Moro pede explicações sobre anotações de Marcelo Odebrecht

 

O juiz Sérgio Moro, da Lava- Jato, deu dois dias para que a Odebrecht explique anotações no celular, apreendido em 19 de junho, do presidente da companhia, Marcelo Odebrecht. - SÃO PAULO - O juiz Sérgio Moro, responsável pelas ações da Lava- Jato na Justiça Federal do Paraná, deu dois dias para advogados da Odebrecht explicarem anotações encontradas no celular do presidente da companhia, Marcelo Odebrecht, apreendido em 19 de junho, quando ele foi preso. A Polícia Federal produziu um relatório apontando que os textos fazem referência às investigações da Lava- Jato, mostram preocupação com o envolvimento de executivos do grupo na investigação, indicam estratégias da empreiteira e citam políticos. Boa parte das informações, porém, ainda não foi decifrada pela PF.

MICHEL FILHO/ 15- 6- 2015Enigmas. PF tenta decifrar notas tiradas do celular de Marcelo Odebrecht

O juiz Moro escreveu, no despacho de ontem, que todas as anotações estão “sujeitas a interpretação”, mas classifica como “perturbador” um trecho que faria referência a uma tentativa de atrapalhar as investigações. Em um arquivo sem data, o empresário escreveu “trabalhar para parar/ anular ( dissidentes PF)”. A Odebrecht informou que os advogados do grupo vão responder ao juiz dentro do prazo legal e criticou “a intenção de atribuir ao diretorpresidente da holding pretensas intenções extraídas de raciocínios especulativos”.

A leitura da transcrição das anotações de Marcelo revela que a palavra “swiss” aparece com frequência, no que pode se referir à Suíça. Em um tópico sem data com o título “Delação/ fallback ( RA)”, ele escreveu: “Afinal o que tem contra RA e MF? Risco Swiss? E EUA?" Para os investigadores, as siglas RA e MF são as iniciais de dois executivos da Odebrecht também investigados pela LavaJato: Rogério Araújo e Márcio Faria. Nas anotações, Marcelo diz para “não movimentar nada e reimbolsaremos tudo e asseguraremos a familia ( sic). Vamos segurar até o fim. Higienizar apetrechos MF e RA.” Os agentes federais interpretaram a primeira frase como “clara intenção de Marcelo em proteger” os executivos, orientando eles a não mexer em contas no exterior. Eles concluíram que “higienizar” pode ser uma forma de pedir para apagar arquivos dos equipamentos eletrônicos dos dois funcionários.

MEDO DE LISTA NEGRA

Além da preocupação com os executivos, os textos de Marcelo mostram cuidado com a repercussão das investigações da LavaJato em financiamentos internacionais. Ele escreveu: “Cair em uma lista negra do Banco Mundial tem implicações gravíssimas e consequências amplas no sistema financeiro”.

O despacho de Moro não pede esclarecimentos sobre os 17 políticos ou autoridades de vários partidos cujos nomes ou iniciais aparecem nas anotações de Marcelo. Segundo o relatório, não há nenhum indício que ligue esses nomes a atividades ilícitas.

Em um dos tópicos, de janeiro de 2013, por exemplo, Marcelo escreveu “créditos - BMX: Vacareza e Zaratini: 3% ( aprox 27M)”, referência, afirma a PF, a Cândido Vaccarezza e Carlos Zaratini, ambos do PT. BMX foi apontado como um empreendimento da Odebrecht na Marginal do Pinheiros, Zona Sul de São Paulo. Vaccarezza, ex- deputado, disse que nunca recebeu nada de Marcelo e que não tem nada a ver com a Lava- Jato. O deputado federal Zarattini afirmou que não sabe o que é o “projeto BMX” nem os valores citados na anotação do empresário.

No mesmo arquivo há um tópico “Notas Antigas”, que cita a frase “adiantar 15 p/ JS”, seguida de “IPI até dez e pis/ cofins até jan”. Segundo a PF, a sigla JS “possivelmente indica a pessoa de José Serra”. Procurada, a assessoria de imprensa do senador tucano respondeu: “O senador, como é evidente, não tem a menor ideia do que se trata.”

Uma outra anotação, sem data, encontrada no celular de Marcelo diz que é preciso ter “contato ágil/ permanente com o grupo de crise do governo e nós para que informações sejam passadas e ações coordenadas”. A PF não sabe quando a anotação foi feita.

Em um bloco de notas que não tem data, Marcelo escreveu: “Vazar doação campanha. Nova nota minha mídia? GA, FP, AM, MT, Lula? E Cunha?”. As siglas foram traduzidas pelos agentes federais como sendo do governador de São Paulo Geraldo Alckmin ( PSDB), do governador de Minas Gerais Fernando Pimentel ( PT), do diretor jurídico da Odebrecht, Adriano Maia, do vice- presidente da República, Michel Temer ( PMDB), do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha ( PMDB).

Alckmin disse que teve uma reunião com Marcelo no ano passado para falar sobre uma usina de tratamento de esgoto, mas colocou em dúvida se a sigla GA trata- se da abreviação de seu nome. Disse ainda não ter “a menor ideia” do que seja a citação. Temer atribuiu a “uma inferência da PF” a citação das iniciais MT como sendo suas. Ele garantiu não ter “nenhuma relação com fatos delituosos. O Instituto Lula e Pimentel não comentaram. O governador de Minas é citado em outra anotação, na qual Marcelo escreve: “FP: ela cai eu caio”

A assessoria de imprensa da Odebrecht informou que esse relatório da PF “presta um desserviço à sociedade e confunde a opinião pública”.

 

PF confirma 72 idas de Baiano à Petrobras

 

Auditoria interna da Petrobras realizada entre março e maio deste ano sobre a fabricação de dois naviossonda pela Samsung Heavy Industries, na Coreia do Sul, revela que o lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB no recebimento de propinas na estatal, reuniu- se 72 vezes com o ex- diretor da área Internacional Nestor Cerveró, na sede da companhia. Os encontros aconteceram ennegócio, fevereiro de 2004 e janeiro de 2008, durante a negociação da construção das sondas.

Baiano foi apontado como “sócio oculto” do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), e teria recebido propinas de US$ 10 milhões pelos contratos dos naviossonda, dos quais US$ 5 milhões para Cunha, segundo afirmou o empresário Júlio Camargo ao juiz federal Sérgio Moro em depoimento na semana passada.

VISITAS DE EMPREITEIROS

A auditoria, anexada ao inquérito que indiciou executivos da Odebrecht, mostra ainda que Júlio Camargo, representante da Mitsui, empresa que ajudou a Samsung a fabricar os navios, foi recebido 18 vezes por Cerveró no período da negociação das sondas. Camargo disse à Justiça que recebeu uma comissão de US$ 53 milhões no dos quais US$ 40 milhões em propinas para políticos e diretores da Petrobras, incluindo Cerveró.

Dirigentes de empreiteiras brasileiras também visitaram Cerveró com frequência no período que antecedeu os naviossonda. Na lista destacada pela auditoria constam Ricardo Pessoa, dono da UTC e considerado pelo Ministério Público Federal ( MPF) como o chefe do cartel de empreiteiras, e os diretores da Odebrecht Rogério Araújo e Márcio Faria, que estão presos em Curitiba e que foram indiciados na segunda- feira pela prática de cinco crimes, incluindo corrupção, lavagem de dinheiro e fraude em licitações.

SUPERFATURAMENTOS

Apesar dos navios- sonda serem iguais, o Petrobras 10.000 custou US$ 603 milhões e o Vitória 10.000, US$ 634,5 milhões, num total de US$ 1,2 bilhão. “As propostas de construir os navios foram sustentadas por premissas otimistas, criando uma expectativa de carteira de trabalho que não se confirmou”, diz o documento assinado por Paulo Rangel, gerente da auditoria.

Depois de mostrar que as negociações foram realizadas “sem prévia autorização da diretoria Executiva, revelando elevada autonomia detida pela área Internacional”, a auditoria explica que “a boa prática de realizar processos competitivos para a seleção de propostas não foi seguida. Os registros das rodadas de negociações e dos respectivos responsáveis foram escassos”.

Os auditores constataram que ao final das construções, os dois navios tiveram um acréscimo de US$ 31,5 milhões, “sem explicação”.