O globo, n. 29894, 12/06/2015. Economia, p. 21

Com asas na Europa

Geralda Doca e Danielle Nogueira

Com sócio português, David Neeleman, dono da Azul, compra TAP por € 354 milhões

David Neeleman e um sócio português compraram a estatal TAP por € 354 milhões. Analistas preveem mais voos da Europa para o Brasil usando a malha regional da Azul. - LISBOA, BRASÍLIA E RIO- Em meio a um debate polarizado entre correntes de esquerda e de direita, o governo de Portugal anunciou ontem o novo dono da companhia aérea portuguesa TAP. Venceram a disputa o dono da Azul, David Neeleman, e seu sócio, o português Humberto Pedrosa, presidente do grupo de transportes Barraqueiro. Eles pagarão € 354 milhões por 61% da aérea. Para especialistas, o resultado prático da operação deve ser o compartilhamento de voos entre Azul e TAP, o que facilitaria a ligação entre cidades médias do Brasil, onde a Azul já atua, e Lisboa, considerada a principal porta de entrada de brasileiros na Europa.

MICHEL FILHO Exigências. Venda da TAP prevê manutenção da sede da empresa em Portugal por dez anos

“Foi selecionado o agrupamento Gateway, atendendo ao maior mérito da sua proposta, em especial no que diz respeito à contribuição para o reforço da capacidade econômico- financeira do grupo TAP”, diz o comunicado do Conselho de Ministros, órgão do governo português que decide os rumos dos processos de privatização no país. O Barraqueiro detém 50,1% do Gateway, cumprindo o requisito da nacionalidade europeia obrigatória para quem controla aéreas. A holding DGN, de Neeleman, detém os outros 49,9%.

MAIS CONCORRÊNCIA

De imediato, o governo português ficará com apenas € 10 milhões. O restante será usado para fazer frente a dívidas e aumentar o capital da companhia — que tem 70 anos de história e mais de 13 mil empregados, quando se inclui na conta outras empresas do grupo. Nos próximos dois anos, o consórcio vencedor tem a opção de comprar os 34% da TAP que permanecerão nas mãos do governo. Um total de 5% do capital da aérea serão ofertados aos trabalhadores, mas, se não houver demanda, também poderão ser adquiridos pelo Gateway. De acordo com o jornal português “Público”, com a possível ampliação da fatia privatizada, o negócio pode chegar a € 488 milhões.

A proposta do Gateway inclui a TAP Manutenção e Engenharia, antiga VEM, sediada no Brasil. Ela foi vitoriosa sobre a do consórcio Sagef, do grupo Synergy — controlado por Gérman Efromovich, dono da Avianca. Este fez uma oferta de € 350 milhões: € 250 milhões em dinheiro e € 100 milhões em 50 novos aviões.

Segundo o jornal “Diario Econômico”, a proposta do Gateway inclui o reforço da frota da TAP, com 53 novos aviões, e garantias ao governo e aos trabalhadores da aérea. A sede da companhia e a diretoria serão mantidas em Portugal pelos próximos dez anos. Também há o compromisso de manter em Lisboa o ( centro de distribuição de voos) da TAP por 30 anos. O não cumprimento dessas obrigações pode resultar em multas diárias e daria ao Estado o direito de anular a venda.

O plano estratégico do Gateway não é conhecido em detalhes, mas sabe- se que está previsto um reforço das conexões entre Portugal e Brasil, bem como com os Estados Unidos. Para especialistas, a tendência natural será reforçar as conexões entre Brasil e Portugal, por meio de parcerias:

— Nos acordos de compartilhamento, os clientes das empresas têm prioridade de reserva de assentos. Isso deve reforçar o fluxo de passageiros entre Brasil e Portugal — disse Percy Rodrigues, consultor e expresidente da Rio Sul Linhas Aéreas.

A compra da TAP também permitirá à Azul expandir operações na América do Sul e dará a ela robustez para enfrentar TAM e Gol, na visão de especialistas.

— Haverá um natural crescimento da Azul na América do Sul, a fim de dar continuidade aos voos da TAP, a partir do ponto de chegada ao Brasil para outras capitais sul- americanas — disse o professor de Transporte Aéreo da UFRJ Respício do Espírito Santo Júnior.

A TAP oferece 83 frequências semanais entre Brasil e Portugal. Segundo a Azul, no curto prazo, as empresas vão estreitar acordos comerciais. A Azul já usa o hangar de manutenção da TAP, em Porto Alegre.

Um executivo do setor, que prefere não se identificar, disse que a compra da TAP pela Azul deixa as concorrentes apreensivas. Do ponto de vista financeiro, disse a fonte, a operação traz benefícios à Azul, que poderá ter receitas em moeda estrangeira, ao embarcar passageiros trazidos pela TAP do exterior. Em nota, a Agência Nacional de Aviação Civil ( Anac) disse que não vê prejuízo ao mercado, pois as empresas não operam rotas sobrepostas.

GOVERNO BRASILEIRO APOIOU NEGÓCIO

O ministro da Secretaria de Aviação Civil ( SAC), Eliseu Padilha, disse que o governo brasileiro foi informado previamente sobre o interesse da Azul na TAP e que apoiou o negócio.

— Neeleman me assegurou que vai levar o projeto de expansão no Brasil até às últimas consequências — disse o ministro, acrescentando. — A participação da aviação civil brasileira no mercado internacional vai crescer a partir da TAP, que tem muitos voos para a Europa.

Neeleman e Pedrosa comemoraram: “Mais importante que a vitória é a responsabilidade. A responsabilidade de corresponder às expectativas criadas a todos os envolvidos. O nosso compromisso de crescimento e investimento na TAP e em Portugal é a partir de hoje nossa prioridade”. A Azul parabenizou, em nota, o controlador citando que a aquisição será uma oportunidade muito boa para o Brasil.

O primeiro- ministro português, Pedro Passos Coelho, elogiou a privatização:

— O que aconteceria se não tivéssemos condições para concluir o processo com sucesso era a liquidação da empresa no médio prazo, após uma manobra de reestruturação pública que não faria mais do que empurrar com a barriga o problema.

Em 2011, Portugal concordou em vender a TAP como condição para receber ajuda do Fundo Monetário Internacional e da União Europeia. No ano seguinte, o governo rejeitou a única proposta, feita pela Synergy, alegando falta de condições financeiras. Em novembro de 2014, o processo de privatização foi retomado. O negócio depende do aval dos órgãos reguladores da concorrência da UE.