Título: Uma pitada a menos
Autor: Neri, Márcia
Fonte: Correio Braziliense, 25/08/2011, Saúde, p. 25

Mudança nos padrões alimentares dos brasileiros levou a um aumento exagerado do consumo de sal, condimento que agrava a incidência de doenças crônicas. Anvisa lança campanha para alertar sobre os malefícios do sódio em excesso A gordura não é a única vilã da dieta que o brasileiro adotou nos últimos anos. De norte a sul, o prato da população está muito mais salgado do que deveria. E o excesso de sódio, que responde por 40% da composição do sal de cozinha e também é usado pela indústria como conservante, tem deixado a população vulnerável. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a ingestão diária de 5g do condimento. Mas estimativas revelam que o consumo médio no Brasil varia de 10g a 12g. A conta do abuso é cobrada da saúde, já que a ingestão excessiva do sódio é apontada por especialistas como a principal responsável pelo aumento da incidência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).

Dados do Ministério da Saúde revelam que, atualmente, tais patologias são responsáveis por pelo menos 68% das mortes ocorridas anualmente no país, aumentando em mais de três vezes a proporção registrada entre as décadas de 1930 e 1990. Em 2007, ano em que o último levantamento foi realizado, os males como diabetes melito, neoplasias, doenças renais, cardiovasculares e outros problemas crônicos mataram 706 mil pessoas.

Preocupada com a situação, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) lançou a Campanha de Redução do Consumo de Sal, cujo objetivo é conscientizar e orientar consumidores para escolhas mais saudáveis. "Além de incentivar o consumo de alimentos naturais, o projeto pretende criar nas pessoas o hábito de leitura do rótulo nutricional dos produtos industrializados para a escolha daqueles com o menor teor de sódio", explica Denise Resende, gerente-geral de alimentos do órgão regulatório.

A biomédica afirma que a campanha integra as estratégias para a redução do consumo de sódio pela população e se alia ao compromisso assinado em abril passado entre o Ministério da Saúde e as indústrias de alimentação para diminuir gradualmente a substância nos alimentos processados. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) é parceira da proposta. "Hoje, cerca de 25 milhões de pessoas passam diariamente pelos supermercados do país. Criamos uma série de panfletos e banners que serão distribuídos nos estabelecimentos, alertando para o perigo do consumo exagerado de sódio", adianta.

Padrão de risco Segundo Denise Resende, a ingestão excessiva do nutriente deve-se à mudança no padrão da dieta de adultos e crianças. Hoje, uma parcela considerável dos brasileiros almoça fora de casa. Além disso, no cardápio caseiro, os alimentos industrializados estão presentes em escalas bem maiores do que há 20 ou 30 anos. Um estudo desenvolvido pela própria Anvisa em 2010 avaliou o perfil nutricional dos alimentos processados que recheiam as gôndolas dos supermercados. O resultado não deixou dúvidas: a alimentação dos adultos e das crianças anda pobre em fibras e rica em gorduras saturadas e sódio.

Dentre as categorias analisadas, a que representou maior teor de sódio foi a do macarrão instantâneo. "O sódio também está presente em biscoitos, refrigerantes, pães, salgadinhos, embutidos e enlatados. Se conseguirmos diminuir o consumo de sal para 5 g diários, reduziremos em 15% os óbitos por acidente vascular cerebral (AVC). Cerca de 1,5 milhão de brasileiros ficariam livres da hipertensão", destaca Denise.

O organismo humano utiliza uma série de recursos para se manter em equilíbrio. Quando o nível de sódio passa dos limites tolerados, ocorre a liberação de hormônios que retêm os líquidos. Tal situação aumenta o volume de sangue circulante e sobrecarrega o coração devido à elevação da pressão arterial. A hipertensão, por sua vez, é fator de risco para AVC, infarto, comprometimento das funções renais e de outros órgãos. "É um efeito cascata. Atualmente, 30% da população mundial morre de AVC ou infarto, e a ingestão descontrolada de sal é um dos vilões, assim como o colesterol ruim e o sedentarismo", reforça Bruno Ganen, cardiologista e gerente do programa Total Care da Amil.

O nefrologista Daniel Rinaldi detalha o que ocorre com os rins. Por alterar os vasos, o sal provoca perda de função renal a longo prazo. "O sódio lesa o rim. Uma vez comprometido, o órgão não consegue eliminar o nutriente do organismo, que acaba retendo líquido. Vem, então, a hipertensão e tudo o que ela acarreta. É um ciclo vicioso, que vai piorando progressivamente", lamenta o médico, que é presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia. Para o especialista, somente a mudança dos hábitos alimentares poderá evitar que a situação da saúde do brasileiro se agrave ainda mais dentro de poucos anos.

Hábito A servidora pública Rosa Veloso, 67 anos, sabe a diferença que a moderação em relação ao sal pode fazer. Mineira e apreciadora de uma alimentação caprichada no tempero, ela conta que a hipertensão deu os primeiros sinais quando ela tinha 41 anos. O cardiologista prescreveu medicação e cuidados com a dieta. "Confesso que não fui disciplinada e não controlei tanto as guloseimas. Quando fiz 60 anos, descobri o diabetes. Passei muito mal e a situação ficou tão complicada que tive que tomar insulina. Nesse momento, até a hipertensão, outrora remediada, ficou descontrolada", conta. Depois do susto, um programa alimentar com controle do sal e das gorduras devolveu a qualidade de vida a Rosa. "Já emagreci 8kg. Cheguei a tomar 11 medicamentos. Hoje, consegui reduzir para dois", comemora.

O economista Marco Antônio*, 31 anos, estava a caminho da falência renal. Embora sentisse uma dor estranha nas costas e um cansaço constante, ele nunca imaginou que uma alteração no funcionamento dos rins fosse ser apontada no checape que resolveu fazer. "Percebi o quanto a alimentação pode mudar a minha vida", conta.

A nutricionista Denise Lausmann garante que é possível diminuir o sal sem comprometer o sabor dos alimentos. Segundo ela, o saleiro jamais deve ir à mesa. Os embutidos precisam ser consumidos com muita parcimônia, e os molhos industrializados, evitados ao máximo. "É possível codimentar carnes com sal de ervas, uma mistura de manjericão, orégano, alecrim e sal batidos no liquidificador. Na hora de temperar, use esse preparado na mesma quantidade que usaria o sal", sugere. "A boa alimentação é um hábito que depende da conscientização de cada indivíduo. Definitivamente, nosso organismo não precisa de 12g de sal por dia", reforça.

Faça as contas Para converter a quantidade de sódio encontrada no rótulo de algum produto em sal, basta multiplicá-la por 2,54. Uma porção de 27,5g de frango à americana de uma famosa marca disponível em supermercados, por exemplo, contém 1.550mg de sódio. Multiplicando esse valor por 2,54, encontra-se a medida equivalente em sal: 3,9g. Isso representa 65% do recomendado para consumo no dia todo, que é de 2g de sódio ou 5g de sal.