Ministério Público avança sobre Cunha

24/07/2015 

EDUARDO MILITÃO
JOÃO VALADARES
 
Ao pedir a condenação de ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, dos lobistas Fernando Baiano e Júlio Camargo, além do doleiro Youssef, procuradores reforçaram a tese de que o presidente da Câmara ficou com parte do dinheiro da corrupção. 
 

A força-tarefa do Ministério Público na Operação Lava-Jato reforçou que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), era destinatário de propinas na contratação de navios-sondas da Petrobras. A acusação foi usada para contextualizar alegações finais apresentadas ontem ao juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, em que os procuradores pedem a condenação do ex-diretor de Internacional da estatal Nestor Cerveró, dos lobistas Fernando “Baiano” Soares e Júlio Camargo e do doleiro Alberto Youssef. Os dois últimos fizeram acordo de delação premiada com os investigadores.

Segundo Camargo, foram pagos US$ 40 milhões em propinas para viabilizar a construção de dois navios da Samsung Heavy Industries, nos quais a Petrobras pagou US$ 1,2 bilhão. Uma parte do dinheiro ficou com Cerveró e “Baiano”, segundo os nove procuradores da força-tarefa. “Apurou-se que parte do dinheiro da propina também era destinada ao deputado federal Eduardo Cunha”, apontam eles.

Os procuradores ainda mencionaram o interrogatório em que Camargo disse que o deputado, após pressão de Baiano, cobrou US$ 5 milhões como quinhão nos subornos do esquema. “Conforme exposto no último interrogatório deste processo, Júlio Camargo passou a sofrer diversas pressões de Fernando Soares, o qual agia em nome de um dos agentes políticos destinatários finais da propina das sondas.” A parte referente ao parlamentar é investigada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Corrupção
Nas alegações finais, o Ministério Público Federal pediu a condenação de Cerveró e Baiano por corrupção e lavagem de dinheiro. Os procuradores querem que Camargo seja condenado ainda por crime contra o sistema financeiro nacional. Para Youssef, querem apenas a condenação por lavagem. O MPF pede que a Justiça determine que os réus paguem R$ 296 milhões, sendo R$ 140 milhões para devolver os ganhos com a corrupção e mais multa de R$ 156 milhões. O dinheiro deverá ser pago à Petrobras, ao sistema financeiro e ao Judiciário.

A contratação das sondas ocorreu em 2006 e 2007. Antes delas, houve reuniões entre Cerveró, Baiano e Camargo na Petrobras, conforme e-mails e registros de entrada na sede da empresa coletados pelos investigadores da Polícia Federal e do MPF. Para eles, não houve competitividade na escolha dos navios, e a decisão de comprá-los foi feita a partir de pedido da Samsung, que se associou à Mitsui para fazer a sonda.

Além disso, os procuradores exibiram comprovantes de pagamento de Camargo para Baiano pagos na Suíça. Eles obtiveram documentos mostrando que, de lá, o dinheiro seguiu para contas de Cerveró na Suíça, registradas com o nome de Forbal Instments inc. e Russell Advisors. “O acusado Nestor Cerveró comprovadamente recebeu recursos das sondas, conforme apontam os documentos obtidos na cooperação jurídica internacional com a Suíça”, atestam os procuradores.

Inocência
O advogado de Cerveró disse ao Correio que os depoimentos dos delatores inocentam o ex-diretor da Petrobras. “O Júlio Camargo inocenta o Cerveró e diz que nunca ofereceu ou deu dinheiro para ele”, afirmou. “Ele diz que o beneficiário final do dinheiro seria Eduardo Cunha. Youssef vai pelo mesmo caminho: diz que o destinatário final do dinheiro era Eduardo Cunha.” Paulo Roberto Costa declarou à Justiça que as decisões de compras de sonda eram tomadas coletivamente e que nunca pediu facilidades para Cerveró, destacou.

Porém, o ex-diretor se negou a comentar sobre o dinheiro em suas contas no exterior. “A obrigação de provar é do Ministério Público. Vai ter que provar que a conta é do Nestor e que o dinheiro tem a ver com as sondas.” Eduardo Cunha e seu advogado Antônio Fernando de Souza não retornaram os pedidos de esclarecimentos da reportagem. O parlamentar já disse que Camargo mentiu na delação e desafiou-o a provar as acusações que fez contra o deputado. Cunha questionou no STF o interrogatório em que Camargo diz a Sérgio Moro que o deputado cobrou recebimento de propina. Segundo o parlamentar, o juiz não poderia ter permitido a menção a seu nome porque ele tem foro privilegiado no Supremo. O presidente do STF deu 10 dias para Moro se explicar sobre o tema e determinou que os esclarecimentos sejam feitos antes de ser feita a sentença.

Camargo e Youssef fecharam acordo de delação premiada e confessaram os crimes narrados na denúncia em troca de uma redução de penas. O advogado Nélio Machado, que defende Fernando Baiano, não retornou aos recados da reportagem ontem em seu escritório e celular. Ele já pediu que o juiz Sérgio Moro seja impedido de julgar o caso por considerá-lo suspeito e parcial. Machado ainda pediu a anulação dos acordos de delação. Procurada, a Samsung não se manifestou. Desde dezembro, o Correio não tem obtido esclarecimentos da empresa.

"Conforme exposto no último interrogatório deste processo, Júlio Camargo passou a sofrer diversas pressões de Fernando Soares, o qual agia em nome de um dos agentes políticos destinatários finais da propina das sondas”
Trecho das alegações finais do documento do Ministério Público

Depoimento
O doleiro Alberto Youssef, um dos principais operados do esquema de corrupção na estatal, prestou novo depoimento, na manhã de ontem, a policiais federais. Entre outros pontos, a Polícia Federal abordou um suposto beneficiamento a partir de manobras ilegais da campanha à reeleição do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB). Youssef já tinha sido ouvido pelo Ministério Público Federal sobre a mesma questão.

Os pedidos

» Recuperação do dinheiro de propina recebida e pagamento de multa pelos réus: R$ 296 milhões
» Manutenção da prisão dos réus mesmo que recorram
» Condenação de Nestor Cerveró por dois atos de corrupção passiva agravada e 64 atos de lavagem de dinheiro
» Condenação de Fernando Baiano por dois atos corrupção passiva agravada e 64 atos de lavagem
» Condenação* de Júlio Camargo por dois atos de corrupção ativa, 64 de lavagem e 7 atos de crime contra o sistema financeiro nacional
» Condenação* de Alberto Youssef, por 17 atos de lavagem de dinheiro

*Camargo e Youssef fecharam acordo de delação premiada. O primeiro está recolhido em casa e, se condenado, ficaria em regime de prisão domiciliar, a depender do entendimento do juiz. Youssef já está preso por condenações da Lava-Jato, limitadas a um período de três anos, conforme seu acordo

Convocações no Congresso

João Valadares
Rompido oficialmente com a gestão Dilma Rousseff (PT), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), negocia nos bastidores a convocação dos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Edinho Silva (Secretaria de Comunicação) e ainda do ex-ministro José Dirceu. A estratégia para minar o Palácio do Planalto será posta em prática após o recesso parlamentar, no início de agosto. Os três haviam escapado após um acordo entre oposicionistas e governistas, costurado pelo relator do colegiado, deputado Luiz Sérgio (PT-SP). No lugar de aprovarem os requerimentos mais antigos, que tinham Dirceu como principal alvo, acertaram a ida do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

Ouvidos ontem pelo Correio, integrantes de diversos partidos alegaram que será difícil conter o ímpeto de vingança de Cunha e que as convocações devem mesmo ser postas em pauta para apreciação. O peemedebista, que também prepara uma pauta-bomba para ser votada após o recesso, atribui ao governo e ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o depoimento do executivo Júlio Camargo. Cunha foi acusado de receber propina no valor de US$ 5 milhões referente a contratos de US$ 1,2 bilhão assinados entre a Petrobras e a Toyo Setal.

Em entrevista coletiva para anunciar o rompimento com o governo, Cunha citou que, no Planalto, há “um bando de aloprados”, numa referência implícita ao ministro Mercadante. Numa suposta ida à CPI da Petrobras, o petista teria que explicar o repasse de R$ 250 mil feito pela UTC a sua campanha ao governo de São Paulo, em 2010. Em delação premiada o dono da empreiteira apresentou documentos que comprovariam doação, de acordo com ele, fruto de propina. Em nota oficial, o ministro aponta que a doação foi legal e registrada pelo TSE.

Edinho Silva, que exercia a função de tesoureiro da campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff, é mencionado pelo dono da UTC, Ricardo Pessoa, por ter o pressionado para que a construtora realizasse doação de R$ 7,5 milhões. O ministro nega as acusações.

Dirceu foi citado por um dos delatores da Operação Lava-Jato como beneficiário do esquema de corrupção a partir de contratos da Petrobras. Por meio de consultorias, o petista recebeu R$ 10,18 milhões de oito empreiteiras envolvidas na Lava-Jato. A JD Consultoria, do próprio Dirceu, é alvo de inquérito porque as empresas são acusadas de lavar dinheiro desviado da Petrobras por meio de serviços fictícios.