Perdão a dinheiro ilegal enfrenta resistências

15/07/2015


ROSANA HESSEL

Dilma edita medida provisória vinculando recurso remetido irregularmente ao exterior a fundos que compensarão perdas de estados com a redução do ICMS para 4% a partir de 2017. Governo espera arrecadar R$ 25 bilhões. Congresso impõe barreiras.


Apesar do esforço do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ainda levará tempo para ser aprovada no Congresso Nacional a proposta do governo que permite a brasileiros regularizarem, com a Receita Federal, recursos que foram enviados ilegalmente para o exterior. A meta da equipe econômica é que entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões possam retornar ao país nos próximos anos. O dinheiro será taxado em 35%, e metade dos tributos (17,5%) deve ser destinada a fundos que compensarão as perdas dos estados com a reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), prestes a ser votada no Senado.

A repatriação de recursos tem o apoio de governadores, mas ainda não conta com a adesão dos senadores. Ontem, depois de se reunir com Levy, o presidente do Senado, Renan Calheiros, afirmou que o tema precisa ser mais bem discutido em comissões e não ser colocado em votação de forma açodada. Já o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que se encontrou com a presidente Dilma Rousseff, foi enfático: “Nós somos totalmente favoráveis à repatriação de dinheiro que está lá fora, isso é extremamente importante.” 

Para conseguir a adesão dos governadores, Dilma editou a Medida Provisória n º 683 criando dois fundos de compensação aos estados, assim que for aprovada a reforma do ICMS. Um deles será utilizado para ressarcir os governos que tiverem perdas com a mudança das alíquotas do tributo, que hoje varia de 7% a 12%, para 4% a partir de 2017. Denominado Fundo de Auxílio Financeiro para Convergência de Alíquotas (FAC-ICMS), o instrumento terá teto de R$ 1 bilhão por ano para ser repassado aos estados. Já o Fundo de Desenvolvimento Regional de Infraestrutura (FDRI) priorizará investimentos. 

As promessas de Dilma, no entanto, não seduziram os senadores, que não veem garantia de que os recursos para os fundos realmente existirão. Os parlamentares que, até a semana passada, apoiavam a reforma do ICMS, voltaram atrás, deixando o ministro da Fazenda bastante desapontado. Ele destacou, porém, que é possível avançar nas negociações e que tanto a reforma do ICMS quanto à aprovação do projeto que permite a legalização de recursos de brasileiros no exterior são importantes para o momento pós-ajuste fiscal. Segundo o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, esse tipo de incentivo à repatriação de recursos foi usado, com sucesso, por vários países.

A MP nº 683 diz que os dois fundos serão compostos por recursos vindos de "multa de regularização cambial e tributária relativa a ativos mantidos no exterior". Para garantir as receita, o governo criou um substitutivo do projeto de lei que institui o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), que tramita no Senado desde 2005. Pelo projeto, os contribuintes poderão repatriar os bens dentro de 120 dias, a contar da regulamentação pela Receita, o que deve ser feito em até 90 dias depois da aprovação da medida no Congresso.

Inconstitucionalidade

Além dos 17,5% de Imposto de Renda e de 17,5% de multa, serão cobrados, sobre os valores declarados, Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e Imposto de Importação. O governo espera arrecadar R$ 25 bilhões. As receitas provenientes das multas serão direcionadas aos dois fundos, que são a base do projeto de reforma do ICMS. O restante será destinado para o caixa do Tesouro Nacional, ajudando na composição da meta de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública), atualmente de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB). O projeto da repatriação prevê que a regularização dos recursos seja feita por instituições financeiras sempre que o valor ultrapassar US$ 50 mil.

Especialistas levantam, porém, dúvidas em relação à MP n º 683. Para Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, a medida é inconstitucional, porque o governo está criando uma multa de regularização cambial com efeito arrecadatório, ou seja, um tributo. Ele cita o Inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal, que diz que é vedada a “vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa”. “Não adianta o governo suprimir a palavra imposto e colocar a multa de regularização. É vinculação, e isso é inconstitucional”, frisou. Maciel ressaltou ainda estranhar o fato de o governo usar uma fonte de recurso circunstancial para abastecer um fundo permanente. Procurado, o Ministério da Fazenda não comentou o assunto até o fechamento desta edição.

Segundo o economista Simão Silber, do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP), o governo não deve se animar muito quanto ao valor a ser arrecadado com a repatriação de recursos. “Vários países adotaram esse tipo de medida e foram bem-sucedidos, como é o caso da Itália. Mas a atual conjuntura da economia pode não ser favorável para que isso ocorra. Se o Brasil estivesse em um momento de altíssima credibilidade, poderia arrecadar bastante com essa espécie de perdão oficial. Mas, dados o baixo nível de confiança e a volatilidade dos mercados, seria uma enorme surpresa ver receitas expressivas”, alertou.

Debate antigo

A proposta de repatriação de recursos do exterior é antiga, e há vários projetos encaminhados no Congresso Nacional. Um deles, de 2005, é de autoria do deputado José Mentor (PT-SP). Em 2009, foi a vez de o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) apresentar o PL nº 354. O mais recente projeto (PL 126) é de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP). Foi apresentado neste ano. Na empreitada para levar adiante a proposta de repatriação associada à reforma do  ICMS, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, se reunirá hoje com deputados governistas para debater o tema.

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Levy tenta manter rating

CELIA PERRONE

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, continua incansável na tentativa de evitar o rebaixamento da nota do Brasil pelas agências de risco. Passou o dia em conversas com parlamentares, alertando para o risco de downgrade do país, caso as medidas de ajuste não sejam aprovadas com rapidez. Hoje está prevista a chegada de analistas da Moody´a Brasília para uma nova avaliação do rating. A maioria dos especialistas acreditam que a nota será rebaixada e os principais motivos seriam a instabilidade política do governo Dilma Rousseff e as consequentes dificuldades no Congresso.

Ontem, após uma reunião que durou quase três horas, entre Levy e 12 senadores, no gabinete do presidente da Casa, Renan Calheiros, não se chegou a acordo algum sobre o pacote de medidas que visa a reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). E a criação do fundo de compensação com recursos repatriados, formalizada por meio de MP, não convenceu os parlamentares. Eles querem uma definição de quanto e quando esse dinheiro chegaria aos estados.

Estados

O ministro defendeu a urgência da votação sobre ICMS e rebateu a acusação do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) de que “o governo está fragilizado e quer transferir a crise para os estados”. “Essa é uma iniciativa para a Federação. É importante para os estados. Não é para fazer dinheiro, apesar da necessidade do governo. É para criar investimento, um fundo que permita o desenvolvimento regional”, afirmou.

Segundo Levy, o mecanismo foi criado para dar segurança jurídica às empresas que já estão no país, a fim de que não percam benefícios já garantidos, e também para atrair novos investimentos nos estados. “Essa é uma pauta federativa e, por isso, o Senado tem tanta proeminência”, disse.

Entre os assuntos na pauta do Congresso que precisam ser apreciados para melhorar o caixa do governo e garantir a credibilidade sobre o ajuste, está o projeto de desoneração da folha de pagamento. Se for aprovado agora, ainda poderão entrar no caixa do gvoerno R$ 2 bilhões este ano. O ministro alertou que a não aprovação poderá empurrar a inflação para patamares mais altos dos que o de hoje. “Queremos que o ajuste se dê este ano. O plano ideal é fazer o ajuste rapidamente, de maneira que, em 2016, estejamos colhendo os resultados, em menor inflação, maior crescimento e emprego”, ressaltou.

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Ganho maior no FGTS

O governo decidiu reagir à proposta do Congresso, que prevê mudança na correção do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Na tentativa de convencer os parlamentares a manterem tudo como está — juros de 3% ao ano, mais a variação da Taxa Referencial (TR) —, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, informou ontem que haverá uma alternativa para os trabalhadores ampliarem os ganhos.

Segundo ele, o governo apresentará, até 8 de setembro, um sistema pelo qual os trabalhadores poderão destinar até 30% do saldo no FGTS em um fundo de investimentos em cotas (FIC), que será criado dentro do FI-FGTS, modalidade que usa recursos da conta vinculada para investir em projetos de infraestrutura. O FI-FGTS oferece ganho e risco maior que o fundo de garantia.

Dias explicou que, pelas regras atuais, os trabalhadores não podem aplicar diretamente no FI-FGTS. Por isso, foi aberta a possibilidade de 30% dos saldos serem aplicados em um fundo de cotas. Ele destacou que o esboço do projeto foi apresentado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regula e fiscaliza o mercado de capitais, e terá que passar pelo crivo conselho curador do FGTS.

Dúvidas

O projeto só não avançou ainda, de acordo com o ministro, porque ainda há uma indefinição sobre a melhor forma para autorizar a aplicação dos recursos no FIC, se por meio de um projeto de lei, que terá de ser aprovado pelo Congresso, se por meio de regulamentação via portaria do Ministério do Trabalho. Há ainda dúvidas sobre como os trabalhadores poderão sacar os 30% do seu FGTS em casos de demissão. Muitas das empresas sócias do FI-FGTS não têm ações negociadas em bolsas de valores, o que dificulta a avaliação do valor e a venda das cotas do fundo.

A proposta apresentada pela Caixa Econômica Federal, gestora do fundo de garantia, é limitar a aplicação no FIC a dívidas de companhias que estão na carteira do FI-FGTS há mais de um ano, em vez de ações, o que permitiria atribuir valor às cotas. O risco dos investimentos para os trabalhadores seria o calote das empresas e não mais o desempenho delas no mercado acionário, como ocorre com as aplicações do FGTS em papéis da Vale e da Petrobras, as únicas operações que foram permitidas até hoje.

Dias acredita que, com o projeto do FIC, o governo conseguirá derrubar o projeto defendido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que vincula a correção do FGTS ao rendimento da caderneta de poupança, de 6,17% ao ano mais a TR. Nas contas da Caixa Econômica, se essa mudança ocorrer, os financiamentos habitacionais com recursos da caderneta ficarão bem mais caros.