O globo, n. 29894, 12/06/2015. País, p. 9
Detalhes não tão pequenos ainda impedem biografia de Roberto
Mateus Campos
Se Paulo Cesar de Araújo quiser publicar “Roberto Carlos em detalhes” novamente, ele precisará voltar aos tribunais. Após a sessão do Supremo Tribunal Federal que extinguiu a necessidade de autorização prévia para biografias, o escritor declarou que iria colocar o livro novamente nas livrarias. No entanto, juristas afirmam que o caso não é tão simples. A decisão do STF, que considerou inconstitucional o artigo 20 do Código Civil, não se aplica diretamente ao caso dele. Uma nova batalha judicial será necessária para que, enfim, a obra seja liberada.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, representou Roberto Carlos no julgamento do STF. Ele afirma que o acordo feito entre Roberto Carlos, editora Planeta e Araújo em 2007 já foi homologado pela Justiça. Portanto, não seria afetado pela decisão do Supremo. O advogado ressalta que não representou o cantor na disputa de oito anos atrás, mas afirma que o escritor não pode publicar novamente:
— Existe um empecilho simples: ele fez um acordo na Justiça. É importante frisar. Na primeira audiência, ele e a editora aceitaram a proposta de conciliação do juiz. Agora, ele posa de herói, de vítima. Se quiser descumprir um acordo homologado pelo Judiciário, vai ter problemas.
Paulo Cesar de Araújo rebate o advogado. Ele diz que, a partir de agora, traçará uma estratégia para liberar o livro.
— O Kakay pode falar o que quiser. Direito é uma ciência interpretativa. O juiz ameaçou fechar a Planeta. Ela foi induzida a fazer o acordo baseada no artigo 20 do Código Civil, que ontem foi considerado inconstitucional. Desisti do acordo no dia seguinte à audiência. O advogado da editora fez o acordo e fiquei sem defesa. Não estou desistindo agora — sustenta.
Em nota, Roberto Carlos e o Instituto Amigo disseram ter encarado a decisão do STF com “grande satisfação”. Para o cantor, o direito à privacidade foi garantido na votação dos ministros.
No ano de 2007, ele ingressou com duas ações na Justiça: na esfera cível e na criminal. O cantor conseguiu uma liminar na primeira, que retirou os livros de circulação. Na segunda, fez um acordo com os réus, que se comprometeram a recolher a obra. Marco Antonio Bezerra Campos, que defende o compositor no caso, afirma que o trato de 2007 é definitivo.
— Na nossa visão, a argumentação do Paulo Cesar não procede. Ele assinou. O acordo é definitivo. Não adianta trocar de editora, trocar o título do livro nem reformulá- lo — diz.
Segundo Gustavo Binenbojm, advogado que representa a Associação Nacional dos Editores, a decisão do STF é retroativa. Uma única exceção, explica, pode atrapalhar Paulo Cesar de Araújo: casos que já tenham sido homologados, como o do escritor, realmente não são afetados.
— Se o alcance do acordo for mesmo aquele que os advogados de Roberto Carlos dizem ser, é difícil de revertê- lo — explica.
No entanto, o professor de Direito Civil Pedro Marcos Barbosa, da PUC- Rio, afirma que a defesa do escritor pode conseguir a anulação, graças a certos mecanismo jurídicos.
— Para usar um exemplo: há 200 anos, era lícito ter escravos e acordos eram feitos a partir deste consenso. Quando veio a Lei Áurea, a ordem jurídica deixou de ser compatível com aquilo — diz.
Anderson Shreriber, professor de Direito Civil da Uerj, concorda. Mas faz uma ressalva. O caminho a ser trilhado não é simples, e demandará disposição para uma longa disputa judicial:
— A afirmação de que o Paulo Cesar não vai poder mais publicar não é tão absoluta assim. Ele precisa levar a discussão ao Judiciário e desconstruir esse acordo. Não é uma tarefa fácil.
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- BRASÍLIA- Autor de emenda que propõe a redução do prazo de julgamento na Justiça dos processos impetrados por personalidades lesadas por informações falsas publicadas em biografias não autorizadas, o líder do Democratas, Ronaldo Caiado ( GO), prevê que o Senado agilizará a votação do projeto que trata do assunto depois da decisão do Supremo considerando desnecessária autorização prévia do biografado ou familiares.
Apesar de rejeitar a autorização prévia, o STF abriu a possibilidade de recurso ao Judiciário para correção de mentiras, agressões ou violação de privacidade dos biografados. O projeto que libera as biografias está tramitando na Comissão de Educação e é relatado pelo senador Romário ( PSB- RJ), que agora está adequando o texto à decisão do Supremo.
A emenda de Caiado prevê que a pessoa que se sentir atingida em sua honra ou respeitabilidade poderá recorrer à Justiça para pedir a exclusão do trecho ofensivo. A exclusão, de acordo com o julgamento de juiz, entretanto, deverá ser feita nas reproduções futuras da obra, ficando descartado o recolhimento de edições anteriores.
O texto da emenda diz que, numa primeira audiência de conciliação, em juizado especial, as partes envolvidas tentarão um acordo. Não sendo possível, o juiz dará sua decisão, cabendo recurso. Depois, se uma das partes ainda se sentir prejudicada, vai direto para o STF por meio do recurso extraordinário. Com isso, se o biógrafo cometeu crime, mentiu e escreveu algo não comprovado, o trecho é corrigido nas futuras impressões.
Romário informou que seu parecer já está praticamente pronto, mas depende de análise detalhada da decisão do STF:
— Eles alteraram interpretação da lei, mas o artigo ( da lei) continua fora do contexto da realidade atual brasileira.