O globo, n. 29894, 12/06/2015. País, p. 18

Líderes têm de pensar na reforma da reforma política

Como ainda haverá votações em segundo turno na Câmara e mais
duas rodadas no Senado, são grandes as chances de se corrigir
erros cometidos até agora

Na votação de ontem da reforma política tocada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), aprovouse a redução da idade mínima para que se possa concorrer a postos no Legislativo e no Executivo. No rebaixamento geral dos limites — algo que pode ser saudável, por induzir a renovação na política —, chama a atenção que a idade mínima para governador e senador passe de 30 e 35 para 29 anos. Por que não 30, um número redondo, como seria normal? É que o deputado Wilson Filho ( PTB- PB), de um clã político paraibano, tem 25 anos e planeja se lançar ao Senado ou ao governo do estado em 2018. Feitas as contas, o limite terá de ser de 29 anos, para atender aos planos do deputado. E assim fez o relator da reforma neste primeiro turno de votações na Câmara, Rodrigo Maia ( DEM- RJ).

Essa história bizarra diz muito do caráter — ou da falta de — desta “reforma política”, tocada aos arrancos por Eduardo Cunha, num clima de mercado persa de secos e molhados, em que se misturam assuntos relevantes e temas desimportantes para o país. Nas votações de incontáveis propostas não é exagero imaginar que muitos deputados não saibam ao certo o que estão decidindo.

As principais lideranças no Congresso precisam refletir sobre os descaminhos observados nesta primeira das quatro rodadas de votações, duas em cada Casa, e preparar a reforma da reforma.

O fim da reeleição e a ampliação dos mandatos de quatro para cinco anos são dois dos equívocos cometidos na Câmara. Ao contrário do que se pensa, impedir que eleitos para cargos no Executivo possam se candidatar a mais quatro anos no poder não acaba com o uso da máquina para fins político- partidários. Ela continuará sendo manipulada. Mudará apenas o nome das pessoas físicas.

Para combater- se essa histórica distorção da vida pública brasileira, apenas com uma legislação eficaz e bem aplicada.

A linha errática de uma reforma em que as decisões mais importantes têm sido a rejeição de propostas e não a aceitação de mudanças é preocupante. Roberto Campos destilava ironia quando afirmava que o camelo é um cavalo desenhado por uma comissão. Até agora, não se sabe qual o animal que está sendo projetado por esta reforma. Mas é real o risco de sair algo monstruoso.

E tudo porque a dupla de comando do Congresso, Cunha na Câmara e o também peemedebista Renan Calheiros ( AL) no Senado, segue agenda pessoal de emparedamento de um Planalto enfraquecido pela crise, e ainda para se fortalecer diante de um eventual indiciamento pelo MP federal, junto ao Supremo, no processo do petrolão.

Haverá mais três turnos de votações, o segundo na Câmara e dois no Senado. Têm de ser aproveitados para eliminar as distorções desta reforma sem eira nem beira.