18 a 24 anos deu um salto em um ano, de 12,3% para 17,1%. O número total de desocupados subiu 44,9%, para 1,7 milhão. A primeira metade de 2015 terminou com um balanço amargo para o mercado de trabalho. Na média entre janeiro e junho, o rendimento real ( já descontando a inflação) do brasileiro ficou em R$ 2.195,05, valor 2,1% menor que o registrado no mesmo período do ano passado. É a maior perda nos ganhos dos trabalhadores desde 2004, quando o recuo do primeiro semestre chegou a 3,09%. Os dados fazem parte da Pesquisa Mensal de Emprego ( PME), divulgada ontem pelo IBGE. A taxa de desemprego subiu para 6,9% no mês passado, a mais alta para um mês de junho desde 2010.

E as perspectivas para o segundo semestre não são boas. Entre os economistas ouvidos pelo GLOBO, já há quem estime que a renda média do trabalhador encerre o ano em patamar 4% inferior ao do ano passado. É o caso de Rafael Bacciotti, economista do Tendências. Segundo ele, o cenário negativo do mercado de trabalho vai persistir no segundo semestre.

— Esse processo deve continuar ocorrendo. A gente não tem perspectiva de mudança na atividade. Pelo contrário, há um consenso de que a recuperação vai ficar para depois, em 2016 — afirma o analista, que espera uma taxa média de desemprego de 6,7% neste ano.

Já Rodolfo Margato, economista do Santander, prevê queda de 3% da renda este ano.

— A perda na renda real não era esperada nessa magnitude. A explicação está na queda mais forte da atividade doméstica — destaca.

VAGA COM SALÁRIO MENOR

A alta do desemprego está diretamente ligada à queda da renda. Com mão de obra de sobra, a negociação salarial de quem está empregado fica mais difícil. Além disso, trabalhadores em busca de vagas acabam aceitando salários menores — uma tendência das empresas, em meio à economia mais lenta.

Após cinco meses desempregada, a ex- operadora de telemarketing Mariana Vieira Ewald, 30 anos, está disposta a ganhar menos para não ficar sem trabalho. Mãe de dois filhos, de 6 e 13 anos, ela era uma das dezenas de pessoas que buscavam vagas em um posto Secretaria do Trabalho, no Centro do Rio, ontem à tarde, e se mostrava bastante apreensiva. Desde que foi demitida, ela não consegue encontrar uma vaga que ofereça salário no mesmo patamar do antemais rior ou algum tipo de benefício, como vale- alimentação ou plano de saúde.

— Está muito difícil. Tenho conseguido me manter por conta da ajuda da família. Daqui para frente, estou aceitando o que vier, porque está muito difícil. Trabalhei por cinco anos em uma empresa, saí para ganhar mais em uma outra e, três meses depois, fui demitida. Nem segurodesemprego pude usar. Fiz uma péssima troca — lamenta Mariana.

Na análise de Hélio Zylberstajn, professor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo ( FEA- USP) e coordenador do site Salários. org. br, da Fipe, se a taxa de desemprego divulgada refletisse a realidade de hoje, ela já teria passado dos 7%,e a tendência é continuar nessa escalada. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios ( Pnad) Contínua, também do IBGE e que analisa o mercado de trabalho em todo o país, a taxa de desemprego do período de março a maio foi de 8,1%.

— O rendimento real está sendo corroído pela inflação, que é o maior inimigo do consumidor. E o poder de barganha do trabalhador para negociar salários está cada vez mais fraco — avalia. — Até janeiro deste ano, os sindicatos de classes trabalhadoras conseguiam repor a inflação e ainda ter um ganho real nas negociações salariais. Depois disso, com o aumento da inflação, que já gira em torno de 9% ( no acumulado de 12 meses), as empresas não têm nem reposto a inflação.

O processo funciona como em um círculo vicioso: a queda na renda provoca o aumento da desocupação, e vice- versa. Para Fábio Romão, economista da LCA Consultores, um dos fatores que permitiu que a taxa de desemprego se mantivesse baixa no ano passado foi a baixa pressão sobre o mercado, reflexo do maior número de pessoas que optavam por não trabalhar. Isso só era possível graças à alta na renda, um movimento que já começou a se reverter.

— Houve um período bastante importante de crescimento real da renda, e isso permitiu que principalmente os mais jovens postergassem a entrada no mercado de trabalho. Agora, é o contrário — analisa Fábio Romão.

Hoje, são justamente os jovens que mais sofrem com a falta de trabalho. O desemprego da população entre 18 e 24 anos avançou para 17,1% em junho, após ter ficado em 12,3% no mesmo mês do ano passado. É a maior para essa faixa etária desde agosto de 2009, quando chegou a 17, 4%, porque a economia ainda se ressentia dos efeitos da crise econômica global.

Tradicionalmente, a desocupação entre os jovens é mais elevada. Mas o IBGE chama atenção para intensidade da alta registrada na comparação com o ano passado. O aumento de 4,8 pontos percentuais foi o maior entre as três principais faixas etárias acompanhadas pelo pesquisa do instituto. No grupo entre 25 a 49 anos, a taxa passou de 3,6% para 5,8% ( diferença de 2,2 pontos percentuais) e, entre os com 50 anos ou mais, foi de 2% para 2,9% ( alta de 0,9 ponto percentual). Na média geral, a taxa passou de 4,8% para 6,9% ( diferença de 2,1 pontos percentuais).

TOTAL DE DESOCUPADOS CRESCE 45%

Considerando todas as faixas de idade, o número de brasileiros que ingressou na população economicamente ativa ( pessoas que estão trabalhando ou procurando emprego) mês passado subiu 0,9% em relação a junho de 2014. O percentual é considerado estatisticamente irrelevante pelo IBGE, mas representa 224 mil a mais na força de trabalho, que chegou a 24,4 milhões nas seis regiões.

No mesmo período, o número de pessoas ocupadas diminuiu 1,3%, refletindo a onda de demissões observada nos últimos meses. Com isso, a fatia dos desempregados cresceu nada menos de 44,9% em um ano e chegou a 1,7 milhão de pessoas nas seis regiões metropolitanas acompanhadas pela pesquisa. A menor taxa de desemprego foi registrada na região metropolitana do Rio ( 5,2%), e a maior, em Salvador ( 11,4%).

— O crescimento da desocupação pode estar sendo provocado tanto por aqueles que perderam o emprego, quanto por aqueles que estão tentando entrar no mercado de trabalho e já entram na condição de desocupados — explica Adriana Beringuy, técnica do IBGE responsável pela pesquisa.

Além da queda da renda, os dados indicam criação menor de vagas em cada vez mais setores. No mês passado, a maior queda na população ocupada foi registrada no construção civil, que perdeu 5,1% de sua força de trabalho entre junho de 2014 e junho de 2015.

Apesar de concordar com o quadro negativo, Claudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp e especialista em mercado de trabalho, destaca que o emprego ainda tem mostrado sinais de resistência e que, diante da perspectiva de recuperação no ano que vem, é possível que empresários decidam evitar as demissões.

— Não há um sentimento de que o mergulho na recessão durará dois, três, quatro anos. Há uma grande expectativa de que o sinal de melhora ocorrerá no primeiro semestre do ano que vem. Se eu sou empresário, vou demitir somente aquilo que preciso — afirma Dedecca.