Influência religiosa na educação pública

 
15/07/2015

Adriana Bernardes

Guilherme Pera

Matheus Teixeira
 

O governador Rodrigo Rollemberg (PSB) sancionou o Plano Distrital de Educação (PDE) com metas ambiciosas para as Escolas do Distrito Federal. O plano do Executivo local, contudo, também representa um “super-retrocesso” para questões de orientação sexual — como classificam o relator do projeto na Câmara Legislativa, Reginaldo Veras (PDT), e especialistas da área. Amplamente discutido e aprovado por todos os atores educacionais de Brasília, o texto original era enfático no combate a preconceitos relacionados a gênero. Modificações propostas por deputados distritais da bancada evangélica e aceitas pelo governo, no entanto, retiraram inúmeras menções à garantia da diversidade sexual. Enquanto a primeira versão do projeto de lei (PL) citava o termo “gênero” 20 vezes e previa “Educação de gênero e sexualidade” nos colégios, a edição final diminuiu para três as aparições da palavra, apenas nos anexos.

Essa não é a primeira vez que Rollemberg cede às pressões da bancada conservadora. Embora, pela Constituição o Estado seja laico, a bancada evangélica tem influenciado projetos importantes. Logo no início do mandato, o chefe do Executivo local criou a Subsecretaria para Assuntos de Pessoas LGBT. Dias depois, porém, rebaixou a pasta a uma coordenadoria e retirou a nomenclatura LGBT, que irritava alguns distritais. Em outros casos, o lobby de deputados evangélicos com o GDF serviu para evitar derrubadas de igrejas construídas em áreas públicas. Revoltados, parlamentares pressionaram o governo contra a demolição de 10 templos irregulares notificados pela Agência de Fiscalização do DF (Agefis) em Ceilândia e, por enquanto, conseguiram.

Discriminação
Assim, o debate em defesa da identidade de gênero e da orientação sexual ficou de fora. “A retirada da questão de gênero é um super-retrocesso. Quando a família não combate a discriminação em casa, o ambiente Escolar é o substituto natural”, afirmou o relator do PL na Câmara, Reginaldo Veras (PDT). O secretário de Educação, Julio Gregório, eximiu o Executivo de responsabilidade no tema. “A população vai atingir um grau de liberdade e com menos preconceitos sem precisar de leis. A nós não cabe um julgamento do texto, cabe o cumprimento do que está ali”, esquivou-se.

Tânia Fontenele, economista e pesquisadora de gênero do Instituo de Pesquisa Aplicada da Mulher (Ipam), critica a adaptação feita pela Câmara ao projeto original, que, de forma explícita, propunha a “superação das desigualdades educacionais com ênfase na promoção de gênero e de orientação sexual”. “Isso representa um retrocesso lamentável”, completa. “Se já havia sido debatido e aprovado pela sociedade e foi suprimido, é atraso e perda de direito. Se uma Professora já tem isso dentro das diretrizes, ainda que tenha opinião contrária, ela terá de respeitar”, avalia.

Segundo Fontenele, quanto mais a parcela LGBT da população estiver cercada por legislação que garanta seus direitos, mais protegida ficará. “É claro que temos muitas leis no país que não são cumpridas. Mas, se ela existir, a pessoa que tem seus direitos violados consegue um parâmetro mínimo para lutar pela garantia deles”, completa.

Os obstáculos
As 21 metas criadas pelo Fórum Distrital de Educação e pelo Conselho de Educação do DF, responsáveis pelo projeto original, foram mantidas. Entre os pontos, está a universalização da Educação infantil para crianças de 4 e 5 anos na Pré-Escola já em 2016; a adequação do plano de carreira dos Professores em até dois anos; a equiparação dos salários com os de outros profissionais de nível superior do DF até 2019; e a oferta de Educação integral em pelo menos 60% das Escolas do Distrito Federal até o prazo final estipulado pelo projeto, em 2024. Para que isso ocorra, a previsão do plano é dobrar os investimentos na área — ampliar o orçamento do setor de 3,23% para 6,12% do PIB do DF. A cada biênio, serão realizadas avaliações quanto ao cumprimento dos objetivos pelo Fórum Distrital de Educação, pelo Conselho de Educação do DF, pela Secretaria de Educação e pela Câmara Legislativa.

Para o Professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Remi Castioni, um dos principais desafios que o plano impõe é a implantação da Educação integral. “Há necessidade de se ampliar os recursos e as condições das Escolas para receber esses Alunos. Na primeira experiência, em Brazlândia, houve muita dificuldade. Aumentar o tempo do estudante na Escola requer adequação do espaço, contratação de funcionários e planejamento”, destaca.

Apesar de o governo alardear que esse é o primeiro plano distrital de Educação, Castioni garante que a cidade teve um na década de 1960, elaborado por Darcy Ribeiro e Ernesto Silva, a pedido do então presidente Juscelino Kubitschek. “Eles organizaram um grupo de Educadores para pensar um plano de Educação. Foi quando surgiu o projeto da Escola parque e da Escola classe. Já naquela época, se falava em Educação integral, uma ideia que Darcy Ribeiro trouxe da Escola Carneiro Leão, de Salvador, quando foi secretário de Educação na década de 1950”, relembra. Segundo Castioni, o plano chegou a ser implantado e, em 1964, com o golpe dos militares, começou o desmonte do projeto.Distritais da bancada conservadora comemoram a aprovação do plano: pressão desde o início da legislatura.
Palavra de especialista - Sucesso está na gestão
A existência de um plano de Educação representa um avanço para o Distrito Federal, e as metas contidas nele são inquestionáveis. Agora, é preciso ver qual recurso o governo vai usar para colocá-lo em prática. A imprensa tem noticiado a crise financeira pela qual passa o GDF, e Escola em tempo integral custa mais dinheiro — o dobro, pelo menos — e, consequentemente, a implantação causará impacto no orçamento.

Há que se entender que Escola de tempo integral não é um tempo físico, é pedagógico. É preciso pensar numa arquitetura educacional se inspirando quem sabe, nas ideias de Anísio Teixeira e de Darcy Ribeiro. Por outro lado, o Distrito Federal já reúne algumas condições que o deixa em vantagem: o salário da Educação é pago pelo Governo Federal e o plano de carreira dos Docentes está entre os melhores do Brasil, apesar de ainda faltar muita coisa.

Mas o sucesso do Plano Distrital de Educação vai depender, fundamentalmente, de gestão, da capacidade de planejamento e de monitoramento eficiente das metas estabelecidas. A Educação é uma área complexa, de valores, e não se obtém resultados de curto prazo. É um trabalho cotidiano de muita gestão em todas as instâncias: nas Escolas, nas superintendências de Ensino e da própria Secretaria de Educação. Além disso, historicamente em qualquer país, se a Educação não tiver o aval direto do governador, qualquer plano está fadado ao fracasso. Ele próprio precisa assumir o compromisso e informar as fontes de recursos para implementar esse projeto.