Em busca de verba desviada

 

O Ministério Público busca US$ 3,5 milhões que seriam do ex-secretário de Assistência Social do Rio Rodrigo Bethlem, segundo informações passadas pelo BSI da Suíça, revelam LUIZ GUSTAVO

SCHMITT e LUIZ ERNESTO MAGALHÃES. Os promotores já localizaram US$ 710 mil que seriam propina de ONG. Baseado em documentos do governo suíço, o Ministério Público investiga uma série de coincidências entre a movimentação financeira do ex-deputado Rodrigo Bethlem no exterior e os contratos firmados durante sua gestão na Secretaria municipal de Assistência Social, de novembro de 2010 a junho de 2012, com a ONG Tesloo, que somaram cerca R$ 50 milhões. Segundo o MP, em pouco mais de três anos, Bethlem movimentou US$ 710 mil (R$ 2,2 milhões) em cinco contas abertas na Suíça como pessoa física ou como procurador de empresas offshore. Os promotores agora tentam rastrear outros recursos que ainda não foram localizados. Num documento do BSI Bank, da Suíça, que traça um perfil do ex-deputado, um gerente da instituição financeira descreve Bethlem como dono de “uma fortuna avaliada em aproximadamente US$ 3,5 milhões (cerca de R$ 11 milhões)”.

Por meio de seus advogados, Bethlem, que teve os bens bloqueados pela Justiça na última quarta- feira, deu outra versão. Ele alega que, na realidade, seria apenas o representante do verdadeiro titular das contas na Suíça. A Justiça também bloqueou os bens de Luiz Medeiros Gomes, assessor do ex-secretário, e do presidente da Câmara dos Vereadores, Jorge Felippe (PMDB), exsogro de Bethlem, acusados de se beneficiarem do esquema.

O ex-secretário substituiu Fernando William na Assistência Social no fim de novembro de 2010. Menos de dois meses depois, no dia 5 janeiro de 2011, foi aberta no Panamá a offshore Scolette Group Inc. De acordo com a denúncia do MP, o nome de Bethlem figurava como “beneficiário autorizado”. Pouco depois, no dia 21 de janeiro, Bethlem aparece no processo como responsável por abrir uma conta vinculada à Scolette no banco suíço Vontobel. Ainda segundo os promotores, pouco mais de um mês depois, uma segunda conta é aberta no Vontobel, dessa vez em nome de Jorge Felippe.

Essa conta chegou a receber um depósito de US$ 154 mil (R$ 481 mil) de um banco americano ( JP Morgan). A quantia foi repassada para a Scolette. Jorge Felippe chegou a negar até ter a conta na Suíça, que nunca foi declarada à Justiça Eleitoral. Depois, confirmou tê-la, mas afirmou que o depósito tinha sido um engano.

Menos de um mês após a abertura da primeira conta vinculada a Bethlem na Suíça, a Tesloo começou a ampliar sua influência na Secretaria de Assistência Social. A ONG, que até então mantinha um único contrato com a prefeitura, teve a parceria renovada em aditivos que somaram R$ 5,7 milhões e ainda firmou mais sete convênios. Foram cerca de R$ 50 milhões em 16 meses. Como secretário, Bethlem defendia a necessidade de contar com ONGs para aumentar a oferta de vagas para dependentes químicos, principalmente de crack, numa estratégia de internação compulsória. A medida acabou sendo revista depois de denúncias de entidades de direitos humanos sobre maus-tratos contra os pacientes.

Os promotores que investigam o suposto desvio de dinheiro afirmam ainda que, após assumir a Assistência Social, Bethlem teria gastado US$ 77 mil (cerca de R$ 240 mil) apenas em viagens aos Estados Unidos e à Europa, entre março de 2011 e abril de 2012, usando cartões vinculados a uma conta pessoal na Suíça e à offshore Scolette. A lista de lojas que aparecem em extratos incluem grifes de luxo, como Prada e Louis Vuitton.

Algumas viagens em 2011 ocorreram meses antes de Bethlem se separar da empresária Vanessa Felippe, filha de Jorge Felippe. Só numa ida a Nova York, em agosto daquele ano, com Vanessa, o ex-secretário teria gastado US$ 17.362 (R$ 54 mil) num cartão de crédito, segundo o MP. No dia 6, por exemplo, está registrada uma compra de US$ 1.233 (R$ 3,9 mil) numa loja da Diesel na Quinta Avenida. Três dias depois, Bethlem teria adquirido mercadorias no valor de US$ 4,4 mil (RS 14 mil) no antiquário Dynasty Fine Arts.

COMPRAS TAMBÉM EM PARIS

Em fevereiro de 2012, outras faturas em nome do ex- deputado, obtidas pelo MP, mostram compras em Paris, em lojas como a de Louis Vuitton, no valor de 2.040 euros (R$ 7,2 mil ), e a relojoaria Bulgary, no valor 2.065 euros (R$ 7,3 mil).

O advogado de Bethlem, Michel Assef Filho, garante que tudo será esclarecido. Sobre as contas na Suíça, ele reforçou a versão, já dada pelo ex-secretário em entrevista ao GLOBO, de que Bethlem seria apenas um representante legal do titular, que seria um amigo íntimo, chamado Pedro Mayrinck. Pedro não quis dar entrevista.

— Em relação aos contratos da Tesloo, não houve qualquer irregularidade. A ONG teve, na verdade, prejuízos com bloqueios de valores que tinha direito de receber. Em relação aos cartões, ainda não tenho informações sobre se meu cliente é titular — disse Assef .

As investigações do Ministério Público começaram no ano passado e tomaram como base conversas gravadas a partir do fim de 2011, após Vanessa Felippe se separar do marido. Os diálogos fazem parte de um dossiê entregue pela empresária à revista “Época”. Na primeira gravação, de novembro de 2011, Bethlem admitia receber propinas da Tesloo e de empresas que prestavam serviços à ONG. O total chegava a R$ 100 mil por mês. Em torno de “R$ 65 mil a R$ 70 mil. Dependendo do que o contratado receber (...) Tem o cara do lanche que vende lanche para todas ONGs”, disse Bethlem para Vanessa em gravações transcritas no processo.

Sob investigação do Ministério Público, do Tribunal de Contas do Município (TCM) e da própria prefeitura por desvio de recursos de convênios, a Tesloo até hoje sequer conseguiu comprovar que prestou todos os serviços ao município. Tanto que, até a última quarta-feira, apenas R$ 31,6 milhões haviam sido pagos pelo município à instituição, mediante comprovação de despesas — a prestação de contas de muitas delas só foi feita após a gestão de Bethlem. As informações foram obtidas pelo gabinete da vereadora Teresa Bergher (PSDB) no Fincon (sistema de acompanhamento orçamentário do município).

A Controladoria Geral do Município já confirmou irregularidades em alguns desses contratos. Um deles, no valor de R$ 9,6 milhões (dos quais foram pagos R$ 3,1 milhões), firmado em 1º de setembro de 2011, previa o recadastramento de beneficiários do Bolsa Família e outros programas sociais da União.

Irregularidades também são descritas na ação movida contra o ex-secretário. A ONG teve o contrato rescindido depois de cumprir apenas 54% do contrato — no entanto, recebeu o equivalente a 63% do valor acordado.