Com meta menor, dólar dispara e bolsa desaba

24/07/2015 

Rosana Hessel
 
Mercado financeiro reagiu muito mal à decisão do governo de baixar o superavit primário deste ano para apenas 0,15% do PIB. Real foi a moeda que mais se desvalorizou no mundo ante o real, fechando a R$ 3,296. Bovespa tombou 2,18% .

Os investidores deram ontem um claro sinal de descontentamento com a decisão do governo de reduzir as metas fiscais deste ano e de 2016 e 2107. O dólar disparou e a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) despencou. A percepção foi a de que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que assumiu com um discurso duro sobre a necessidade de se arrumar as contas públicas, teria jogado a toalha e empurrado o país para o rebaixamento, a ponto de perder o selo de bom pagador.

Os investidores acreditam que, num ambiente político hostil, é muito provável que o país encerre o ano com deficit fiscal, uma vez que as medidas para garantir receitas extraordinárias de até R$ 26,4 bilhões não serão aprovadas a tempo pelo Congresso. “Estamos vivendo em um ambiente de grandes incertezas. É natural que o mercado coloque isso no preço. Faz parte do jogo. São muitas as dúvidas; por isso, a tensão”, disse o economista-chefe da Votorantim Corretora, Roberto Padovani.

O Ibovespa, que mede a lucratividade das ações mais negociadas no pregão paulista, desabou 2,18%, para os 49.806 pontos. O dólar, por sua vez, subiu 2,17%, fechando a R$ 3,296, a maior cotação desde 19 de março. Ao longo do dia, a moeda norte-americana ultrapassou os R$ 3,30, provocando um susto no governo. Ontem, o real foi a moeda que mais se desvalorizou em relação à divisa dos Estados Unidos. No ano, também é a moeda que mais perdeu valor ante o dólar. No acumulado do mês, só teve desempenho melhor que o peso colombiano.

Frustração

Segundo o governo, a meta de superavit primário deste ano caiu de 1,13% para 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, a economia para pagamento de juros será de apenas R$ 8,7 bilhões. Há ainda a possibilidade de o governo abater dessa meta R$ 26,4 bilhões se houver frustração de receitas, o que, se concretizado, resultará em um rombo de R$ 17,7 bilhões.

Esse números surpreenderam o mercado. Havia a expectativa de que a meta deste ano recuasse para, no máximo, 0,6% do PIB. O corte drástico revelou que a situação fiscal do país está muito pior do que se imaginava, mesmo com a dificuldade do governo de aprovar, no Congresso, o pacote de medidas preparado por Levy. Para piorar, os investidores levantaram dúvidas sobre a capacidade do ministro da Fazenda de continuar conduzindo o ajuste.

Interlocutores de Levy afirmaram que a decisão de uma meta fiscal tão baixa foi consenso entre a equipe econômica e a presidente Dilma. O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, disse, no entanto, que o superavit tão baixo sinalizou mais uma derrota do ministro da Fazenda. “Por várias vezes, ele colocou que não estava confortável com a revisão da meta, especialmente uma tão grande. Creio que, cada vez mais, os ministros de esquerda estão ganhando espaço sobre o perfil reformista de Levy”, disse ele, citando Nelson Barbosa, do Planejamento, e Aloizio Mercadante, da Casa Civil.

Juros

Na avaliação do economista-chefe da INVX Global Partners, Eduardo Velho, a redução da meta até 2017 e uma elevação moderada para 2018 “apontam uma margem de manobra limitada do governo para desvincular receitas e cortar gastos para compensar a perda de arrecadação”. Segundo ele, a sinalização de um resultado fiscal pior ainda levanta dúvidas em relação à intensidade do aperto monetário que vem sendo dado pelo Banco Central para retomar o controle da inflação.

No início da semana, 89% das apostas eram de que o Comitê de Política Monetária (Copom) elevaria a taxa básica de juros (Selic) em 0,25 ponto percentual na próxima semana, para 14%. Agora, diante da expectativa de que o BC terá que ser mais rigoroso para compensar o afrouxamento na área fiscal, 74% indicam aumento de 0,5 ponto, para 14,25%.

Essa visão se consolidou mesmo com a perspectiva de um tombo maior na economia. O governo trabalha com retração de 1,49%, mas os analisas falam em tombo superior a 2%. Essa retração deve continuar em 2016, segundo o economista Caio Megale, do Itaú Unibanco. Ele prevê tombo de pelo menos 0,2% do PIB no ano que vem.


Corte de emendas

Mesmo em recesso, deputados e senadores entraram em polvorosa ontem diante do novo contingenciamento de R4 8,6 bilhões anunciados pelo governo. Há o temor de que os cortes adicionais
no Orçamento peguem em cheio as emendas parlamentares. Segundo o deputado Hugo Motta (PMDB-PB), os municípios estão vivendo a maior crise da história recente e precisam das emendas para executar obras importantes. Para o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD-SP), dependendo da forma como forem feitos os cortes — o detalhamento ocorrerá até 30 de julho —, há a possibilidade de os parlamentares recorrerem ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Dilma reforça apoio a Levy

ANTONIO TEMÓTEO

O Palácio do Planalto agiu ontem na tentativa de dissipar todas as insinuações de fragilidade do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A presidente Dilma Rousseff teme que os investidores acabem incorporando como verdade um possível descontentamento do subordinado com a redução da meta fiscal deste ano, de 1,13% para 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB), e elevem o grau de desconfiança em relação ao país.

Dilma convocou auxiliares para mostrar que não há divergências de Levy com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, sobre os superavits primários menores neste ano, em 2016 e 2017. O que houve, segundo a presidente, foi um debate de ideias com o único objetivo de se encontrar o melhor caminho para as contas públicas do país, que realmente estão em situação bastante delicada, devido à frustração de receitas.

Segundo assessores de Dilma, é importante que os mercados, que reagiram muito mal ontem às novas metas fiscais — o dólar disparou e a bolsa de valores, caiu —, se conscientizem de que o ministro continua contando com a confiança da petista. E que a equipe econômica está unida. “Levy não perdeu força. Continua desfrutando de todo o poder que a presidente lhe deu para cumprir a missão de pôr as contas em ordem”, assinalou um técnico.

Divergências

Apesar do apoio de Dilma, as desconfianças em relação à capacidade do governo de cumprir as metas fiscais, mesmo que menores, aumentaram. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que está rompido com o governo, disse que o superavit primário de apenas 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano não será cumprido. “Estamos correndo risco grave de perder o grau de investimento (selo de bom pagador). O risco nunca esteve tão grave como está agora”, afirmou ele, que foi avisado por Levy sobre a mudança das metas. No entender de Cunha, o governo demorou demais para propor alterações nas metas. “Não será superavit, será deficit”, sentenciou.

Ciente da disposição de Cunha de atrapalhar o caminho do governo no Congresso, o Palácio do Planalto recomendou ao ministro do Planejamento que procurasse ontem o presidente do Senado, Renan Calheiros, para explicar a nova realidade do ajuste fiscal.

Dívida vai a 70% do PIB

As novas metas fiscais do governo para os anos de 2015 a 2018 pioraram o endividamento público brasileiro. Especialistas acreditam que, com essas novas previsões de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública), não será possível uma redução da proporção da dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos anos.

Em relatório aos clientes, o Itaú Unibanco prevê que a dívida bruta do país deve ultrapassar 70% em 2017, uma das piores taxas do mundo emergente. “Em função das novas metas, avaliamos que a dívida pública bruta seguirá em trajetória de alta, atingindo 65% do PIB no fim deste ano. Em 2016, passará para 68,8%; e, em 2017, chegará a 70,3%, passando para 71,6%, em 2018”, afirmou o economista do banco Caio Megale.

“Para que a relação dívida/PIB tivesse queda ou se estabilizasse, era preciso que o governo registrasse superavit de 2% a 2,5% nos próximos anos”, explicou Megale. Assim como o governo, que aprofundou a projeção de queda do PIB de 1,2% para 1,49% neste ano, o Itaú também reviu as previsões, só que de maneira ainda mais dura: prevê retração de 2,2% em 2015 — bem acima do recuo de 1,7% estimados até o mês passado. Para 2016, a expectativa do banco é que a economia caia 0,2%.

Frustração

A adoção de uma nova meta de superavit primário neste ano — de 0,15% PIB ou R$ 8,7 bilhões —, de acordo com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ocorreu devido à frustração na receita líquida em R$ 46,7 bilhões e pelo aumento de R$ 11,7 bilhões nas despesas obrigatórias. A projeção para o resultado primário de 2016 passou de 2% para 0,6% e a de 2017, de 2% para 1,3%. Já o objetivo fiscal para 2018 foi mantido em 2% do PIB, conforme o relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas primárias enviado quarta-feira ao Congresso.

“A redução das metas evidencia o impacto da queda na atividade econômica na arrecadação e as dificuldades de implementação do ajuste fiscal”, disse o relatório do Itaú. O banco reduziu as projeções de resultado primário de 1% para 0,7%, em 2016. Espera 0,9% do PIB, em 2017; e 1,2%, em 2018.

O governo ainda anunciou que, caso haja qualquer frustração na estimativa de receitas extraordinárias, poderá abater R$ 26,4 bilhões na meta fiscal, o que implicaria deficit de R$ 17,7 bilhões, ou 0,3% do PIB, pelas contas do Itaú.