Propina passou por 19 contas

 

O lobista Fernando Baiano usava uma rede de 19 contas no exterior, segundo a Lava- Jato, para movimentar propina de desvios na Petrobras paga a políticos do PMDB. Baiano foi denunciado à Justiça junto com o ex- diretor Nestor Cerveró e mais dois acusados. - SÃO PAULO E CURITIBA- O relatório final da investigação de um contrato de US$ 1,2 bilhão da Petrobras com a coreana Samsung Heavy Industries para a compra de dois navios- sonda, encaminhado ontem à Justiça pelo Ministério Público Federal ( MPF), lista uma rede de contas bancárias no exterior movimentadas pelo esquema do lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, preso em Curitiba. Segundo os procuradores da força- tarefa da Operação LavaJato, as contas eram usadas para lavar dinheiro de propina destinada a executivos da estatal e políticos. As investigações apontam Baiano como operador do PMDB no esquema de fraudes e desvios de recursos de contratos da Petrobras.

GERALDO BUBNIAK / AGB/ 19- 11- 2014Baiano. O lobista Fernando Soares ao se entregar à PF, em novembro de 2014: controle de contas no exterior

Com o fim dessa investigação, o MPF pediu a condenação de Baiano e do ex- diretor da Petrobras Nestor Cerveró, responsável pelo contrato. Os procuradores também querem punição para os delatores Júlio Camargo e Alberto Youssef pelos crimes de corrupção ( ativa e passiva) e lavagem de dinheiro. Camargo era representante da japonesa Mitsui, parceira da Samsung Heavy Industries na construção de um dos dois navios- sonda.

O relatório que baseia a denúncia do MPF mostra pelo menos 19 contas ligadas a Baiano em bancos na Suíça, Estados Unidos e Espanha, além de Hong Kong ( China), por onde transitaram cerca de US$ 20 milhões entre 2006 e 2008. Os procuradores querem que os denunciados devolvam mais de R$ 156 milhões.

Segundo o MPF, nem todas as contas rastreadas pertencem a Baiano. Várias delas são apenas controladas por ele ou foram indicadas para que o consultor Júlio Camargo pagasse a propina combinada pela compra das duas sondas. Na primeira delas, a parceira da Samsung HI foi a Mitsui. Na segunda, foi a Schahin Engenharia. Nos dois casos, Fernando Soares atuou. Para os procuradores, ele operava para o PMDB na Diretoria Internacional da Petrobras.

É a esse contrato da Petrobras que estão relacionadas as suspeitas em torno do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ). Na semana passada, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, da 13 ª Vara Federal de Curitiba, Júlio Camargo disse que Baiano era “sócio oculto” de Cunha. O deputado, que não é denunciado e só é investigado no âmbito do Supremo Tribunal Federal ( STF) por ter foro privilegiado, nega a acusação.

Em depoimento à Justiça, Camargo disse que o negócio com as sondas renderia US$ 53 milhões de comissão a ele, dos quais US$ 40 milhões seriam direcionados a agentes públicos e políticos.

Camargo disse à Justiça que Baiano lhe entregou pessoalmente os números das contas que deveriam receber os depósitos provenientes dos contratos das sondas. Segundo ele, os valores eram pulverizados, por isso em nenhum momento soube quem eram todos os beneficiários.

O dinheiro que passou pelas 19 contas, para o MPF, foi cobrado por Cerveró e Baiano na compra de sondas. O valor foi discutido diretamente com os japoneses antes mesmo que a diretoria executiva da Petrobras desse o aval para início das negociações. O controle de acesso à sede da Petrobras mostrou que Baiano participou das negociações, embora nunca tenha tido vínculo ou prestado algum tipo de serviço para a estatal. Logo depois de receber das empresas contratadas, Camargo distribuiu US$ 15 milhões por meio de 35 operações bancárias em contas controladas ou indicadas por Baiano. Apenas duas delas, na Suíça, receberam, num único dia de maio de 2007, US$ 1,5 milhão cada. Menos de um ano depois, a Petrobras comprou a segunda sonda da Samsung HI. Parte da propina, que subiu para US$ 25 milhões, também passou pelas contas indicadas pelo lobista.

O repasse só foi revelado na Lava- Jato porque Camargo não recebeu o total prometido e teve de recorrer ao doleiro Alberto Youssef para complementar o dinheiro exigido por Cerveró e Baiano.

PLANILHA APELIDADA DE ‘ TRANSCARECA’

Youssef contou à Justiça que repassou dinheiro a pedido de Júlio Camargo por meio do policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, o Jayme Careca, que trabalhou para o doleiro entre 2010 e 2013. Numa planilha denominada “Transcareca”, apreendida pela Polícia Federal no escritório de Youssef, o MPF descobriu a entrega de R$ 1,132 milhão em dinheiro vivo no dia 15 de junho de 2012 para Baiano. Segundo Youssef, porém, o valor total repassado foi maior: R$ 4 milhões.

“Eu peguei esses reais, uma parte mandei pelo Jayme, para que entregasse ao Fernando Soares no Rio, no seu escritório na Rio Branco e o restante eu pedi também que o Jayme levasse, mas aí eu, pessoalmente, fui junto e entreguei esses valores”, disse.

A planilha mostra ainda que a “Transcareca”, em apenas dois anos ( 2011 e 2012), distribuiu R$ 35,4 milhões apenas em notas de reais a beneficiários dos desvios na Petrobras. Por enquanto, o MPF revelou a identificação apenas de um dos nomes da planilha, o de Baiano. Entre os muitos outros, um que se repete é “Walmir”. São 18 menções entre 2011 e 2012, com entregas que totalizam R$ 7,232 milhões. Há ainda “Julinho”, “Sandra”, “Band Jp", “Edú”, “Mercedão”, “Ronaldo”.

Os advogados de Baiano, André Azevedo, e de Cerveró, Edson Ribeiro, disseram que o pedido de condenação do MPF não corresponde aos autos.

— Até hoje não conseguiram identificar os beneficiários dessas contas — disse Azevedo.

Os procuradores do MPF assinalam que Cerveró “confundiu o público e o privado, atuando na Petrobras visando seus próprios interesses, de seus comparsas e das empresas corruptoras”. Para eles, os denunciados prometeram, aceitaram, pagaram e receberam vantagens indevidas para obter “poder, dinheiro e status”.

Baiano, assinalam, “enriqueceu vertiginosamente” graças aos desvios na Petrobras: é dono de uma cobertura de luxo na Barra da Tijuca, no Rio, e de casas de veraneio em Angra dos Reis e Trancoso, na Bahia. Ele mantinha na garagem três caminhonetes Land Rover e uma Toyota Hilux. Sua lancha Cruela 1, com capacidade para 18 pessoas, foi comprada de outro preso da LavaJato: Otávio Marques Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez. Segundo o MPF, Baiano também comprou um Land Rover para “presentear” Cerveró e sua mulher. Para os investigadores, era mais uma forma de pagar propina.

 

‘ Filme de terror sem fim’

 

 jornal inglês “Financial Times” comparou o Brasil a um filme de terror. O ministro Jaques Wagner rebateu: o filme é de superação. Em meio ao agravamento da crise política com as revelações da Operação Lava- Jato, a imagem do Brasil se deteriora na imprensa internacional. Ontem, o país foi alvo de avaliações negativas dos jornais americano “Washington Post“e britânico “Financial Times”.

Em editorial, o “Financial Times” fez duras críticas ao governo Dilma Rousseff ao analisar a situação política e econômica do Brasil. Para o jornal, o país “tem sido comparado com um filme de terror sem fim”. “Incompetência, arrogância e corrupção quebraram a magia” do Brasil.

Com o título “Recessão e corrupção: a podridão crescente no Brasil”, o jornal cita a Lava- Jato e atribui a crise enfrentada pela presidente aos escândalos de corrupção na Petrobras. A investigação da Procuradoria do Distrito Federal sobre a suspeita de tráfico de influência internacional do ex- presidente Lula em favor da construtora Odebrecht também é abordada no texto.

A publicação diz que as medidas do ajuste fiscal “demoliram” os índices de aprovação de Dilma “para os níveis mais baixos da História”. O jornal diz que, embora poucos acreditem que Dilma seja corrupta, acusações sobre o financiamento da campanha da petista em 2014 e as “pedaladas fiscais” podem ser “suficientes para o impeachment”.

O rompimento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), com o governo foi visto pelo “Financial Times” como “um grande aviso” de que Dilma pode perder o apoio de outros aliados, o que complicaria ainda mais a sua situação política. O veículo britânico pondera, no entanto, que a prisão do empresário Marcelo Odebrecht “demonstra a força das instituições democráticas do Brasil”. Por fim, a análise afirma que “Dilma enfrentará três anos solitários como presidente” e que “pode ser que tempos mais difíceis estejam adiante do Brasil”.

Já o “The Washington Post”, também ontem em editorial, aborda o momento político brasileiro. Em “Um escândalo de petróleo está sacudindo a democracia brasileira em sua essência”, o jornal chama a Lava- Jato de “drama denso” e que causa “explosivas reações” quanto mais alto chega na hierarquia política. Ainda discorre sobre o rompimento de Cunha com o governo e questiona o que pode vir a fazer o presidente do Senado, Renan Calheiros, caso caia no centro das denúncias. “Dilma Rousseff, que até agora segue intocada, mas que foi do conselho da Petrobras e ministra de Minas e Energia, vai sobreviver?” O jornal cita a baixa popularidade da petista, os protestos convocados pela oposição e a economia “afundando” como uma situação que “evoca ecos assustadores do passado brasileiro”. “A democracia brasileira está vacilando, mas o tremor vai fortalecê- la”, publicou o jornal.

No Rio para visitar um navio de pesquisa hidroceanográfico da Marinha, o ministro da Defesa, Jaques Wagner, reagiu ontem ao editorial do “Financial Times”, dizendo que o Brasil não vive um “filme de terror”, mas “de superação”:

— Esse jornal nunca olhou para o Brasil com bons olhos. A adjetivação deles eu prefiro que guardem com eles. Nós estamos num filme de superação e, como todo filme de superação, é um filme de dificuldade — afirmou o ministro, para quem as críticas ignoram que houve um período de bonança com o PT no poder, com empresas crescendo e, segundo ele, 40 milhões de pessoas entrando na classe média. — A linha condutora de uma nação não é horizontal, tem altos e baixos. Já tivemos momentos melhores, agora estamos num de dificuldade. Vamos superar e chegar lá. Quem sabe o “Financial Times” resolve dizer que foi um conto de fadas?