O globo, n. 29984, 12/06/2015. País, p. 6
Dilma ao PT: ‘ Nós não mudamos de lado’
Luiz Antônio Novaes, Sérgio Roxo e Letícia Fernandes
Em discurso no Congresso do PT, a presidente Dilma defendeu sua atual política econômica e pediu apoio do partido e dos aliados: “Não mudamos de lado.” Texto aprovado pelo PT ameniza críticas ao ajuste fiscal. - SALVADOR- Na abertura do 5 º Congresso do PT, ontem à noite, em Salvador, a presidente Dilma Rousseff defendeu o ajuste fiscal e pediu aos 800 delegados do partido que não desistam de dar respaldo ao governo — que, segundo ela, “não pode prescindir do apoio do PT”. Dilma admitiu que o país vive “uma conjuntura difícil”, e avisou que “essa é hora de ver quem é quem”, e de saber com quem realmente pode contar.
Em seu discurso, Dilma afirmou: “Nós não mudamos de lado”. E frisou que “nós temos que fazer o ajuste, sim”, referindo- se às medidas econômicas que são alvo de críticas entre os próprios petistas. A presidente assegurou que essas medidas em curso são necessárias para avançar num “Brasil menos desigual e mais justo”.
— O partido precisa entender que muitas vezes as circunstâncias impõem movimentos táticos para alcançar objetivos estratégicos — afirmou Dilma, que pediu aos militantes que “não se deixem abater com discursos e comportamentos intolerantes” dos que “torcem pelo nosso fracasso”.
Segundo ela, quanto mais rapidamente a economia for ajustada, mais rapidamente o país voltará a crescer.
— A demora no ajuste atua contra o país — disse Dilma, advertindo que o esforço para a retomada do crescimento “impõe sacrifícios a todos”.
LULA DIZ QUE PT “CONTINUA VIVO”
A presidente pediu que os petistas ajudem a evitar “o retrocesso da redução da maioridade penal”, e, sobre os escândalos de corrupção, afirmou que seu governo e do ex- presidente Lula “enfrentaram isso com determinação inédita”.
Antes de Dilma, Lula também procurou animar os militantes petistas. Ele dedicou a maior parte de seu discurso a criticar a imprensa. Lula disse que a “morte” do PT é divulgada pela imprensa há dez anos, mas frisou que o partido sobrevive:
— O PT continua vivo e muito preparado para novos debates, novos combates. Machucado sim, mas bem vivo. Enfrentando a mais sórdida campanha de difamação que um partido político já enfrentou neste país.
Dilma terminou seu discurso aplaudida com pouco entusiasmo pelos petistas. Antes da abertura do congresso, o PT aprovou a “Carta de Salvador”, documento que defende o governo Dilma e, ao mesmo tempo, tenta retomar o discurso socialista, considerando o país uma “pátria socialista”.
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Crítico dos cortes promovidos pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o PT resolveu criar o seu próprio ajuste fiscal na organização do 5 º Congresso do partido, que acontece até amanhã em Salvador. A tesourada permitiu que o orçamento inicial do encontro fosse reduzido de R$ 4,5 milhões para R$ 2 milhões.
Para atingir a meta, o PT mudou as regras para os seus delegados. Os consumos feitos nos frigobares dos quartos de hotel serão pagos pelos petistas e não pelo partido, como ocorria antes. Eles também estão precisando dividir os apartamentos com um companheiro. Os congressistas que moram em cidades distantes até 1.200 quilômetros da capital baiana foram obrigados a se deslocar de ônibus. Os que tiveram o privilégio de viajar de avião, porém, ficaram sem traslado do aeroporto para o hotel e precisaram colocar a mão no bolso para pagar o táxi.
Ainda dentro do programa de cortes nas despesas, as esticadas na viagem foram abolidas. Os participantes chegaram a Salvador apenas no dia de início do encontro e devem sair logo após acabarem as atividades. Além disso, durante os três dias de congresso, serão pagos aos delegados apenas dois almoços. As demais refeições ficaram por conta dos 800 representantes do partido.
— Estamos apertando as contas para economizar — explicou o secretário- geral do PT, Romênio Pereira.
DOAÇÕES PARA O PT DIMINUÍRAM
O partido tenta se adaptar aos novos tempos. Com a Operação Lava- Jato, as doações para a legenda diminuíram, o que complicou as contas. O PT também, pelo menos por enquanto, proibiu o recebimento de doações empresariais para a legenda. O tema é polêmico e ainda não foi referendado pelo congresso petista. O partido agora discute como pagará as dívidas, como a da campanha ao governo de São Paulo, do candidato derrotado Alexandre Padilha, ano passado.
Ainda no evento, o PT deve lançar uma campanha de arrecadação de doações de militantes e simpatizantes. A ideia é criar um site para receber contribuições. O partido conta com mais de 1,7 milhão de filiados e quer ampliar a participação financeira de seus integrantes.
Enquanto aperta o cinto em casa e repassa custos para a militância, o PT reclama dos cortes do governo. Tanto que a presidente Dilma Rousseff precisou sair em defesa de Levy, pedindo que ele não seja tratado como “Judas” pelos petistas. O vice- presidente, Michel Temer, também mandou recado aos petistas, dizendo que Levy está mais para um “Cristo”.
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Sempre que surge uma força nova, ela vai se adaptando às circunstâncias. O PT teve que se adaptar em 2003 e dar uma face social ao capitalismo. O Lula preservou aspectos da economia do FH e deu uma virada social que levou 42 milhões de brasileiros a ter conta- corrente. Até então, pobre só tinha poupança. É uma ‘ Argentina’ inteira que mudou de patamar. Mas o PT não mexeu na estrutura do país. Da porta de casa para dentro, a vida melhorou. Da porta para fora, as pessoas não entraram na classe média, com acesso à escola e saúde de qualidade. A eleição de Dilma não cumpriu a expectativa de que se mantivesse o crescimento, o poder aquisitivo do trabalhador, o pleno emprego, a melhoria nos serviços. Agora há frustração total. A esquerda se sente defraudada e perdida. Há um distanciamento entre o PT e seu eleitorado histórico. É um partido que, após 12 anos no poder, perdeu o contato direto com a base. O entusiasmo com o partido durou até a primeira eleição de Dilma e, agora, temos desconfiança. Depois que assumiu, o partido foi entrando em uma confusão brutal porque, para os militantes do PT, a chegada ao poder significou ascensão social e houve uma certa embriaguez. Suponho que os desvios do PT existiram, sim, porque ele se deixou contaminar pelos péssimos hábitos da política brasileira, com uma lógica de alianças que não tem como prioridade o interesse nacional. Vejo os aliados do PT e penso: em que país estou? Renan Calheiros, Romero Jucá... Não é culpa do PT, eles já estavam na política antes. Mas é um quadro de podridão ao qual o PT não soube resistir. A fragilidade do governo Dilma me incomoda. O PT abandonou várias bandeiras que tinha que abandonar, mas colocou em risco bandeiras que não podia arriscar.
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Eu tenho muito orgulho de ter participado durante tanto tempo de um partido que, quando chegou ao poder em 2003, iniciou programas sociais que fizeram a diferença para uma população tão desassistida até então. Mas algumas bandeiras foram deixadas para trás, sem dúvida. É aquela questão do partido de esquerda que chega ao poder e quer resolver problemas históricos em muito pouco tempo e atropela a ética, a transparência, a participação, o que se reverteu em escândalos, como a ação 470, jocosamente chamada de mensalão. Eu não desculpo a corrupção. A bandeira da ética tremulou por muito tempo no PT, mas se esgarçou. E levou ao afastamento de muitas lideranças, muita gente. E a maior tristeza que eu tenho é o afastamento dos jovens e dos militantes que deram sangue, suor e lágrima por esse partido. O PT ter chegado a essa situação em que as pessoas são vaiadas, a Dilma é insultada, acho que o partido tem responsabilidade sobre isso e tem que rever isso tudo. O PT se afastou de suas bases, do orçamento participativo, de participação popular. Eu, junto com outros intelectuais, como o André Singer, defendo um retorno às origens no sentido de retomar princípios e bandeiras. Fiquei extremamente chocada com esse ministério formado no segundo mandato de Dilma, a começar pelo Joaquim Levy, que é contra tudo o que o partido sempre defendeu. Precisamos retomar temas cruciais que ficaram muito mofinas nessas gestões petistas. Não se pode voltar ao que foi porque muita coisa mudou com o governo Lula. Mas é preciso uma retomada radical, séria dos princípios. Por outro lado, não pode ser algo que já abale mais o já combalido governo Dilma, que acho que se equivocou, mas é respeitável.