Governo perde outra no Congresso

 

Em nova derrota do governo, o Senado aprovou ontem a medida provisória que estende a todos os aposentados as regras de reajuste do salário mínimo. A fórmula garante que o trabalhador e que o aposentado tenham ganhos reais — acima da inflação — de acordo com o crescimento da economia. O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), disse, após a votação, que a presidente Dilma Rousseff vetará a medida aprovada ontem.

AILTON DE FREITASNovo round. Renan (à direita) preside a sessão em que o governo foi derrotado, enquanto Delcídio (sentado ao seu lado) conversa com outros senadores, incluindo o tucano Aécio Neves

A MP original editada pelo governo apenas prorrogava até 2019 a atual regra de reajuste do mínimo, que vencia este ano. Ela só beneficiava os aposentados que recebem o piso salarial. O texto estendendo a política para todos os aposentados do INSS foi aprovada na Câmara e ontem acabou sendo mantido no Senado, apesar das manobras de última hora do governo para tentar derrubá- lo. Agora, a MP vai à sanção de Dilma.

— A presidente vai vetar a proposta que estende o reajuste para todos os aposentados. Não tem jeito. Isso quebra a Previdência, não é exequível — disse Delcídio, muito irritado, após o resultado da votação.

A regra prevê que os vencimentos devem ser reajustados pelo índice de inflação (INPC) do ano anterior, somado ao crescimento do PIB de dois anos antes. Ou seja, para 2016, será aplicado o índice de inflação deste ano mais o PIB de 2014. Em termos práticos, o impacto financeiro seria baixo nos próximos dois anos, já que a economia cresceu apenas 0,1% no ano passado e este ano está em retração.

A avaliação do governo, porém, é que a implantação do conceito de reajuste acima da inflação para todos os aposentados quebrará as contas da Previdência quando o país voltar a crescer.

DÉFICIT DE 72 BILHÕES ESTE ANO

O déficit da Previdência para este ano está estimado em R$ 72,79 bilhões. O governo calcula que, a cada ponto percentual que a economia crescer, o custo com as pensões aumentará em cerca de R$ 2 bilhões. E que, se proposta estivesse em vigor nos últimos nove anos, o impacto seria de R$ 8,1 bilhões em média ao ano.

Como em 2014 a economia só cresceu 0,1%, o impacto em 2016 ficaria em R$ 200 milhões. Em 2017, não haveria impacto já que este ano o PIB deve ser negativo, e em 2018 deve ser pequeno, pois as perspectivas para o próximo ano são ruins. O temor é o rombo que a regra causaria a partir de 2019.

Para permitir o veto apenas do trecho que estende a regra para todos os aposentados, o líder do governo conseguiu apresentar uma emenda separando-a da parte que prorroga a política de valorização do salário-mínimo. A votação ocorreu em clima de muito nervosismo, com os aposentados gritando nas galerias e os servidores do Ministério Público da União, que reivindicam reajuste salarial, fazendo um barulho ensurdecedor na lateral do Senado.

Delcídio tentou evitar a votação, mas foi derrotado duas vezes. Primeiro, patrocinou a votação de emenda do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que trocava o INPC por outro índice de inflação, o IPC-C1, calculado e divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O objetivo não era aplicar a nova fórmula, mas apenas obrigar o texto a voltar para a Câmara. Assim, o governo ganharia tempo para tentar uma solução alternativa que não obrigasse a presidente a sofrer o desgaste de vetar uma medida que beneficia aposentados.

No entanto, a emenda de Cristovam foi rejeitada por 34 votos a 25, mesmo com o PT e o governo encaminhando a favor dela.

O senador pedetista foi vaiado pelos aposentados que lotavam as galerias do plenário. Os aposentados queriam a manutenção do texto aprovado na Câmara e aplaudiram quando a emenda foi derrotada.

— Essa emenda do senador Cristovam é a destruição da política de valorização do salário-mínimo — discursou o petista Paulo Paim (RS), sob aplausos.

Paim alegou que o índice proposto por Cristovam era menor do que o INPC.

— O Paim jogou para a plateia. Eu joguei para os 16 milhões de brasileiros que não entram aqui — reagiu Cristovam.

— O governo tantas e tantas vezes pediu para que não mudássemos determinadas medidas, para que elas não retornassem à Câmara por questões de prazo. Agora, o governo esquece esse discurso e abraça uma proposta que é meritória, mas que tem um efeito concreto: derruba uma conquista alcançada na Câmara com muito suor, com muita dificuldade — disse o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB).

Atônito com a derrota na votação da emenda de Cristovam, Delcídio pediu ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que suspendesse a votação do texto final, manobra regimental que nunca ocorre. Renan aceitou o pedido, sob protestos de vários senadores. Mas ele acabou decidindo votar a o texto horas depois, encerrando o processo de votação da medida.

— A base está desesperada. Vários senadores do governo estavam presentes em plenário e não votaram — disse o tucano Cássio Cunha Lima.

Apesar de formalmente integrar a base, Paim festejou a aprovação:

— Se não houver uma política salarial que garanta que o benefício do aposentado cresça, no mínimo, o correspondente ao salário-mínimo, com certeza absoluta, ligeirinho, ligeirinho, todos os aposentados do Regime Geral ganharão somente um salário-mínimo, não importando se pagaram sobre dez, cinco, oito ou três — disse Paim.

 

Planalto fecha acordo para compensar estados por mudanças no ICMS

O governo fechou um acordo com o Congresso Nacional para destravar a reforma do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que é estadual. O último obstáculo era a criação de um fundo que vai compensar os estados pelas mudanças na alíquota do tributo. Mas o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, costurou com os parlamentares um acerto pelo qual a fonte de recursos para esse fundo virá da arrecadação de impostos que for obtida com a repatriação de dinheiro remetido para o exterior sem ser declarado à Receita. A medida está num projeto de lei que já tramita no Congresso e que será colocado em votação nos próximos dias.

AILTON DE FREITAS/6-7-2015Joaquim Levy. Novo tipo de tributação afetaria as camadas mais ricas

A ideia é abrir um prazo para que os contribuintes ingressem com esse dinheiro no Brasil, acertem as contas com o Leão e fiquem anistiados de crimes como sonegação, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Quando os recursos ingressarem no país, eles serão tributados a uma alíquota de 17,5% em Imposto de Renda (IR) e mais 100% de multa. Segundo cálculos dos parlamentares, o potencial de arrecadação é de, pelo menos, R$ 40 bilhões, sendo que metade disso iria para o fundo dos estados.

Segundo o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que tem participado das discussões com Levy, o governo vai editar uma medida provisória criando o fundo de compensação. Ele vai receber os recursos para financiar projetos de infraestrutura nos estados e recompor perdas com as mudanças no ICMS. Os detalhes finais serão acertados num café da manhã hoje entre Levy e senadores.

Randolfe lembrou que a proposta também é uma forma de o governo responder às críticas de que o ajuste fiscal está sendo feito apenas sobre os trabalhadores, pois a repatriação é uma forma de tributar as camadas mais ricas da população.

—É a primeira experiência de tributação dos mais ricos. O ministro Levy está empolgadíssimo — disse o senador.

A ideia de repatriação circula no governo e no Congresso há quase uma década, mas nunca foi adotada por ser considerada polêmica. A justificativa é que ela poderia beneficiar pessoas que esconderam dinheiro decorrente de crimes como tráfico de drogas e armas fora do país. No entanto, o governo agora está negociando uma série de acordos internacionais de troca de informações tributárias. Assim, caso o Ministério Público observe que essa operação envolveu recursos de origem ilícita, como tráfico de drogas, o contribuinte poderá ser processado.