ONZE DIAS DE SALÁRIO PARA O SINDICATO

 

Desconto compulsório provoca disputa na OIT entre as centrais, que defendem cobrança, o MP do Trabalho e a Justiça. Além do chamado Imposto Sindical, que equivale a um dia de salário no ano, um profissional da construção civil do Rio deixa o equivalente a outros dez dias de trabalho para seu sindicato. Isso graças à Contribuição Assistencial. Na prática, o operário que ganha R$ 2 mil por mês, pagará R$ 714 por ano à entidade que o representa, ou algo próximo a um salário mínimo. A defesa da cobrança compulsória dessa taxa é o ponto principal de uma luta internacional das centrais sindicais brasileiras na Organização Internacional do Trabalho ( OIT).

ANTONIO SCORZADescontente. Iuri de Almeida, operário da construção civil há um ano e meio: “Queria tirar esta cobrança, mas aí teria que ir à sede do sindicato, perder um dia de trabalho...”

O desconto de 11 dias de trabalho é a realidade de 183 mil trabalhadores dos setores da construção civil, montagem industrial, mármores e granitos, produtos de cimento, reformas e manutenção do município do Rio. O SintraconstRio aprovou cobrar o equivalente a 2,7% do salário mensal de toda a categoria como contribuição assistencial. Para outros 17 mil, não há o desconto, porque eles foram à entidade pedir a isenção. Mas essa baixa recusa não significa que todos concordem com a taxa.

— Eu queria tirar esta cobrança, que nem é alta, mas aí teria que ir à sede do sindicato, perder um dia de trabalho... Acabei deixando. Muita gente aqui na obra, inclusive, nem sabe que pode tirar. Se fosse mais simples e mais gente soubesse, acho que quase ninguém pagaria essa contribuição — resume Iuri de Almeida, de 22 anos, há um ano e meio na profissão.

A principal justificativa do Sintraconst-Rio para a cobrança é que é a entidade é atuante, conquista bons acordos coletivos e oferece benefícios como aulas e assistências jurídica, médica e odontológica. O sindicato alega que deixou 40 profissionais deslocados para receberem os pedidos de isenção da taxa dos operários.

IMPOSTO SINDICAL: EM 2014, R$ 3,18 BILHÕES

Essa discussão é uma mais recentes polêmicas no universo sindical. Seis centrais foram à OIT contra o posicionamento do Ministério Público do Trabalho ( MPT) e da Justiça do Trabalho, alegando “interferência” nas negociações coletivas e greves. Embora a representação aborde quatro pontos, o principal é a luta para que os sindicatos possam cobrar a Contribuição Assistencial de todos os trabalhadores, não apenas dos sindicalizados.

O país tem três formas de financiamento a sindicatos: mensalidade dos associados, o Imposto Sindical ( o nome oficial é Contribuição Sindical) e as Contribuições Assistenciais. Ninguém no país tem ideia do tamanho dos recursos gerados por esta última. Não há nenhuma fiscalização, a não ser interna. Mas especialistas alertam que deve superar o Imposto Sindical, que ano passado ficou em R$ 3,18 bilhões.

— Como vemos que, em muitos casos, as contribuições assistenciais são maiores que o Imposto Sindical, estimamos que o valor seja bem superior. Já vimos casos de desconto de 15%, 20% do salário mensal — afirma o procurador Francisco Gérson Marques de Lima, coordenador- geral da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical ( Conalis) do Ministério Público do Trabalho.

A CUT, a Força Sindical, além de UGT, NCST, CTB e CGTB foram as entidades que entraram com a reclamação no fim de 2014. Curiosamente, quem assinou o documento pela UGT foi o ex- presidente do Sindicato dos Comerciários do Rio, Otton Mata Roma, então secretário de Relações Internacionais da entidade. Após 40 anos, ele deixou o posto de comando da organização este ano sob acusações de desvios de verbas. Em maio, a OIT decidiu propor a criação de um grupo de trabalho com representantes de trabalhadores, empregadores e governo, com espaço para Judiciário e o Ministério Público. O início dos trabalhos foi em 16 de julho e as conclusões devem ser conhecidas em fevereiro.

— Estamos animados, pois teremos uma solução negociada, debatida dentro do país — afirma Stanley Gacek, diretor adjunto da OIT no Brasil

Ele conta que também estão sendo questionados pontos que podem limitar o direito de greve e a estabilidade dos dirigentes sindicais.

Messias Melo, secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho, acredita que haverá um relatório parcial do grupo entre outubro e setembro e que os trabalhos deverão evoluir bem.

— Acredito que chegaremos a algumas mudanças legais pontuais, vamos deixar mais claro alguns pontos do sindicalismo em sua ação cotidiana — diz ele, lembrando que o ministério não tem capacidade de fiscalizar a vida das entidades por causa da liberdade sindical, prevista na Constituição de 1988, e que esta regra também vale para os sindicatos patronais.

Ele vê o debate confuso quando se misturam contribuições, liberdade sindical e irregularidades:

— Existem alguns problemas nos sindicatos, eles estão sendo apurados. Por outro lado, não podemos esquecer que o Brasil celebra quase 50 mil convenções coletivas de trabalho por ano, muitas trazendo ganhos aos trabalhadores.

A CUT, maior central sindical do país, não se pronunciou sobre esse assunto e nenhum outro tratado na série de reportagens do GLOBO. Miguel Torres, presidente da Força Sindical, afirma que é preciso criar normas para a Contribuição Assistencial, que ele também acredita render mais dinheiro que o Imposto Sindical:

— Temos que buscar uma solução dentro da razoabilidade, mas não podemos esquecer que a ação sindical é para todos, as convenções coletivas beneficiam toda a categoria, então é normal que todos paguem a contribuição.

Ele não vê a necessidade de alterar outros pontos apontados por especialistas como necessários para modernizar o sindicalismo nacional, como o fim da unicidade sindical, que foi estabelecida nos anos 40 do século passado como uma forma do governo Getulio Vargas controlar a organização dos trabalhadores, segundo os estudiosos do tema. Mas defende maior fiscalização e transparência.

Apesar de defender o debate de regras que possam coibir abusos, o presidente da União Geral dos Trabalhadores ( UGT), Ricardo Patah, acredita que é preciso manter a contribuição compulsória.

— Os sindicatos oferecem um sistema assistencial, com médicos, dentistas, entre outros serviços. E temos que levar em conta também que as convenções beneficiam toda a categoria, não apenas os trabalhadores que são filiados — diz ele, que estima que metade das organizações já tenham sofrido ações na Justiça contra a cobrança.

A CSP- Conlutas, contrária ao Imposto Sindical e que não participa do rateio desse dinheiro entre as centrais, posiciona- se contra “cobranças compulsórias dos trabalhadores” e diz que a posição do trabalhador deve ser soberana. “Somos contra o poder normativo da justiça do trabalho bem como a interferência do Estado nas questões que venham a ferir esse princípio”, disse a central em nota.

PROJETO DO SENADO LIMITA CONTRIBUIÇÃO EM 1%

O Senador Paulo Paim ( PT- RS) é autor de um projeto que limita as contribuições assistenciais em 1% do salário do trabalhador ao mês. Assim, caso os sindicatos queiram fazer essa cobrança, terão parâmetros e teto. O texto já foi aprovado no Senado e está em análise na Câmara.

— Soubemos de diversos abusos nessas cobranças, precisamos de limite. Eu sou totalmente favorável à transparência no mundo sindical, não apenas dos trabalhadores, mas dos empregadores, que ainda recebem recursos do chamado Sistema “S” — diz Paim.

A advogada Dânia Fiorin Longhi, mestre em Direito do Trabalho e professora da Universidade Mackenzie, acredita que é necessário retomar gradualmente a discussão em torno de uma reforma sindical. Ela vê dois problemas na legislação atual: a própria contribuição compulsória e a unicidade.

— A liberdade sindical é limitada atualmente, uma vez que temos apenas um sindicato por categoria e essa entidade recebe recursos de trabalhadores sejam eles filiados ou não. Caso fosse liberada a criação de novas organizações e os repasses fossem condicionados à filiação, talvez num primeiro momento tivéssemos um excesso. Mas depois, naturalmente, teríamos poucos sindicatos que sobreviveriam, efetivamente representativos e fortalecidos — comenta Dânia, que não acredita numa maior fiscalização do Poder Público como solução para os abusos, já que poderia sufocar o sistema sindical.