O SINDICALISTA DO ETC. E SIMILARES

 

Nada menos do que 48 palavras são necessárias para dar nome às três entidades de que Fernando Antônio Bandeira, de 69 anos, é dirigente, no Rio de Janeiro. Ex- deputado estadual pelo PDT, ele é atualmente secretário- geral do Sindicato dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Segurança, de Vigilância, de Transporte de Valores, de Prevenção e Combate à Incêndios, de Cursos de Formação, Similares ou Conexos ( Sindvig). No Sindicato dos Policiais Civis ( Sinpol), está na função de tesoureiro. Por fim, é presidente do Sindicato dos Empregados de Agentes Autônomos no Comércio e Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisa ( Sindaut), organização que ganhou até um apelido carinhoso.

ANTONIO SCORZASincero. Fernando Bandeira, sindicalista: “No Sindvig, tenho cargo, mas quase não vou. Não vou mentir”

— Realmente, muita gente pergunta a que categoria a entidade que presido atende. Pegamos aqueles trabalhadores terceirizados, que não se enquadram em nada, de pequenas empresas, escritórios de advocacia, de contabilidade... É o que chamamos de “Sindicato do Etc.” — brinca.

A primeira entidade fundada por ele foi exatamente o Sindaut, em meados da década de 1980. No meio do “etc.”, englobava a categoria dos vigilantes, da qual ele fazia parte. Então, Bandeira criou em seguida o Sindvig, especificamente para os profissionais de segurança e afins. Por muitos anos, sua mulher ficou como presidente ou vice do Sindaut, até se aposentar, em 2013. As duas organizações funcionam em prédios vizinhos de porta, no bairro de Santa Teresa.

O ímpeto por multiplicar sindicatos fez com que Bandeira ainda criasse, há cerca de seis anos, mais uma ramificação do “etc.”. De dentro do Sindaut, saiu o Sindicato dos Operadores de Telemarketing e Empregados em Empresas Prestadoras de Serviços para a Telemar e Similares. Desde que foi criada, a organização tem como presidente a irmã do dirigente, Maria Bernadete Bandeira dos Santos. Curiosamente, Bernadete foi a primeira presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio, mas se aposentou e enveredou para o mundo da telefonia.

— Minha irmã tem mais ou menos a minha idade, uns 70 anos. Ela é uma “coroa” militante, inteligente, sabe tudo de telemarketing — garante Bandeira.

Atualmente, o dirigente está respondendo a processo na Polícia Civil por abandono de emprego. Por isso, está sem receber pela corporação desde 2013. Ele alega perseguição política, por participação em greve. Nesse sindicato, no qual é tesoureiro, Bandeira diz não ter nenhuma remuneração.

SUCESSOR DEFENDE SINDICATO

Pelo cargo de secretário do Sindvig, o dirigente diz receber cerca de R$ 3 mil, diretamente da Brinks, empresa da qual está afastado para exercer a função de sindicalista:

— No Sindvig, tenho cargo, mas quase não vou. Vou ser sincero, não vou mentir. Tive interesse de manter o cargo para manter minha liberação ( remunerada) da empresa.

Além disso, Bandeira diz receber cerca de R$ 2,5 mil do Sindaut para exercer a presidência. Ainda é aposentado pelo INSS e militar anistiado da Marinha.

No Sindvig, já fez seu sucessor: o atual presidente é Antônio Carlos Oliveira, que ingressou na vida política na Juventude do PDT. Articulado, ele diz que é preciso mostrar que há pessoas sérias no sindicalismo:

— O que a gente fica triste é que tudo cai numa vala comum, as críticas se generalizam. Temos uma arrecadação pequena, porque infelizmente as empresas descontam dos trabalhadores as contribuições, mas não repassam aos sindicatos. E quando é um sindicato que enfrenta a empresa é ainda pior. Aqui, oferecemos diversos serviços e temos prestação de contas todos os anos, disponíveis para qualquer profissional checar. É tudo transparente.

 

A TÊNUE RELAÇÃO ENTRE UM SINDICATO E A POLÍTICA

 

Não bastassem problemas como mandatos eternos, falta de transparência nas contas e na quantidade de recursos recebidos, os sindicatos ainda vivem o desafio de estabelecer até onde vai a linha tênue da legitimidade da relação com políticos. No Rio, o Sindicato da Saúde, Trabalho e Previdência Social ( SindsprevRJ), que representa mais de 230 mil servidores, vive esse dilema. Se, em 2014, gravações mostraram a ex- deputada Janira Rocha ( PSOL- RJ) admitindo uso de recursos da entidade — da qual foi diretora — com fins eleitorais, dados obtidos pelo GLOBO mostram que a relação financeira com membros do partido foi além das divisas do estado.

Entre 2008 e 2013, segundo relatórios do conselho fiscal, o sindicato repassou cerca de R$ 2 milhões à ONG Centro de Formação e Assessoria 25 de Julho, cuja sede fica em Uberlândia ( MG). O curioso: a organização era presidida por Marilda Ribeiro, candidata à senadora pelo PSOL em 2010 e integrante da corrente de Janira, o MTL ( Movimento Terra, Trabalho e Liberdade). Em nota, a diretoria colegiada negou qualquer irregularidade.

Os repasses para a ONG fazem parte de uma discussão em torno dos recursos da entidade que já foi até parar nos tribunais. Membros do grupo Resgate SindsprevRJ alegam que falta transparência na atual direção financeira, ainda dominada por pessoas ligadas a Janira. Entre elas, está Christiane Gerardo, que trabalhou no gabinete da ex- deputada e é um dos alvos de uma ação de improbidade contra a parlamentar impetrada na semana passada pelo Ministério Público.

PROCESSO ENVOLVE DIRETORIA

Alegando que repasses como os feitos para o Centro 25 de Julho foram feitos sem justificativa, o Resgate Sindsprev- RJ iniciou um processo para tentar afastar a diretoria financeira. Até o fim de agosto, a Justiça do Trabalho deve se manifestar de forma definitiva sobre o caso. Por sua vez, a nota, assinada pela diretoria colegiada, negou que haja falta de transparência. “A ONG é uma escola de formação que teve por base apoiar o movimento dos trabalhadores no campo e nas cidades, a partir de suporte técnico, jurídico e político”, disse, alegando ainda que as contas foram aprovadas numa assembleia em abril de 2013.

Recentemente, em maio deste ano, Marilda Ribeiro, do 25 de Julho, foi condenada pelo Tribunal de Contas da União ( TCU) a devolver aos cofres públicos cerca de R$ 60 mil por não comprovar serviços prestados num convênio realizado em 2007 com recursos do governo federal. Ela foi procurada através do telefone da ONG e da direção nacional do PSOL, mas não foi encontrada.

Dados aos quais o GLOBO teve acesso mostram que, entre 2010 e 2012, o Sindisprev- RJ pagou quatro passagens aéreas para Jefferson Moura e seis para Heloísa Helena, atualmente vereadores pelo PSOL do Rio e de Maceió. Moura alegou que se tratavam de viagens para eventos: um voltado para servidores federais e outro de discussão sobre o Sistema Único de Saúde. Heloísa não foi encontrada. A diretoria colegiada disse que as passagens “têm por objetivo assegurar a presença em eventos... E que dirigentes, militantes e palestrantes ligados a outras concepções políticas, tais como PT, PCdoB, PSTU e até mesmo a organismos internacionais da classe trabalhadora, foram tratados da mesma forma”.

No tema viagens, o sindicato pagou, em março de 2012, um pacote de R$ 13 mil para Porto de Galinhas para Albirato Goudart, o Bira do PSOL, um dos diretores. O colegiado alegou que “foi um evento sociocultural, coletivo, originário de uma das regionais de base, com a participação do referido dirigente, diretores da regional e funcionários da mesma, que fizeram a solicitação, na forma de empréstimo, através do convênio na sede, para posteriormente saldar as despesas decorrentes, fato que já se consumou”.

A legislação eleitoral proíbe que entidades que recebem verbas compulsórias, como sindicatos, doem para campanhas. Mas alguns membros do Sindisprev temem que isso tenha ocorrido de forma disfarçada. Segundo a prestação de contas da campanha da deputada Janira Rocha, em 2010, R$ 24.150 vieram de oito pessoas que, neste ano e em 2011, obtiveram ao menos R$ 29 mil de empréstimos do sindicato.

O colegiado disse que “não há qualquer relação entre empréstimos concedidos a militantes e dirigentes, com doações efetuadas à campanha de qualquer político, mesmo àqueles mais próximos de nossa classe”. Segundo a nota, “os empréstimos concedidos, tanto a dirigentes quanto a militantes ou funcionários, são historicamente parte da filosofia da entidade, existindo tal prática desde os anos 1990, e visam a sanar situações de dificuldades daqueles que os solicitaram, sendo submetidos e aprovados ou não pela direção da época”. O texto ressaltou que a entidade não recebe verbas públicas, vivendo de mensalidades de associados.