Crise política derrete a bolsa e infla o dólar

Antonio Temóteo

21/07/2015 
 
Incertezas sobre o ajuste, com acirramento das disputas no Congresso, e novos indiciamentos na Lava-Jato derrubam papéis de estatais e levam Bovespa a queda de 1,36%. Aversão ao risco, leva investidor para moeda dos EUA, que fecha cotada a R$ 3,201.

A semana começou com alta dose de nervosismo no mercado financeiro. O agigantamento da crise política que pode dificultar a aprovação de parte das medidas do ajuste fiscal levou os investidores à beira do pânico. Na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), a opção foi pela venda maciça de ações de empresas estatais, cujos preços derreteram. No mercado de câmbio, a ordem era buscar proteção no dólar, que registrou o terceiro dia consecutivo de alta e fechou o dia cotado a R$ 3,201, elevação de 0,21%. “A tensão está se elevando muito rapidamente, pois as incertezas não param de aumentar quando se olha para Brasília”, disse Felipe Chad, analista da DX Investimentos.

Em meio à desconfiança, os papéis da Petrobras puxaram a queda de 1,36% do pregão paulista. Os papéis preferenciais da companhia caíram 5,35% e os ordinários, com direito a voto, despencaram 6,18%. O derretimento das ações foi impulsionado pelo indiciamento o presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, pelos crimes de fraude em licitação e corrupção passiva com base nas investigações da Lava-Jato. Outras sete pessoas foram denunciadas ao Ministério Público.

Para piorar a situação, o preço do barril do petróleo chegou a ser cotado a menos de US$ 50 e fechou o dia valendo US$ 50,15, o menor nível desde 2 de abril. A aversão ao risco levou os investidores estrangeiros a se desfazer dos papéis da petroleira. Além disso, relatórios de mercado apontaram que as exportações da Arábia Saudita diminuíram ao menor nível em cinco meses, mesmo com a produção em nível recorde, acima de 10 milhões de barris por dia.

Entre as estatais, a Eletrobras também encerrou o pregão com queda no preço das ações. O valor dos papéis ordinários teve queda de 2,41% e os preferenciais 1,63%. A retração ocorreu após os boatos de que o escritório norte-americano Rosen Law Firm prepara uma ação coletiva contra a estatal, nos moldes do processo que tramita contra a Petrobras. Os advogados devem reclamar as perdas dos acionistas pelo envolvimento da empresa do setor elétrico nos esquemas de corrupção investigados pela Operação Lava-Jato.

Cenário

Na opinião de Chad, da DX Investimentos, a crise política tem agravado o cenário econômico, uma vez que as estatais estão no centro dos escândalos de corrupção. Conforme ele, a cada notícia negativa que surge, as companhias envolvidas na Operação Lava-Jato sofrem com perda de valor.

No mercado de câmbio, o dólar chegou a ser negociado a R$ 3,224 ainda influenciado pela decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), anunciar o rompimento formal com o governo. O gerente da Fair Corretora, Mário Battistel, explicou que o mercado estrangeiro passou o dia sem turbulências, após a Grécia fechar acordo com credores e iniciar o processo de pagamento de dívidas. Para ele, as sinalizações de Cunha e do presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), de que criarão problemas para o governo estão afugentando os investidores.

Conforme Battistel, as pressões externas ainda são grandes, sobretudo dos Estados Unidos. O Federal Reserve (Fed, banco central norte-americano) deve iniciar o ciclo de alta de juros nos próximos meses, o que levará muitos investidores a retirarem recursos dos mercados emergentes para aplicar na maior economia do mundo. “Mas isso é questão para o futuro. Os problemas aumentaram com a reunião do governo com a Moddy’s. A queda do rating e a sinalização de outro rebaixamento devem fazer o dólar disparar”, comentou.

CPI do BNDES ameaça economia

O governo avalia que a CPI anunciada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para investigar contratos do BNDES pode paralisar a instituição e causar sérios prejuízos à economia; até maiores do que os provocados pela da Petrobras. A avaliação foi feita ontem, em reunião da presidente Dilma Rousseff com ministros que compõem a coordenação política do governo. Segundo fontes, a equipe econômica estuda abrir uma linha de capital de giro, financiada pelo BNDES, para socorrer empresas em dificuldades financeiras após a Operação Lava-Jato, com o objetivo de evitar quebradeiras e demissões em massa. Ministros dizem, porém, que nada disso será levado adiante se a CPI vingar.

Defesa das pedaladas

O governo já bateu o martelo na defesa que deverá encaminhará entre hoje e amanhã ao Tribunal de Contas da União (TCU) no processo das pedaladas fiscais. Argumentará que os atrasos de repasses do Tesouro Nacional à Caixa Econômica Federal para o pagamento de benefícios como o Bolsa-Família e o seguro-desemprego não se restringiram a 2014 — vinham sendo feitos desde 2000, quando Fernando Henrique Cardoso estava no Palácio do Planalto. Além disso, pelo menos 17 estados adotaram práticas semelhantes às questionadas pelo TCU.

“O que estamos cobrando é coerência”, disse ao Correio o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Segundo ele, o fato de o banco público ter pagado benefícios e só depois ter recebido os repasses do governo não pode ser caracterizado como empréstimo. “Foi uma prestação de serviços e, em nenhum momento, desrespeitou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)”, completou.

O contrato entre a Caixa e a União prevê uma espécie de “conta suprimento”. O governo, explicou Adams, adianta os recursos ao banco, que podem não ser suficientes para cobrir todas as despesas em um determinado mês. Se isso ocorrer, a Caixa cobre e depois vem o acerto. “O importante é que o governo lucrou com essas operações. A fim do ano, a conta suprimento foi superavitária e, sobre o saldo, houve remuneração”, afirmou ele, que se reuniu ontem com a presidente Dilma Rousseff para a definição da defesa ao TCU.

Além dos atrasos à Caixa, a Corte viu irregularidades na equalização de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e no contingenciamento de R$ 28 bilhões do Orçamento. A meta do governo é evitar que, pela primeira vez na história do Tribunal, haja a reprovação de contas. Caso o Congresso acate o parecer do TCU, a oposição poderá pedir o impeachment de Dilma. Pelas regras em vigor, a Corte terá que anunciar sua decisão em agosto.

Meta fiscal não muda agora

ROSANA HESSEL

Levy que deixar reavaliação para o fim do ano para não encorajar gastos

Apesar de toda a pressão do Ministério do Planejamento e de assessores da área política para a redução da meta fiscal deste ano, de 1,1% para 0,6% do Produto Interno Bruto, a presidente Dilma Rousseff deverá manter o objetivo intacto, consolidando posição do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A perspectiva é de que, caso haja alguma mudança no superavit primário, ela só ocorrerá em setembro ou, mais provavelmente, em novembro, durante a última revisão de receitas e despesas a ser enviada ao Congresso.

Segundo interlocutores de Levy, até agora, prevaleceu o argumento de que reduzir a meta fiscal, neste momento, seria como “abrir a porteira”. O Legislativo se sentiria fortalecido a aprovar medidas que ampliam os gastos públicos, e estados e municípios, que contribuem com a meta, poderiam relaxar no compromisso de arrumar as contas. “Temos que dar um sinal claro de que estamos compromissados com o ajuste. Precisamos de mais tempo para ver como realmente se comportarão as receitas e as despesas. Talvez, em novembro, tenhamos a exata noção do superavit que poderemos entregar se forma transparente”, disse um técnico da equipe econômica.

A possibilidade de redução da meta foi discutida ontem durante a reunião de coordenação política, no Palácio do Planalto. À tarde, a questão voltou a ser debatida pela Junta Orçamentária, composta por Levy e pelos ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Casa Civil, Aloizio Mercadante, mas não se chegou a uma decisão. “O mercado trabalha com a expectativa de um resultado primário menor este ano. Houve uma frustração de receita, e estamos analisando quais são as alternativas. Qualquer que seja a decisão, vamos elevar o resultado primário em relação ao ano passado”, disse Barbosa.

A equipe econômica tem até amanhã, quando a Junta volta a se reunir, para entregar um relatório bimestral de avaliação, que permite a revisão da meta fiscal. O economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, prevê um superavit primário, no máximo, 0,6% do PIB em 2015, mas acha que reduzir a meta agora não seria um bom sinal. “É melhor esperar até setembro. Os indicadores estão ruins e há muita instabilidade política prejudicando o ajuste fiscal. Levy precisa manter a meta e dar alguma sinalização de que poderá mudar no próximo relatório”, disse ele. (Colaborou Julia Chaib)

Congresso parado piora situação

Os investidores estão céticos quanto a capacidade do governo de driblar a crise política, mesmo com o recesso do Congresso Nacional. Não à toa, o risco Brasil disparou. Os Credit Default Swap (CDS) do país, uma espécie de seguro contra possíveis perdas, dispararam ontem 8,5%, fechando nos 276 pontos, voltando aos níveis pós-eleição presidencial do ano passado, quando havia muitas dúvidas sobre qual seria a equipe econômica da presidente da República, Dilma Rousseff.

O economista da Tendências Consultoria Bruno Lavieri explicou que com o aumento dos riscos no país, os investidores pensam duas vezes antes de colocar dinheiro em uma economia que não dá sinais de recuperação. Na opinião dele, pelo menos até dezembro o mercado de câmbio e a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) sofrerão forte volatilidade em meio à crise política. “A tendência é que a coisa piore durante o recesso do Legislativo porque o mercado ficará sem referência do que pode acontecer após a volta dos trabalhos. Quanto mais notícias ruins, mais o dólar encarecerá”, disse.

Lavieri explicou que enquanto o cenário externo aponta para um momento de menos incertezas, após a Grécia fechar acordo com credores, no Brasil, não há expectativa sobre quando as dificuldades políticas diminuirão. Nas contas dele, o dólar deve terminar o ano cotado a R$ 3,15. O economista-chefe da GO Associados, Alexandre Andrade, acredita que as ações das estatais permanecerão com preços voláteis. Para ele, a tendência é que a crise política piore e isso afugente ainda mais os investidores.

Para Andrade, os riscos de a Moddy’s rebaixar na nota de crédito do país e ainda sinalizar expectativa negativa aumentaram ainda mais com a decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de romper com o governo. Ele ressaltou que as dificuldades não param de crescer para retomada do crescimento e que parte dessa recuperação passa pelo fortalecimento do mercado de capitais. (AT)